Dias atrás, escrevi uma coluna sobre o papel das celebridades durante a enchente. Entendo que toda ajuda é válida, mesmo que motivada por um tanto de vaidade e de busca por holofotes. Mas fiquei realmente impactado diante de um post da chef gaúcha Helena Rizzo no Instagram, convocando para um evento a ser realizado no dia 28 de maio no restaurante TUJU, em São Paulo.
É o Chefs pelo Rio Grande do Sul, jantar para arrecadar fundos para os afetados pela tragédia climática. Além de Helena, que comanda a cozinha do Mani e é jurada do programa MasterChef Brasil, participam Roberta Sudbrack (Sud, o pássaro verde), Luiz Filipe Souza (Ewai), Ivan Ralston (TUJU), Tadashi Shiraishi (Kanoe), Neka Menna Barreto (Neka Gastronomia), Carla Pernambuco (Carlota), Liane Ralston (Rascal), Eudes de Assis (Taioba) e Edinho Engel (Manacá).
O convite diz: "Menu de 10 tempos harmonizado. R$ 10 mil por pessoa. A venda será revertida para SOS Rio Grande do Sul, Ação Cidadania e Instituto Survivor". E informa o telefone para reservas.
Até as 14h desta segunda-feira (20), já havia mais de mil comentários. Uns tantos com teor crítico, outros tantos defendendo a iniciativa.
Um usuário escreveu: "Segregação braba ein... Se fizesse por 1/10 desse valor, capaz de conseguir MUITO mais...". A própria Helena Rizzo respondeu: "O restaurante só tem 30 lugares". Outra pessoa emendou: "Vão levantar 300 mil em menos de 5h de evento. Eu acho é ótimo tirar de quem tem muito dinheiro".
Logo veio a tréplica: "Se fossem ricos conscientes, não fariam jantar nenhum. Simplesmente doariam, pq é o mínimo que alguém com tanto dinheiro pode fazer. Coisa pra rico esnobe pagar de boa gente. Acho péssimo, degradante. Qdo vi, achei que fosse algo como chefs fazendo comida pra quem está lá, pra quem perdeu tudo. Pra quem precisa de verdade. Isso aí é palco pro absurdo!".
O debate continuou: "Ajuda nunca se pode questionar, ela é sempre bem-vinda. Eu concordo que a pessoa que tem deveria doar sem ter nada em troca, mas tbm não podemos dizer que os que forem (ao jantar) não tenham doado antes (...). O dinheiro será bem-vindo a todos os que estão precisando, é isso que importa".
Acho que o perfil @henriquebrasio resumiu minha opinião: "Tive uma sensação dúbia. Entendo quão volumoso é o potencial de arrecadação. Mas socialmente falando, essa conta fecha? Reflita: o público capaz de arcar com esse valor de R$ 10 mil por pessoa é tão restrito, mas tão restrito, que de certa forma a doação não passa a ser glamorizada e vendida como obtenção de status?".
Eu acrescento que, se o restaurante tem apenas 30 lugares, era preciso mesmo divulgar o evento via redes sociais? Não seria melhor uma comunicação direta com potenciais clientes, que certamente são conhecidos por esses cozinheiros renomados?
Ficou parecendo, mesmo, um lance exibicionista, um post-ostentação que aponta para o gigantesco fosso social existente no Brasil, onde chefs podem cobrar R$ 10 mil por pessoa em um jantar porque sabem que há quem pague, enquanto, segundo dados do IBGE referentes a 2022, 60,1% da população vive com até um salário mínimo (R$ 1.412) por mês.