A Netflix é atenta e esperta. Aproveitando as 11 indicações ao Oscar recebidas por Pobres Criaturas (2023), a plataforma de streaming tratou de disponibilizar dois filmes anteriores do diretor grego Yorgos Lanthimos. O primeiro foi A Favorita (2018), que valeu a Olivia Colman a estatueta dourada de melhor atriz. Depois, veio O Lagosta (The Lobster, 2015), que, além de ter merecido o o prêmio do júri no Festival de Cannes, concorreu ao troféu de roteiro original da Academia de Hollywood.
Original é o adjetivo mais simples que se pode atribuir ao filme estrelado por Colin Farrell, Rachel Weisz, Léa Seydoux, John C. Reilly, Ben Whishaw e a própria Olivia Colman. Escrito por Lanthimos com seu habitual colaborador, Efthimis Filippou, trata-se de uma distopia, só que bem diferente daquelas costumeiramente vistas em títulos apocalípticos. No cenário imaginado por O Lagosta, a extrema opressão que atinge os personagens não é decorrente de um vírus, de um desastre ou de uma guerra. O motivo é algo normalmente encarado como positivo, uma meta de vida: estamos na tirania do amor.
No futuro próximo desenhado pela dupla grega, amar, ou pelo menos casar, é uma obrigação. A lei proíbe que as pessoas fiquem solteiras. Qualquer homem ou mulher que não estiver em um relacionamento é preso e enviado a um lugar situado entre o mar e uma floresta chamado O Hotel. Lá, precisam formar um casal em até 45 dias. Caso contrário, serão transformados em um animal — essa informação ressignifica a sinistra cena de abertura. David, o protagonista encarnado por Colin Farrell, escolhe virar uma lagosta se não tiver sucesso.
Primeiro longa-metragem de Yorgos Lanthimos falado em inglês, O Lagosta traz a peculiar mistura do absurdo com o chocante, do pessimismo com um senso de humor, temperada por fartas doses de crítica social. Sua ironia melancólica — conduzida pelas interpretações contidas do elenco, que contrastam com situações excêntricas — pode não agradar a todos os espectadores, mas quem entrar na onda será banhado por observações ferinas sobre as máscaras da vida a dois e da vida em sociedade. O filme expõe as mentiras que alicerçam casamentos e ironiza a ilusão ou a supervalorização das afinidades — tão enaltecidas, por exemplo, em programas como Casamento às Cegas.
Lanthimos também ataca o caráter repressivo das convenções sociais e nossa natureza dicotômica (obstáculo também no terreno político). Como escreveu o crítico Marcelo Müller no site Papo de Cinema, "a sociedade vista em O Lagosta não tolera o meio-termo, é extremista". No hotel, por exemplo, não é permitida a bissexualidade, a fluidez sexual. Já o grupo de rebeldes solteiros que se refugia na floresta tem regras tão rígidas quanto as normais oficiais: se de um lado ninguém pode viver sozinho, do outro ninguém pode se apaixonar.