Em uma de suas peregrinações a Israel, em 2009, o bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, teve a inspiração para iniciar o projeto de construir uma réplica do Templo de Salomão – o segundo, destruído pelo general romano Tito em 70 d.C., e cujo único resquício é o Muro das Lamentações, local sagrado do judaísmo em Jerusalém. “O objetivo é puramente espiritual. Desejo que as pessoas vejam a Santidade de Deus. Minha intenção é a de que quem ali pisar sinta o respeito, o temor, a reverência ao nosso Senhor”, diz o bispo em sua biografia, Nada a Perder 3.
Localizada no bairro do Brás, zona leste de São Paulo, a construção de 56 metros de altura e 100 mil metros quadrados de área foi inaugurada em 2014. No edifício, há cópias da menorah (candelabro de sete braços) e dos Dez Mandamentos (as “Tábuas da Lei”). Na prece de inauguração, Macedo sustentava uma longa barba grisalha, solidéu na cabeça e corpo envolto num comprido xale branco com faixas azuis e tranças nas pontas, características do judaísmo.
A apropriação de elementos da fé judaica pelos evangélicos é relativamente nova no Brasil. Em outros lugares, como os Estados Unidos, remonta aos anos 1980, conforme o teólogo Nythamar de Oliveira, professor de Filosofia da Escola de Humanidades da PUCRS. Desde o primeiro mandato do presidente Ronald Reagan, alas mais conservadoras do Partido Republicano assumiram uma plataforma política de apoio público a Israel por meio de um movimento evangélico chamado Moral Majority (“Maioria Moral”), liderado pelo reverendo Jerry Falwell, da Virginia e do chamado Bible Belt americano, identificado com o fundamentalismo evangélico. Esse movimento garantiria 20 anos dos republicanos no poder com os votos de evangélicos e conservadores: além dos oito anos de Reagan, um mandato de George Bush pai e dois de seu filho George W. Bush. O movimento foi fortalecido após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 e, mais recentemente, com a eleição de Donald Trump, depois de oito anos de governo de Barack Obama.
– Israel é importante porque é a única nação democrática estável no Oriente Médio, porque deu enormes contribuições econômicas e científicas que faz e, fundamentalmente, porque é importante para Deus! As promessas de Deus aos judeus nunca foram revogadas. Israel está no centro dos planos de Deus para o mundo – afirma Nythamar de Oliveira.
Para o professor, além dos símbolos apropriados pelos evangélicos do judaísmo bíblico (tais como a menorá, candelabro) e político (como a estrela de David), grupos evangélicos que defendem uma leitura apocalíptica do fim do mundo (especialmente os chamados dispensacionalistas), com uma terceira guerra mundial (batalha de Armageddon), acreditam que a segunda vinda do Messias (Jesus Cristo, na versão cristã) coincide com a aparição do Mashiach (Messias do judaísmo) em Jerusalém, mais precisamente no monte Sião, para reconstruir o terceiro templo a partir do Muro das Lamentações – como creem sionistas e judeus ortodoxos.
O paranaense Gabriel Paciornik, que mora em Israel, exportou durante anos artigos religiosos judaicos para o Brasil. O mais vendido era o shofar (instrumento de sopro, feito a partir de um chifre de antílope). Na época, em 2011, o item custava R$ 600.
– Essas pessoas têm paixão por Israel. Isso é criado nas igrejas. Elas queriam não qualquer shofar, mas os grandes. É simbólico – explica.
Marcelo Rebello, teólogo evangélico, concorda e afirma que Israel tem um vínculo grande com o cristianismo – a começar pelos primeiros cinco livros da Bíblia, a Torá, na fé judaica. O pesquisador, entretanto, questiona a apropriação.
– É desnecessária. Quando Cristo veio, o véu do templo foi rasgado. Houve vários símbolos da lei judaica que foram quebrados. Estão transformando os templos em empresas, os púlpitos, em palanque, e o altar, em palco – critica.
Líderes israelitas se dividem sobre o uso de símbolos judaicos por outras religiões.
– Não vejo problema. Gostamos do apoio porque reforça o direito de Israel de existir, mas também não temos interesse em ficar associados a todo o pacote que vem junto, como a homofobia – afirma o presidente da Federação Israelita do Rio Grande do Sul, Sebastian Watenberg.
O rabino Gershon Kwasniewski, da Sibra, tem outra opinião:
– Cada religião tem seus símbolos e deve-se respeitá-los. Assim como nós, judeus, temos a quipá, o talit (xale como usado pelo bispo Edir Macedo), a torá (a lei). Apropriar-se de símbolos é o mesmo que eu celebrar um culto com uma cruz pendurada no pescoço. Não tem nada a ver.
Antes de começar a campanha presidencial e iniciar viagens quase diárias pelo país, Bolsonaro foi batizado na igreja Assembleia de Deus, do ramo evangélico. Em 2016, postou nas redes sociais um vídeo com o batismo, no Rio Jordão, em Israel, realizado pelo Pastor Everaldo, presidente do Partido Socialista Cristão (PSC). “Acredito que Jesus é o filho de Deus, que morreu na cruz, que ressuscitou, que está vivo para sempre e é o salvador da humanidade”, afirmou o então deputado. Quando candidato, no entanto, o presidenciável, registrou-se no TSE como católico, mas declara ter trabalho rotineiro em igrejas evangélicas.
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