É cedo para concluir que os restos mortais encontrados enterrados no banheiro de uma mansão do general Alfredo Stroessner em Ciudad del Este sejam de desaparecidos políticos da mais longa tirania de Estado que se abateu sobre o Cone Sul. Mas o episódio que chocou o Paraguai nos lembra o papel do Brasil não só durante a ditadura no país vizinho, entre 1954 e 1989, como parceiro na Operação Condor, mas também depois dos anos de chumbo, quando protegeu, em refúgio dourado às margens do Lago Paranoá, em Brasília, o velho ditador.
Após 35 anos no governo, Stroessner, responsável por torturas, execuções, desaparecimentos e outras violações aos direitos humanos, conseguiu asilo no Brasil em 1989, concedido pelo então presidente José Sarney. Morou em Brasília até sua morte, em 2006. Ou seja, passou incólume por cinco governos à direita e à esquerda no Planalto: além do próprio Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2000, o Paraguai fez um pedido de extradição do general, mas o Brasil silenciou.
Apesar de ter sido um caudilho, Stroessner sempre foi considerado um amigo por aqui. Além de aliado no plano para caçar militantes de esquerda além das fronteiras — a Condor —, ele foi fundamental no acordo que levou à construção da hidrelétrica de Itaipu. Do ponto de vista da geopolítica, o Paraguai era importante para o Brasil neutralizar a influência da Argentina na região. Apesar de aliados contra "a ameaça comunista", os militares brasileiros viam os argentinos como adversários na disputa por hegemonia regional — essa desconfiança só começaria a ser desfeita a partir de 1990.
Não será surpresa se restos mortais encontrados em sua casa forem de vítimas de sua truculência. Segundo o Departamento de Memória Histórica e Reparação, do Ministério da Justiça paraguaio, ele inclusive teria praticado atos sistemáticos de pedofilia. Conforme documentação, testemunhos dão conta de que seus homens levavam para suas propriedades crianças de nove, 10, 12 anos para terem relações sexuais com ele. Era um monstro ao comandar o Estado e na vida pessoal. E nunca foi julgado.
Os três crânios, dois fêmures, um úmero e vários restos soltos localizados na tríplice fronteira com o Brasil e a Argentina estão sendo analisados pela Unidade Especializada de Direitos Humanos, em Assunção. As autoridades analisam se correspondem a corpos dos mais de 400 desaparecidos. É assunto interno do Paraguai, mas diz muito sobre um passado que também nos "hermana".