Uma das autoridades internacionais mais próximas do presidente Jair Bolsonaro, o embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley, entusiasma-se quando fala da boa relação com o Planalto e com "seis a sete ministros" e sobre o alinhamento inédito entre os dois países.
— Posso falar que sou amigo de muitas autoridades no Brasil, ministros, o presidente. Essas amizades ganhei — afirma Yossi, adepto de um estilo informal, que lembra o de Bolsonaro.
Ele e o presidente brasileiro almoçam com frequência em Brasília, já dividiram a tribuna em estádio de futebol e estiveram juntos na Marcha Para Jesus, evento evangélico em São Paulo. Fugindo do figurino de diplomata, Yossi acredita estar abrindo portas para negócios, a partir de relações "olho no olho", como diz.
Dessa aproximação entre Brasil e Israel, veio a promessa do governo de transferir a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém, como os Estados Unidos fizeram com sua representação diplomática. Mas, diante dos protestos de nações árabes, o Planalto decidiu, por ora, inaugurar apenas um escritório de negócios na Cidade Sagrada. Yossi, entretanto, segue confiante: "queremos a embaixada".
Em visita ao Estado como parte das celebrações do aniversário de 71 anos da independência do Estado de Israel, o embaixador aproveitou para estreitar laços e buscar oportunidades de negócios entre o Rio Grande do Sul e empresas de Israel. Em maio, um termo de cooperação foi firmado entre a prefeitura da Capital e o governo israelense para intercâmbio entre startups israelenses e porto-alegrenses para desenvolver soluções em tecnologia relacionadas à saúde, segurança pública, sustentabilidade, mobilidade e smart cities. Nesta quarta-feira (11), Yossi visitou a sede do Grupo RBS, onde concedeu a entrevista a seguir.
Poucas vezes na história os governos de Israel e do Brasil estiveram tão alinhados. No que essa relação se converteu em benefício para os dois países até agora?
As relações nunca estiveram nesse nível. Vemos muitas coisas novas, a política do Brasil mudou muito a favor de Israel. Agora, o governo brasileiro está mais objetivo, olhando o que é e o que não é bom para o Brasil. Israel nunca pede ao governo que faça coisas que são contra um país, também não fará isso no caso do Brasil. Israel está muito próximo (do Brasil). Por exemplo, em Brumadinho foi um ato de amizade que fazemos ao redor do mundo, e também para o caso do Brasil. Fizemos no México, Índia, Tailândia. As pessoas falam: "Israel faz isso por política". Não é por política. É pelo nosso coração de judeu, está escrito na Bíblia, tem de ajudar o povo. Ajudar outros países, não somente os judeus. Por isso, fazemos isso. Quando houve as queimadas na Amazônia, enviamos bombeiros. Também é um ato de amizade, de ajudar onde há problema. Queremos transformar, desenvolver tecnologias para ajudar a economia. Quando os dois governos conversam bem fica muito fácil fazer isso. Homens de negócios, jornais, todos estão vendo, um ambiente novo.
Onde há escritórios de comércio da Apex? Estados Unidos, Japão. Por que estão lá? Por que não no Iraque, em Cuba? Por quê? Tem de estar onde as atividades (comerciais) ocorrem.
YOSSI SHELLEY
No início do governo Bolsonaro, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, esteve em Israel para conhecer experiências do país no tratamento de água, que poderiam ser usadas no Nordeste brasileiro. O senhor cita empecilhos. Na sua opinião, é preciso primeiro destravar aspectos burocráticos da legislação brasileira?
Cada país tem sua burocracia. Sempre há governos que querem mais impostos da população. Tem de escolher a medida em locais onde o povo quer trabalhar e não ser um trabalhador do governo para pagar impostos. Cerca de 60% do salário que você ganha vai para imposto. As pessoas preferem não trabalhar ou trabalhar sem fatura, de maneira que não gostamos. O Brasil tomou a decisão de estreitar laços com países ocidentais, como Estados Unidos, Coreia do Sul, Israel e Japão. Essa mudança é para ajudar os (países) fracos. Quando você tem amigos fortes, você é forte. Eles vão fazê-lo ascender, não o contrário. Acho que essa é a melhor decisão. O fruto dessas amizades, dessa parceria, não virá hoje. Questões de negócios têm de amadurecer. Sempre falamos, é como um casamento: tem de sair, tomar um café, namorar. Depois, casar. Não se pode casar de um dia para o outro.
Como o Rio Grande do Sul pode ser beneficiado com as relações com Israel?
O assunto que preocupa muitos o Estado e também a Capital é como promover incubadoras de startups. Perguntam-se: "como podemos ser como Israel nesse negócio?" Não somente abrir um lugar (uma incubadora empresarial), mas todo o ecossistema tem de ser novo. A parceria de governo, prefeitura, empresários, tudo tem de estar acima desse guarda-chuva. É preciso incentivar as pessoas que não têm dinheiro na chegada. Por isso, é necessário abrir as incubadoras, lugares onde pessoas que têm uma ideia podem desenvolvê-las. Em Israel, é um pouco diferente. O setor privado é muito forte. Se quero ajudar minha filha, por exemplo, 70% do povo pode ajudar sem a ação do governo. Se jovens têm uma ideia e não têm de onde tirar dinheiro para desenvolvê-la, temos de organizar um lugar para ajudá-los. Escolas tem pessoas com ideias. Um grupo de três amigos têm uma ideia, sentados em um café, e você não sabe que eles estão fazendo isso. Pode ser que você tenha interesse em investir nesse negócio. Como chegar a isso? Essas coisas estão acontecendo nas escolas, no trabalho, cada um tem um time com potencial. Em Israel, temos uma autoridade de Inovação, que coordena e cria esse ecossistema. É com esse órgão (agência de promoção das capacidades tecnológicas, de inovação e de internacionalização de empresas e startups israelenses) que o governo de Porto Alegre assinou o acordo. São modelos para facilitar a chegada das pessoas.
Voltando à relação Brasil-Israel, o senhor é amigo do presidente Jair Bolsonaro. Essa proximidade ajuda a fazer negócios?
Claro. Posso falar que sou amigo de muitas autoridades no Brasil, ministros, o presidente. Essas amizades ganhei. Há dois anos viajei por todo o Nordeste, na época de Michel Temer. Cheguei aqui com a missão de melhorar os negócios. No ano passado, antes do governo atual, levei mais de 300 empresários a Israel. É como conhecer as lideranças do Rio Grande do Sul, falar com as pessoas, elas chegam na embaixada, você as recebe. Essa é a maneira de fazer. Claro que ajuda (a amizade com Bolsonaro), ajuda muito. Porque, quando se tem confiança... Às vezes, essa relação aberta me é cobrada em Israel. As pessoas falam: "Você é israelense ou brasileiro?" Nosso objetivo é o de sermos amigos, fazermos mais pelo povo e de maneira diferente. Conversei com seis, sete ministros. Temos uma relação muito boa.
O senhor ficou decepcionado com a decisão brasileira de criar um escritório de negócios em Jerusalém e não transferir a embaixada de Tel-Aviv para a cidade, como se previa?
Nesse momento, representantes da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) estão procurando um lugar para alugar (um prédio) em Jerusalém. Para abrir o escritório em novembro, se Deus ajudar. O escritório de comércio é muito importante. Ok, nós queremos a embaixada, mas primeiro os negócios. Esse escritório pode fazer essa conexão que estou fazendo agora. Não precisa o embaixador. Por exemplo, se uma empresa israelense fala: "Embaixador, quero vender um negócio de tecnologia para o Brasil, o que devo fazer?" Eu respondo: "Vai a Jerusalém". O escritório é em Jerusalém, a nossa capital eterna. Então, ele vai lá, vai oferecer à Apex. Esse escritório é muito importante. Tenho certeza de que depois disso, o presidente vai abrir a embaixada também.
Israel é um dos países mais plurais, abertos a questões como LGBT+, democrático e moderno. Porém, a imagem que chega para muitas pessoas é de um Estado religioso. Como o senhor acha que Israel é visto pelos brasileiros?
Jerusalém sempre foi um lugar mundial para ações das três religiões, para judeus, cristãos e muçulmanos. Vamos deixar a parte religiosa. Israel não tem de chegar para o Brasil pelas coisas religiosas. Não tem por quê. O Brasil foi conhecido até hoje ao redor do mundo por futebol, Carnaval e praias. Acho que não é (apenas isso). Mas essa é a imagem. Quando as pessoas pensam "Israel", pensam: "potência". Às vezes as pessoas falam: "Oriente Médio, problema". Não se fala: "Vamos para lá tomar um vinho". Mas há vinhos excelentes. O Brasil tem de mudar essa imagem. O Brasil tem mais do que isso (futebol, praia e Carnaval). Mas você tem de promover isso: startups, tecnologia. Os israelenses estão correndo para o Brasil. Há grande potencial, muitas parcerias. Vocês também têm de mudar essa imagem.
Se pessoas querem ser evangélicas e usar símbolos do judaísmo, não vejo como algo errado. O que preferem? Que esse evangélico use keffiyeh (tradicional lenço palestino)? De outro país? Da Palestina?
YOSSI SHELLEY
Nos últimos anos, os evangélicos passaram a valorizar a aproximação com Israel, o que rende ganhos comerciais importantes, como o turismo religioso, que é boa fonte de receita para o país. Como o senhor vê essa aproximação?
Há caravanas religiosas, ao Rio Jordão e outros locais. A religião é muito boa, muito forte, que une as pessoas, mas eles (os evangélicos) fazem negócios também. Onde há escritórios de comércio da Apex? Estados Unidos, Japão. Por que estão lá? Por que não no Iraque, em Cuba? Por quê? Tem de estar onde as atividades (comerciais) ocorrem. Onde há potencial. Depois, tem de olhar o que eles estão fazendo, o resultado desses negócios. Esse acordo do Mercosul com a União Europeia ajuda muito, mas a lista (de produtos) sem taxa é pequena. É necessário aumentá-la: (incluir) computadores, produtos de alta tecnologia, coisas que, até dois anos atrás, não estavam no foco. Fica apenas vinho e tecnologias antigas.
Essa apropriação dos símbolos judaicos pelos evangélicos, como roupas religiosas, o quipá, o uso de candelabro, incomoda alguns judeus no Estado. Isso lhe causa desconforto?
Gostamos muito dos evangélicos. Se pessoas querem ser evangélicas e usar símbolos do judaísmo, não vejo como algo errado. O que preferem? Que esse evangélico use keffiyeh (tradicional lenço palestino)? De outro país? Da Palestina? Vão gostar mais? Pergunte o que preferem? Andar a com bandeira israelense ou queimar a bandeira de Israel na rua? Que bobagem é essa de não ser cômodo? Ele (os críticos) não manda nada. Quem manda nesse negócio é o Estado de Israel. Eles não tem de mandar na bandeira (de Israel) ou no quipá. Isso (os símbolos) é coisa de todo o povo judeu. Cada judeu aqui, no Brasil, ou ao redor do mundo, pode usar. Por que ter medo disso (de que evangélicos utilizem os símbolos judaicos)? Se usa isso para enganar pessoas, pode-se criticar. Mas, com essa maneira de apreciar, agradecer a Deus, acreditar na Bíblia, por que não? Quem são eles para mandar no governo de Israel, sobre o que usar ou não. Pela primeira vez, tenho quase 70 anos, e nunca escutei ao redor do mundo pessoas que falam que estão desconfortáveis por outras usarem símbolos judaicos. Nunca. Essas pessoas estão com raiva dessa aproximação (entre Israel e o Brasil).
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, tem tido dificuldade em formar um governo. Venceu as eleições, mas não fechou acordo para um gabinete. No próximo dia 17, haverá novas eleições. O que o senhor acha que vai acontecer?
Temos de respeitar a democracia. Cada um fala que vai governar melhor. Não sei, às vezes durante 71 anos (do Estado de Israel), tem um ano em que é muito difícil, que ninguém sabe o que vai acontecer. Mas assim é a democracia. Vamos respeitar, esperar oito dias, até dia 17, e vamos só então vamos falar sobre o que vai acontecer. Cada um tem sua opinião. Eu já votei. Estou feliz. Há outras (pessoas) na embaixada que também estão felizes. Isso é a democracia.