O ataque com drones deste final de semana a refinarias sauditas traz embutida uma mudança de patamar em termos de conflitos internacionais, na qual equipamentos baratos podem causar danos altíssimos. O aparelhos aéreos utilizados pelos rebeldes houthis provavelmente são financiados pela Guarda Revolucionária iraniana, mas, ainda assim, têm custo muito menor do que o envolvimento de uma ação aérea tradicional, com caças e bombardeios, por exemplo.
Os drones acrescentaram um toque de pós-modernidade à guerra assimétrica — aquela na qual equipamentos comezinhos do dia a dia são capazes de provocar prejuízos contundentes ao inimigo: eram assim as ações dos vietcongues contra os americanos nos túneis de Cu Chi, foram assim os atentados de 11 de setembro de 2001, com aviões comerciais utilizados como mísseis, e é assim que lobos solitários utilizam facas ou caminhões atacando pedestres na Europa.
Os drones dos houthis contra as instalações da Aramco têm condições de provocar, em nível, regional, prejuízos materiais — como a destruição de parte importante da infraestrutura de petróleo saudita, a maior do mundo — e, por tabela, impactar a geopolítica mundial. O preço do petróleo saltou 12% depois dos ataques.
A ação armada muda de patamar também a guerra por procuração travada entre o Irã (apoiado pela Rússia e que financia os houthis) e a Arábia Saudita (que recebe armas dos Estados Unidos). Já deu pra entender, né? O pano de fundo é a nova velha Guerra Fria local, em que o pobre Iêmen virou campo de tiro livre para as duas potências regionais — Arábia Saudita e Irã —, ditaduras marionetes nas mãos das megapotências globais, Estados Unidos e Rússia.
Por que muda o patamar? Porque, até agora, os houthis haviam se limitado a ações de pouco impacto: bombardeios localizados, o mais ousado deles até então um ataque a um aeroporto saudita. Agora, não. O alvo foi coração da economia do país, uma ditadura apoiada pelos americanos que tem no truculento príncipe Mohammed bin Salman sua figura mais conhecida. A perda estimada com o ataque é de 5,7 milhões de barris de petróleo por dia, cerca de metade da produção do reino e 5% da produção mundial.
Lembram dele? MBS, como é conhecido, é acusado de estar por trás do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, colaborador do The Washington Post, dentro da embaixada saudita em Istambul, na Turquia. Herdeiro do trono dos Saud, é ele a figura mais ocidentalizada do reino: aparece na tribuna de jogos de futebol na Europa, permite que mulheres dirijam no país, em busca de vender uma imagem liberalizante, mas, na verdade, domina com mão de ferro a mais cruel ditadura árabe, acusada de violações dos direitos humanos dentro do território e fora, no Iêmen.
O Irã, que apoia os houthis, não fica atrás em termos de crueldade. Os persas usam os rebeldes xiitas no Iêmen para projetar poder sobre a região no momento em que são pressionados pelos Estados Unidos em razão da ambição nuclear.
A ala linha-dura do regime dos aiatolás, pelo lado iraniano, e MBS, pelos sauditas, tentam minar ainda um histórico e possível encontro entre Donald Trump e o presidente iraniano, Hassan Rohani, com data provável para ocorrer: durante a assembleia geral da ONU, em 24 de setembro.
O ataque complica ainda mais o xadrez do Oriente Médio porque ocorre às vésperas da eleição israelense, prevista para esta terça-feira (17). Uma vitória de Benjamin Netanyahu e do Likud, na visão dos fundamentalistas islâmicos, pode significar, a médio prazo, o fim do regime iraniano.