Diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) , o gaúcho Décio Oddone diz não ver intervenção na Petrobras na fala do presidente Jair Bolsonaro, que antecipou a decisão de não repassar o impacto do ataque na Arábia Saudita. Avalia que o atentado representará, para o segmento, algo como o 11 de Setembro em Nova York, do ponto de vista da mudança na percepção de risco do setor. Por isso, vê momento favorável para o Brasil, que prepara três leilões para exploração e produção de petróleo entre outubro e novembro.
A fala do presidente Bolsonaro, desta vez, dá sinal de intervenção?
Os preços são livres, e a Petrobras, como todas as empresas, tem liberdade de defini-los. Neste momento de crise, há muita volatilidade. Ontem (segunda-feira) subiu 11% e hoje (nesta terça-feira) caiu. Então, neste momento, a maioria dos países adota cautela, até porque demora para os preços na bomba sejam afetados com variações no mercado internacional. Nessa crise, não há expectativa de falta de petróleo no mundo, de desabastecimento. A novidade é o risco. Os mercados de petróleo, desde a Guerra do Golfo, lá se vão quase 20 anos, passaram a trabalhar com base no mercado, em oferta, demanda e contratos futuros, especialmente depois do aumento de produção de petróleo nos EUA com a descoberta do shale oil. O risco geopolítico foi desconsiderado nesse longo período de estabilidade. Imaginava-se que seria necessária uma guerra, um ataque com força aérea sofisticada para causar o dano que houve na Arábia Saudita. A novidade não é que vai afetar preço ou mercado, vai aumentar a percepção de risco. Isso, no longo prazo, é bom para o Brasil.
Mas houve ou não sinal de intervenção?
Não. A Petrobras é uma empresa de capital aberto com liberdade de precificar seus produtos e definir seu portfólio de investimentos. O que vimos nos últimos anos, a partir do momento em que a Petrobras passou a exercer essa liberdade e a a escolher onde investir, tornando público que foca em campos de pré-sal, por ter mais rentabilidade. Por isso, está desinvestido, vendendo ativos como campos de petróleo maduros, que já não têm tanta rentabilidade, e gás natural. O que estamos vivendo no Brasil é a maior transformação na indústria de petróleo e gás natural da história. É a substituição de um monopólio que durava décadas por uma indústria diversificada, competitiva e variada. Os passos que estão sendo dados, tanto do ponto de vista regulatório, quanto do ponto de vista de política energética, por meio do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) mostram que o processo está se consolidando. Vamos ter uma indústria completamente diferente, mais competitiva e com maior capacidade de investimento nos próximos anos.
O que quis dizer com o tuíte em que comparou o ataque na Arábia ao 11 de Setembro?
Em 2001, ninguém esperava que um avião poderia ser utilizado como uma arma terrorista. Causou uma mudança na percepção de segurança nos aeroportos, nos aviões, na implementação de raio-X. No setor de petróleo, o que aconteceu agora é algo parecido, dadas as devidas proporções. Ninguém imaginava que um ataque com drones, força pouco sofisticada, pudesse causar estragos relevantes em instalações importantes, num país como a Arábia Saudita. Então, a partir de agora, passada a crise em agudo, vai ser o aumento da percepção de risco. As empresas, especialmente as que trabalham em países com risco geopolítico maior, vão prestar mais atenção na segurança das instalações, o que não era tão relevante antes. Isso é positivo para o Brasil, pois temos baixo risco geopolítico, não vivemos em ambiente conflagrado como o da Arábia Saudita, do Oriente Médio. Isso traz melhor atratividade para nossos ativos, especialmente num momento que teremos três leilões importantes até o final do ano.
Quais são esses leilões?
São três. O primeiro é em 10 de outubro, é a 16ª rodada de concessões, em que será oferecida uma série de blocos em áreas nas bacias de Campos e Santos e no Nordeste. Embora estejam foram do perímetro legal do pré-sal, existe a possibilidade de se encontrar reservatórios do pré-sal, pela proximidade, e isso atrai bastante. O segundo é o da cessão onerosa, no dia 6 de novembro. Talvez seja o maior leilão já feito no setor de petróleo, que tem bônus de assinatura de R$ 106 bilhões, se todos tiverem comprador. No dia seguinte, está previsto o leilão anual do pré-sal, pelo regime de partilha. É um período muito intenso de atividades no setor de petróleo no Brasil.
A vantagem geopolítica não é relativa, se as petroleiras estão habituadas a operar em ambiente hostil?
Sem dúvida, mas em primeiro lugar o que atrai empresas ao Brasil é a qualidade do que está sendo ofertado, o pré-sal tem elevada atratividade e altíssima produtividade, o que é único no cardápio de oportunidades no mundo. O aumento do risco político em países com maior exposição a esse tipo de situações, no ponto de vista comparativo, favorece o Brasil. Além de ter ativo de qualidade, o ambiente é mais benigno do ponto de vista geopolítico.
Como medem o interesse para os leilões?
Informamos hoje (esta terça-feira) a inscrição de mais cinco empresas para o dia 10 de outubro. Temos 17 no total, com cerca de 30 áreas em leilão. É a demonstração cabal do interesse, o alto número de empresas cadastradas.