
Em 2013, o cantor paranaense Dinho Ouro Preto digitou na antiga rede social Twitter — que agora se chama X — uma das mais célebres reflexões musicais proferidas por um brasileiro: "Falta uma banda que una todas as tribos, como foi o Norvana (sic)". A frase, que está completando uma década de festejada existência, parece ter chegado ao diretor e roteirista David Gordon Green, que decidiu transformar o seu novo filme, O Exorcista: O Devoto, em um longa-metragem que unisse todas as tribos — só que religiosas —, em uma espécie de "vingadorização" do exorcismo.
O cineasta, nesse processo de abraçar uma maior gama de crenças, não apenas a católica, acabou se esquecendo do título do projeto para que foi contratado e, principalmente, da franquia para a qual deveria dar continuidade. A diversidade religiosa é importante, principalmente em tempos de intolerância, mas acaba tirando o longa-metragem de sua base e deturpando a ideia inicial em prol de uma mensagem que se torna gratuita e esvaziada. Não houve, sequer, um esforço para tornar essa reunião antidemoníaca coesa — e a conclusão da mesma é vergonhosa.
Em O Devoto, o público conhece a história de Victor Fielding (Leslie Odom Jr.), que em uma viagem de férias para o Haiti acaba vendo a sua esposa grávida ficar gravemente ferida durante um terremoto. A mulher acaba morrendo, mas a filha do casal, Angela (Lidya Jewett) sobrevive. Corta para 13 anos no futuro e Victor é um pai superprotetor. Em uma das poucas brechas que dá para a herdeira, ela acaba sumindo em uma floresta com a amiga Katherine (Olivia O'Neill) por três dias — as duas, porém, acham que ficaram fora por apenas algumas horas.
As meninas retornam para suas casas com pés machucados, sem memória, uma certa desorientação e um demônio — e não um qualquer. A entidade do mal, de acordo com o diretor e corroterista David Gordon Green, é estudada e já conhece tudo o que os demonologistas sabem — ou seja, preparada para a batalha. Desta forma, a possessão dupla é um desafio para as famílias. Eis que Victor entra em contato com a única pessoa conhecida que já enfrentou algo semelhante: Chris MacNeil (Ellen Burstyn), que escreveu um livro sobre o episódio que viveu com a sua filha Regan (Linda Blair), meio século antes, fazendo desta uma legacy sequel.
A ideia, em sua concepção, poderia funcionar, só que O Exorcista: O Devoto não encontra o mesmo motivo de ser apresentado pelo título original — e muito menos o terror genuíno entregue pela obra de 1973. Embora o diretor do novo projeto tente emular William Friedkin, sem pressa para apresentar as entidades malignas e, também, com planos específicos, como a faixa de luz nos olhos das possuídas, falta talento para fazer isso funcionar dentro de um projeto sem a energia do antecessor.

Projeto
O Exorcista: O Devoto é a primeira etapa de uma trilogia planejada — o segundo título, The Exorcist: Deceiver (O Exorcista: Enganador, em tradução livre), tem estreia marcada para 18 de abril de 2025 — e que começa com o pé esquerdo, tanto na recepção por parte da crítica quanto do público, que não foi em peso para assistir ao primeiro capítulo nos cinemas. A bilheteria de estreia ficou abaixo do esperado (US$ 26,4 milhões no primeiro final de semana nos Estados Unidos) e acende um alerta para a Universal, que desembolsou nada menos do que US$ 400 milhões apenas para comprar os direitos da franquia.
E é por essa pomposa quantia que impressiona o fato de David Gordon Green, que escreveu o roteiro ao lado de Peter Sattler, ter fugido da ideia básica do título original — ainda mais se levar em consideração que o novo longa-metragem é uma continuação direta da obra cinquentenária, excluindo da linha do tempo as sequências e os prequels que vieram ao longo do tempo. O cineasta já havia feito tal movimento em Halloween, com uma nova trilogia iniciada em 2018, que começou bem, mas desandou nos capítulos seguintes.
Ele tenta, tal qual na trilogia de Michael Myers, trazer a questão do trauma psicológico como catapultador para a ação do mal, só que de forma desconjuntada, sem grandes motivadores apresentados na tela para tal. A emoção encontrada em seu predecessor também passa longe de O Devoto, com ligações entre arcos vazios, bem como as relações entre os personagens. E não é culpa do elenco — Leslie Odom Jr. faz o melhor que pode, bem como Ann Dowd, a vizinha que quase foi freira e se torna de essencial ajuda para a luta contra o demônio, mesmo que de forma desajeitada por conta do roteiro.
O que mostra que essa nova empreitada não encontra motivo de existir, contudo, é a escalação de Ellen Burstyn, que já havia negado muitas vezes antes retornar à franquia. Após a premiada atriz aceitar a proposta da Blumhouse, os escritores do longa subaproveitam a sua personagem, colocando-a em uma sequência constrangedora e, depois, deixando-a relegada a uma cama de hospital, "sentindo" o que acontece fora dali. Um enorme desperdício de talento.
O novo filme, que dá sequência aos eventos de O Exorcista, chega justamente no ano de aniversário de cinco décadas do clássico dirigido por William Friedkin e, certamente, o longa-metragem definidor do tema nos cinemas merecia um presente melhor — nesse caso, até ganhar nada seria melhor. Resta esperar que David Gordon Green faça o caminho inverso de Halloween, porque piorar o que foi feito em O Devoto vai ser difícil.