Em cartaz a partir desta quinta-feira (21) em 16 salas de Porto Alegre (incluindo a IMAX do Cinemark Wallig), Duna, o novo filme de ficção científica de Denis Villeneuve, talvez seja o grande evento cinematográfico não apenas de 2021, mas dos tempos de pandemia. Se você resistiu à tentação de Tenet, em 2020; se você esperou chegarem ao streaming os dramas premiados no Oscar, como Nomadland e Bela Vingança; se você não engrossou a bilheteria mundial de Velozes e Furiosos 9, o maior sucesso de Hollywood nestes quase dois anos de covid-19; se você não se animou com os três terrores da temporada — Um Lugar Silencioso: Parte II, A Lenda de Candyman e Maligno —; se você já está saturado dos super-heróis da DC e da Marvel; se você não quis se despedir de Daniel Craig na franquia 007; chegou a hora de, devidamente protegido e protegendo as demais pessoas com o uso de máscara e com o passaporte de vacinação, voltar a viver a mágica e imersiva experiência do cinema.
As recompensas são muitas.
Para começar, não faça do desastrado Duna de 1984 um pé atrás. Aquela versão do clássico romance sci-fi publicado em 1965 pelo escritor estadunidense Frank Herbert (1020-1986) — que influenciou diretamente George Lucas na criação da saga Star Wars (1977) — é considerada pelo cineasta David Lynch como o único arrependimento de sua carreira. O autor de O Homem Elefante (1980) e Cidade dos Sonhos (2001) enfrentou inúmeros percalços nas filmagens e também precisou ceder às vontades dos produtores, reduzindo pela metade seu primeiro corte: as mais de quatro horas tornaram-se duas horas e 17 minutos — igualmente longuíssimas, quase intransponíveis sem cair no sono (tente ver na Netflix). O Duna de 2021 é mais extenso (duas horas e 35 minutos), mas não tem a pretensão de condensar toda a complexa trama de aproximadamente 700 páginas em um único filme. Deixa claro no letreiro de apresentação que é a "primeira parte" de duas ou de uma potencial e promissora franquia, e na última frase dita em cena uma personagem diz que "isso é só o começo".
Os neófitos em relação à obra de Herbert não precisam se preocupar. O Duna de Denis Villeneuve, que escreveu o roteiro com o veterano Eric Roth (oscarizado por Forrest Gump e indicado por O Informante, Munique, O Curioso Caso de Benjamin Button e Nasce uma Estrela) e Jon Spaihts (coautor de Doutor Estranho), entende que uma adaptação não deve obrigar o espectador a ler o livro antes de ir ao cinema — mas pode, isso sim, despertar o interesse do público em se aprofundar na história original. E o estranhamento ao universo concebido pelo romancista parece ser fundamental para o encantamento.
Com 54 anos completados no dia 3 de outubro, Villeneuve traz no currículo títulos como Incêndios (2010), indicado ao Oscar de filme internacional, A Chegada (2016), que disputou oito estatuetas douradas, incluindo as de melhor filme e direção, e Blade Runner 2049 (2017), ganhador dos prêmios de fotografia e efeitos visuais. A exemplo do cineasta britânico Christopher Nolan, o diretor e roteirista franco-canadense gosta de conjugar o filme-pipoca com o filme-cabeça, apostando na combinação de elementos do suspense, discussões filosóficas, estruturas narrativas instigantes e um inegável apuro estético — não à toa, suas obras costumam concorrer ao Oscar na categoria de fotografia (além de Blade Runner 2049, também concorreram Os Suspeitos, de 2013, Sicario, de 2015, e A Chegada).
Em Duna, os US$ 165 milhões do orçamento permitem a Villeneuve aliar o espetáculo para os olhos ao convite à reflexão. O design de produção assinado por Patrice Vermette, seu colaborador habitual, mistura o futuro com o arcaico — no universo concebido por Frank Herbert e ambientado a partir do ano 10.191, o imperador Shaddam Corrino IV comanda os planetas sob um sistema feudal —, assim como os combates corpo a corpo misturam espadas e campos de força. Temos naves espaciais que transportam multidões e helicópteros que se assemelham a insetos, edificações que remetem às pirâmides do Egito e gigantescos vermes que singram sob o deserto de Arrakis, o principal cenário, onde se destaca o diretor de fotografia Greig Fraser, concorrente ao Oscar por Lion (2016) e vencedor do Emmy por The Mandalorian (2019). Em meio à ação, surgem temas religiosos (o protagonista, Paul Atreides, é o messias destinado a libertar os povos oprimidos), político-econômicos (os efeitos do colonialismo, do imperialismo e do capitalismo predatório), psicológicos (o medo como "a pequena morte que leva à aniquilação total") e ecológicos (as valiosas "especiarias", com utilidades tanto místicas quanto tecnológicas, aludem à maneira como exploramos os recursos naturais).
O dinheiro gordo também possibilitou a contratação de um time dos sonhos: o elenco pop e global, premiado e multigeracional. O estadunidense Timothée Chalamet, 25 anos, indicado ao Oscar de melhor ator por Me Chame pelo seu Nome (2017), encarna Paul Atreides. Ele é filho do duque Leto (Oscar Isaac, 42, nascido na Guatemala, o Poe Dameron da saga Star Wars) e de lady Jessica (Rebecca Ferguson, 38, nascida na Suécia, a Ilsa Faust da franquia Missão: Impossível), e vem sonhando com a personagem interpretada por Zendaya (a MJ dos filmes do Homem-Aranha), 25, uma fremen — os nativos de Arrakis.
Também sueco, Stellan Skarsgård, 70, Globo de Ouro de ator coadjuvante pela minissérie Chernobyl (2019), faz o barão Vladimir Harkonnen, o vilão da trama. O Aquaman dos filmes da DC, o havaiano Jason Momoa, 42, é um dos mocinhos, o guerreiro Duncan Idaho, e o californiano Josh Brolin, 52, depois de ser o Thanos da Marvel, agora está no lado do bem, como o comandante militar Gurney Halleck. Mas o estadunidense Dave Bautista, 52, um dos Guardiões da Galáxia, desta vez foi recrutado para ser malvado mesmo, na pele alva de Rabban Harkonnen. Outro astro com 52 anos, o espanhol Javier Bardem, Oscar de coadjuvante por Onde os Fracos Não Têm Vez (2007) e laureado no Festival de Cannes por Biutiful (2010), é Stilgar, um líder da resistência. Entre os papéis de destaque, há ainda o de Gaius Helen Mohiam (a inglesa Charlotte Rampling, 75, Urso de Ouro em Berlim por 45 Anos), reverenda das Bene Gesserit, uma ordem religiosa com poderes sobre-humanos — com a Voz, por exemplo, ordenam até assassinatos —, o da ecologista imperial Liet Kynes (a londrina Sharon Duncan-Brewster, 45) e o Dr. Yueh (o taiwanês Chang Chen, 45). E quem viu o recente Infiltrado (2021) vai reconhecer logo nas primeiras cenas o nigeriano Babs Olusanmokun, 37, outro fremen.
A quantidade de personagens, caros e denominações pode assustar, e de fato acaba se constituindo em um ponto negativo de Duna: na maioria dos casos, falta tempo para o desenvolvimento emocional e para a conexão com o espectador. Mas eles são apresentados aos poucos por Denis Villeneuve, que equilibra o tom didático com a sedução do mistério — realçada pela trilha sonora composta por Hans Zimmer, que sintetizou os elementos percussivos e agregou elementos anacrônicos, como gaitas de foles, refletindo a fusão de futurismo e feudalismo inerente à obra de Frank Herbert. Talvez o cineasta seja paciencioso demais no primeiro terço do filme, mas faz parte do processo de aclimatação a lugares como Caladan, o frondoso lar dos Atreides, Gieidi Primo, a soturna base dos Harkonnen, e Arrakis, o planeta desértico de onde é extraída a especiaria.
E nada é desperdício nesta superprodução. Os momentos iniciais ensinam sobre coisas que serão retomadas mais à frente, desde as habilidades latentes de Paul Atreides até os bastidores das intrigas palacianas que desencadeiam a ação e a reviravolta de Duna, passando pelas características dos trajestiladores, a vestimenta fundamental para a sobrevivência nas areias de Arrakis.
Enfim: se eu tivesse os poderes das Bene Gesserit, estaria usando agora, com insistência, a Voz: "Veja Duna. Veja Duna. Veja Duna".