De comparações entre o coronavírus com gripe comum, para minimizar os efeitos da pandemia, até a briga com governadores sobre quem tem o poder de decidir quando e como a economia deve ser retomada, o presidente Jair Bolsonaro ecoa falas ou mensagens em redes sociais que aparecem primeiro em pronunciamentos ou tuítes de Donald Trump.
O americano recuou primeiro que o brasileiro sobre a necessidade de medidas de isolamento social para conter o vírus (ambos rejeitavam anteriormente evidências científicas), mas os dois compraram brigas com assessores técnicos, deram publicidade à cloroquina como medicamento supostamente salvador contra a covid-19, mesmo sem comprovação científica, e chegaram a usar palavras muito semelhantes sobre tratar a doença e proteger a economia.
A coluna comparou alguns pronunciamentos, mensagens em redes sociais e entrevistas. Chama a atenção, além da semelhança das expressões, as datas e horários em que foram proferidas: muitas declarações de Bolsonaro que emulam Trump foram feitas no mesmo dia ou algumas horas depois do americano.
"Gripezinha"
Donald Trump
Em 9 de março, Trump escreveu no Twitter que a gripe comum matou 37 mil americanos em 2019: “A vida e a economia continuam (…) Neste momento, existem 546 casos confirmados de coronavírus, com 22 mortes. Pense sobre isso!”, tuitou.
Jair Bolsonaro
Dois dias depois do americano, em 11 de março, Bolsonaro disse que “outras gripes mataram mais do que essa”. A afirmação foi feita pouco depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a covid-19 pandemia. Em 20 de março, ele voltou a minimizar os riscos da covid-19, comparando-a a uma "gripezinha":
- Depois da facada, não vai ser gripezinha que vai me derrubar, não - declarou em resposta aos jornalistas que questionaram se ele faria um novo exame para detectar coronavírus depois que parte de sua delegação foi infectada após viagem aos EUA.
Defesa da cloroquina
Donald Trump
Em 21 de março, Trump afirmou que a hidrocloroquina tinha chance de curar a covid-19: “Hidroxicloroquina e azitromicina, juntos, têm uma chance real de ser uma das maiores mudanças na história da medicina”, escreveu no Twitter. O post foi publicado às 11h13min.
Jair Bolsonaro
No mesmo dia, às 15h40min, quatro horas depois, Bolsonaro postou a frase no Twitter: “Hospital Albert Einstein e a possível cura dos pacientes com covid-19". O tuíte estava acompanhado de um vídeo sobre a cura de pacientes com cloroquina:
- Agora pouco, os profissionais do Hospital Albert Einstein me informaram que iniciaram o protocolo de pesquisa para avaliar a eficácia da cloroquina nos pacientes com covid-19. Também agora há pouco me reunir com o senhor ministro da Defesa, onde decidimos que o laboratório químico e farmacêutico do Exército deve imediatamente ampliar sua produção desse medicamento - disse.
Conflito com governadores
Donald Trump
Em 22 de março, Trump criticou autoridades estaduais ao dizer que um pequeno grupo de governadores não deveria culpar seu governo pelas dificuldades enfrentadas.
Dez governadores das costas leste e oeste do país se reuniram em dois grupos para traçar uma estratégia em busca da retomada das atividades em seus Estados. A ação irritou Trump. Apesar de Trump ter emitido recomendações de distanciamento social, foram os governadores que instituíram restrições obrigatórias, como o fechamento do comércio não essencial. O presidente relutou em acatar o isolamento. O governador de Nova York, o democrata Andrew Cuomo, e Gretchen Whitmer, de Michigan, ambos democratas, são os principais alvos do presidente.
Jair Bolsonaro
No dia 1 de abril, Bolsonaro fez crítica parecida: “Não é um desentendimento entre entre o presidente e ALGUNS governadores e ALGUNS prefeitos.. São fatos e realidades que devem ser mostradas. Depois da destruição não interessa mostrar culpados”. O tuíte foi apagado depois de provocar polêmica.
No caso de Bolsonaro, os alvos preferidos têm sido os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio de Janeiro Wilson Witzel.
Tratar a doença ou preservar a economia
Donald Trump
Em 23 de março, Trump publicou à 0h50min, no Twitter, que “a cura não poderia ser pior que o problema”. No mesmo tuíte, afirmou: “No final do período de 15 dias, tomaremos uma decisão quanto ao caminho que queremos seguir”.
Jair Bolsonaro
Também no dia 23 de março, o brasileiro disse que medidas podem ser ainda mais nocivas que a própria doença: “A epidemia afeta diretamente a todos, mas medidas extremas sem planejamento e racionalidade podem ser ainda mais nocivas do que a própria doença no longo prazo. Quando falamos em proteger empregos, também estamos falando de preservar a vida das pessoas. É isso que faremos”, tuitou.
No final da tarde do mesmo dia, ao falar com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, disse:
- Brigar para que não venha desemprego como efeito colateral. Aí vai complicar mais ainda a cura ficar pior que a doença em si.
Briga com assessores
Donald Trump
Após várias divergências entre Trump e o principal especialista do governo para a crise de coronavírus, Anthony Fauci, sobre vacina no domingo (12), Trump compartilhou uma publicação no Twitter que pede demissão do epidemiologista (a hashtag “Hora de demitir Fauci”), depois que ele concedeu uma entrevista à CNN no qual reconheceu que impor a quarentena mais cedo poderia ter salvado vidas. O médico tem corrige e contradiz Trump em questões científicas e relacionadas à crise de saúde, incluindo ao afirmar não haver ainda evidências científicas seguras de que a droga hidroxicloroquina seja eficaz contra o vírus.
Jair Bolsonaro
No dia 9, o presidente usou a analogia do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para sinalizar que estuda a demissão do auxiliar, após divergências sobre o isolamento social. “Médico não abandona paciente, mas o paciente pode trocar de médico”, disse.
Afrouxamento das medidas de isolamento
Donald Trump
Na tarde do dia 24 de março, Trump disse em entrevista coletiva na Casa Branca:
- Nossa meta é afrouxar as diretrizes e abrir grandes partes do país enquanto nos aproximamos do final desta histórica batalha contra o inimigo invisível. Estamos há um tempo nosso mas vamos vencer, vamos vencer.
Jair Bolsonaro
No mesmo dia 24, só que à noite, disse em pronunciamento em rede nacional de televisão:
- O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará. Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos sim voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércios e o confinamento em massa.
Decreto de flexibilização
Donald Trump
Na segunda-feira (13), Trump afirmou que partirá dele a determinação de reabrir a economia do país:
- Quando alguém é presidente dos Estados Unidos, a autoridade é total - afirmou.
Jair Bolsonaro
Nesta, Bolsonaro saiu na frente. No dia 2, ele afirmou que tem um decreto pronto para flexibilizar o isolamento social.
- Eu tenho um decreto pronto para assinar na minha frente, se eu quiser assinar, considerando ampliar as categorias que são indispensáveis para a economia. Eu, como chefe de Estado, tenho que decidir. Se chegar o momento, vou assinar a MP. Tem ameaça de todo lugar se eu assinar essa medida - disse em entrevista à Rádio Jovem Pan.
"Vírus chinês"
Donald Trump
No dia 11 de março, em seu primeiro pronunciamento sobre a pandemia, Trump usou a expressão “vírus estrangeiro” para se referir ao coronavírus: “Este é o esforço mais agressivo e abrangente para enfrentar um vírus estrangeiro na história moderna”. No dia 19, antes de começar outro discurso, riscou o termo “corone”, em inglês, antes da palavra vírus do texto que leria, e escreveu no lugar “chinese”.
No dia 17, ele defendeu o uso da expressão “vírus chinês” para referir-se ao coronavírus.
- O vírus veio da China. Acho que esta é uma fórmula muito precisa” - disse.
Na manhã do dia 18 de março, Trump tuitou: “Sempre tratei o vírus chinês com muita seriedade”.
No dia 24, em entrevista à Fox News, voltou a chamar o coronavírus de “vírus chinês”.
- Isso veio da China.
Jair Bolsonaro
No Brasil, quem emulou a fala de Trump foi o filho de Bolsonaro e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). No dia 18 de março, ele tuitou: “+1 vez uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas q salvaria inúmeras vidas. A culpa é da China e liberdade seria a solução”.
No dia 4 de abril, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicou uma postagem com insinuações de que a China poderia se beneficiar de propósito da crise mundial causada pelo coronavírus. O texto imitava a fala do personagem Cebolinha, da Turma da Mônica, que, ao falar, troca a letra “R” pelo “L”.
Weintraub insinuou que a China vai sair “relativamente fortalecida” da crise e que isso condiz com os planos do país de “dominar o mundo”.