Quando vi na sessão de imprensa, tentei anotar o número de pessoas mortas por Michael Myers em Halloween Kills: O Terror Continua (2021), que estreou no dia 10 na Netflix e logo se tornou um dos mais vistos na plataforma (era o segundo no top 10 desta quarta-feira, 13). Mas logo me perdi na conta, talvez distraído pelas risadas na sessão para a imprensa do filme dirigido por David Gordon Green. Não creio que tenha sido um riso nervoso, nem mesmo fruto de um senso de humor sádico: meus colegas reagiram ao absurdo e ao exagero que pautam o 12º título da franquia de terror iniciada em 1978 pelo cineasta John Carpenter. Só sua popularidade explica o sucesso no streaming.
Trata-se do capítulo do meio de uma trilogia iniciada pelo eficiente Halloween (2018) e encerrada pelo dúbio Halloween Ends (2022) — os três filmes são assinados por Green, que pode ter virado persona non grata entre os fãs de terror depois de O Exorcista: O Devoto (2023).
Um dos pioneiros dos psicopatas assassinos que marcam o subgênero slasher (veio depois do Leatherface de O Massacre da Serra Elétrica e antes do Jason Voorhees de Sexta-Feira 13), Michael Myers é "uma criança de seis anos em um corpo de homem e com a mente de uma fera", como descreve o policial Hawkins (Will Patton) em Halloween Kills. Criado por Carpenter e pela roteirista e produtora Debra Hill, o personagem mascarado já nasceu como algo quase sobrenatural, essencialmente maligno e virtualmente imparável — uma força da natureza.
Mas Halloween Kills vira o fio em relação à crueldade e à indestrutibilidade. E acrescenta à equação a previsibilidade. Em um processo análogo à transformação dos heróis hollywoodianos de ação em super-heróis — tanto os uniformizados da DC e da Marvel quanto os tipos vividos por Bruce Willis, Tom Cruise, Vin Diesel, Dwayne Johnson etc — praticamente imortais (salvo quando o ator se aposenta ou quer partir para novos desafios), Michael Myers deixou de provocar a emoção básica do terror. O medo dá lugar ao sono: sabemos que o maníaco vai ressuscitar, sabemos que vai matar as pessoas dentro daquela casa, sabemos que não vai tombar diante de uma horda de Haddonfield, a cidadezinha fictícia do Estado de Illinois onde as tramas são ambientadas.
Halloween Kills começa exatamente de onde terminou Halloween (2018) — que, por sua vez, é sequência direta do Halloween original, com a atriz Jamie Lee Curtis, oscarizada por Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022), retomando o papel de Laurie Strode, sobrevivente do primeiro massacre. Depois de aprisionar Michael (o ator e dublê James Jude Courtney, 1m91cm) em uma armadilha incendiária, Laurie, gravemente ferida à faca, está sendo levada para o hospital na companhia de sua filha, Karen (Judy Greer), e de sua neta, Allyson (Andi Matichak). Ainda dentro da ambulância, a vovó durona lamenta a agilidade dos bombeiros de Haddonfield: ao correrem para apagar as chamas da casa, salvaram Michael. Que retribui a seu modo, misturando sangue ao fogo.
Dali para frente, a matança empreendida com toda sorte de objeto perfurante — de facas a um tubo de luz fluorescente, das ripas de uma escada aos próprios dedos do vilão — será alternada com a tentativa de desenvolver temas mais sérios. O roteiro escrito por Green e por Danny McBride resgata outro sobrevivente do Halloween de 1978, o menino Tommy Doyle, de quem Laurie era babá. Por meio da versão adulta do personagem, interpretada por Anthony Michael Hall, Halloween Kills ensaia um debate sobre trauma (individual ou coletivo, algo tristemente comum no país dos serial killers e dos atiradores em escolas) e sobre o ressentimento que ajudou a eleger Donald Trump à presidência em 2016. São elementos que podem se mostrar explosivos, levando a perigos como a formação de milícias e o justiçamento popular.
Os supostos conteúdos psicológicos e políticos logo se diluem no sangue que jorra. Perdem força diante da artificialidade das atuações — nenhum ator parece encarnar um personagem de fato. Faltam nuances e sobram frases de efeito — os diálogos, esses sim, são assustadores. E como outros críticos já disseram, é um pecado esconder Jamie Lee Curtis no hospital.
Resta ouvir em alto e bom som a trilha composta por John Carpenter, Cody Carpenter (filho do cineasta) e Daniel Davies, em sua maioria variações do aflitivo, sinistro e inesquecível tema original. Aliás, fica a dica: o filme clássico está em cartaz no Amazon Prime Video. Em que pesem o nítido aperto orçamentário e uma certa lentidão característica de sua época, o Halloween de 1978 revela um mestre na carpintaria do suspense e do mal, construindo uma atmosfera absolutamente perturbadora, ao contrário do tédio sangrento oferecido por Halloween Kills.