Primeiro diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), criada para ser a reguladora de um mercado recém-aberto, David Zylbersztajn está entre os defensores da lógica privada no mercado brasileiro de petróleo. Até ele, porém, avalia que reajustes diários podem não ser a única forma de dar resposta econômica a um momento de pressões externas, com alta nas cotações do petróleo e do dólar, os dois maiores componentes do custo da matéria-prima. L lamenta a saída de Pedro Parente da presidência da estatal e teme que o Brasil esqueça "o que aconteceu na Petrobras há tão pouco tempo" - referência à contenção de preços que depauperou o caixa da estatal.
A renúncia de Pedro Parente o surpreendeu?
Já imaginava. Conheço o Pedro há muito tempo, e (sua saída) não é problema de pressão. Ele não é cabeça dura, faz um trabalho para recuperar a Petrobras. Temo que a gente esqueça o que aconteceu na Petrobras há tão pouco tempo. Quem vai entrar vai continuar essa política ou vai voltar à antiga? Se voltar à política antiga, a Petrobras perde tudo de novo. Para construir uma reputação, você precisa de uma geração. Para destruir, é como um prédio, você pode construir por três ou quatro anos, mas implode em 30 segundos. Se isso acontecer, é catastrófico para a Petrobras. Bons gestores têm em todos os lugares, mas quem vai entrar vai fazer o quê? Seria uma pena pela Petrobras. Para ele sair, deve ter sido contrariado em questões que considerava importantes para a gestão da Petrobras. Quero ver quem vai dar confiança ao mercado. De confiança depende a venda de ativos, as parceiras. É bem complicado.
O governo não se perdeu demais na gestão dessa crise?
Sim, faltou sentir o cheiro de que algo estava queimando. Como em casa, quando se cheiro de queimado e vê que algo está errado. Não dimensionaram a extensão do problema. O WhatsApp mudou o mundo. A possibilidade de se organizar rapidamente contribui bastante. Além do preço do diesel, há superoferta de frete. Houve venda estimulada de caminhões anos atrás. Com a recessão, e uma economia que depois não cresceu muito, há frota de frete superdimensionada. Então, estavam trabalhando no limite do limite, para poder fazer frente à enorme concorrência. E o preço do diesel tem muito peso no transporte.
O questionamento da política de preços da Petrobras...
(interrompe) O problema não é a política de preços. A Petrobras está fazendo o que qualquer empresa faz. Se o custo muda, preço final muda. Subiu preço do petróleo no mercado internacional, o dólar se valorizou. A Petrobras é uma empresa que vende um produto cujo custo subiu. Isso acontece com empresas que vendem café, trigo, soja. São commodities.
Nem todas as empresas conseguiram repassar alta de custos, por conta da recessão. A Petrobras pôde por ter monopólio, não?
O que tem de ver é se vende com margens abusivas. Não conseguir repassar é da vida é do negócio. Quando você tem insumo que depende do mercado internacional, como fazer empréstimo em moeda estrangeira, se a moeda valorizar, você tem que assumir o risco. Onde tem evidência de que a Petrobras praticou preços abusivos? Em nenhum lugar, só na garganta de um monte de gente. Logo depois que mudou a direção da Petrobras, houve uma queda forte do preço do petróleo. Deveria ter baixado o preço. Não baixou para refazer caixa, porque havia perdido muito nas crises anteriores. Aí houve a surpresa, uma dinâmica de importação de petróleo, que a Petrobras teve de baixar preço para não perder mercado. Se vender com preço abusivo, o mercado importa e vende. Hoje você tem mercado comprador ágil, dinâmico, forte o suficiente para tirar margem da Petrobras. A Petrobras cobra preços de mercado. A importação está liberada e acontece. E a Petrobras perdeu mercado por isso, quando quis praticar preços altos, o mercado foi lá e tomou parte da Petrobras. Tem empresas importando direto, pode importar derivado. Os órgãos de defesa de concorrência nunca falaram que a Petrobras tinha de se desfazer de parte do mercado, como fez com carne de frango, chocolate.
A única forma de equilibrar é fazendo reajustes diários?
A forma pode até ser questionada. Isso tem relação com o fato de a Petrobras ser monopolista e o mercado ter de se sujeitar. O brasileiro tem vergonha de investimento privado, uma boa parte adora monopólio. O brasileiro tem o que chamo de "amor psicótico" pela Petrobras. Ao mesmo tempo que diz que é uma empresa importante para o Brasil, quer caridade, subsídio. São coisas incompatíveis. As pessoas têm de entender que o Tesouro, que somos nós, contribuintes, perde dividendos, impostos, quando a Petrobras perde dinheiro. Estimei em US$ 60 bilhões o custo do subsídio, equivale a um ano inteiro de investimentos do plano de negócios da Petrobras, que gera emprego, fluxo de economia, tem uma cadeia enorme associada. Quase quebrou, literalmente. A Petrobras estava fazendo piquenique na beira da cratera do vulcão. Pode ter um ajuste aqui e outro acolá. O reajuste diário é o menos relevante. Agora, o preço do petróleo deve cair lá fora.