Um dos raros efeitos colaterais positivos da greve dos caminhoneiros foi ver a burocracia de Brasília trabalhando no feriado. No Corpus Christi de 2018, integrantes do governo federal seguiam tentando pôr em marcha o cumprimento das reivindicações dos transportadores. Assim como a Petrobras, que anunciou aumento da gasolina ainda com a chama alta da rebeldia nas estradas, técnicos anunciaram cortes em programas sociais como se preenchessem planilhas. É fato que subsídios têm custo que precisa ser suprido de alguma forma, mas a bolha de Brasília parece resistir até ao trabalho forçado, no feriado, pela quase dissolução de um governo desacreditado.
Além de cortes que podem debilitar ainda mais a capacidade de resiliência social à crise, o que mira o incentivo fiscal à exportação afeta um dos poucos setores que escapavam da recuperação em ritmo devagar-quase-parando. E, de quebra, ajudava a contrabalançar a recente fuga de dólares do país. Sim, é uma escolha de Sofia. Deve ter contato o fato de que a alta do dólar compensa a perda tributária. Mas vai gerar reações pesadas e poderosas.
No composição do subsídio ao diesel, apareceu até uma certa “conta gráfica”, igualzinha à que existia até 2002 na chamada conta-petróleo, substituída pela Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). Além fórmula complexa, não se sabe o que vai acontecer se fechar o mês com saldo negativo. Seu papel será tentar compensar variações que superem a subvenção limite de R$ 0,30 por litro ao dia.
Mecanismo de clara intervenção na economia, contrasta com a reiterada disposição da Petrobras de manter, a ferro e a fogo, reajustes diários e indigestos. Em fevereiro passado, a coluna observava: “Se governos anteriores erraram em usar combustíveis, aí incluído o GLP, como moeda eleitoral, a Petrobras se equivoca ao apostar que seria possível transmitir sem filtros nem reações o vaivém das cotações internacionais num país mergulhado em crise.”
O país precisou tremer diante do desabastecimento e da aparente ameaça de insurreição para que o tema começasse a ser discutido seriamente. Longe da irracionalidade das rodovias e das ruas urbanas, responsáveis gestores privados observam que o presidente da estatal, Pedro Parente, passa a contrariar não a conveniência política, mas um preceito de boa governança: o tripé da sustentabilidade. É a combinação entre resultado financeiro e as responsabilidades ambiental e social.
As ressalvas aos reajustes diários com magnitude acentuada pela disparada no câmbio e preço do petróleo (veja gráfico) não vêm só de caminhoneiros, sindicalistas e populares. Surgem de empresários e executivos habituados a combinar, nas empresas que administram, os três componentes da fórmula de gestão responsável. O Brasil não enfrentou apenas mais uma greve. Passa por uma turbulência, com consequências econômicas e políticas. Melhor acordar sobressaltado do que seguir imerso no pesadelo.