Em pouco mais de um mês, uma questão crítica da economia terá sido resolvida: a Agência Nacional do Petróleo (ANP) deve definir, poucos dias antes da 14ª Rodada de Licitações, o futuro e o passado das regras de conteúdo nacional. Diretor-geral da ANP, o gaúcho Décio Oddone esteve em Porto Alegre, animado com as perspectivas para o leilão que volta a incluir seis áreas no extremo sul do litoral do Estado. Sobre o futuro da indústria naval – portanto, sobre o destino do polo de Rio Grande –, foi claro:
– Infelizmente, nosso sonho não se realizou. O que está acontecendo no Brasil é uma tragédia.
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Futuro e passado do conteúdo nacional
"O que aconteceu no Brasil é uma tragédia sob todos os aspectos. É uma tragédia para a indústria, que está sofrendo, é uma tragédia para a indústria do petróleo, que está declinando. O que tem salvado a indústria do petróleo no Brasil é o pré-sal, que já responde por 50% da produção. Quando a ANP começou a fazer leilões, mais de cem companhias vieram para o Brasil, foi um processo grande, houve enorme dinâmica para a atividade de exploração no Brasil, veio o pré-sal e começou a discussão de mudança de regra. Esse refluxo está se refletindo hoje. A Petrobras está se focando em áreas mais produtivas. Na semana passada, anunciou a venda de 30 campos. Estamos no caminho de um mercado mais competitivo e aberto, tanto na área de gás quanto na de combustíveis."
Parada nos leilões
"Desde 1999, tivemos leilões anuais na ANP. Em 2007, na descoberta do pré-sal, o governo tirou 41 blocos da nona rodada e ficamos cinco anos sem leilões. Hoje pagamos o preço daquela paralisia. Retomamos os leilões em 2013, em ambiente mais hostil, um governo mais intervencionista. As companhias arremataram poucas áreas e fizeram poucos trabalhos exploratórios, fruto também da queda no preço do petróleo, que caiu de R$ 100 para R$ 50 no período, além da crise da Petrobras. Cinco anos sem ofertas de áreas para outras companhias, Petrobras em crise, cortando investimento, e queda no preço do petróleo, esse é o quadro no Brasil."
Tomada de decisão
"Se a gente não fizer nada, em cinco ou seis anos não vai haver mais petróleo para desenvolver. Aí não tem polo naval, não tem polo industrial, não tem nada. Havia quase cem sondas de perfuração operando no Brasil. Esse ano, tem 17. Em 2015, havia 600 poços sendo perfurados, neste ano há menos de 70. Na Bacia de Campos, a produção era de 1,9 milhão de barris dia entre 2010 e 2011, está em 1,2 milhão."
A importância do pré-sal
"Os projetos do início do pré-sal, entre 2008 e 2009, estão chegando agora. O país produzia 600 mil barris diários em 2014, está em 1,5 milhão, de óleo equivalente, porque o gás está incluído. Não podemos parar o pré-sal, é o que nós temos."
O nó da regra
"Esse quadro não pode continuar. Algumas medidas do ponto de vista de política foram tomadas. A a Petrobras deixou de ser operadora única do pré-sal, obrigatória, vamos retomar as rodadas, foi feito o ajuste da regra de conteúdo local para as rodadas desse ano, mas tudo isso só vai ter reflexo mais para frente. Nossa estimativa é que as rodadas vão atrair cerca de US$ 83 bilhões de investimentos diretos. Devem dobrar as reservas brasileiras de petróleo, vão demandar 15 a 20 plataformas para extrair esse petróleo. Deve render 2 milhões de barris em 2027. Problema é como passar essa fase entre 2017 e 2021. A água está subindo, todo mundo sofrendo, crise econômica batendo. As rodadas são ótimas, vamos retomar? Vamos. Mas como é que a gente chega lá? Aí vamos para a solução de conteúdo local, que precisa ser equacionada. Temos um conjunto de projetos no Brasil que não está avançando na velocidade correta. Tem 150 poços que não estão sendo perfurados por falta de licença ambiental, são R$ 10 bilhões de investimentos que poderiam avançar rapidamente."
O waiver
"Tem uma lista de 20 plataformas, com investimento total de R$ 240 bilhões. O que pode ser feito para destravar? Como as rodadas só vão dar resultado lá na frente, a coisa mais rápida que a gente pode fazer é ativar os contratos em vigor. Estamos estendendo o prazo para a atividade exploratória nas rodadas que tiveram execução muito baixa – só 5% foi executado. Estamos trabalhando para que as licenças ambientais saiam mais rápido e a gestão de conteúdo local é crucial para destravar esses projetos. Destravando as questões de conteúdo local, a dinâmica da indústria volta mais rápido. Em 2005, houve aprofundamento da política de conteúdo local. Determinava que as companhias deveriam fazer contratações de conteúdo local, mas nos casos em que fosse comprovados sobrepreços ou atrasos, poderiam pediam isenção para a ANP, o tal do waiver. Mas isso nunca foi regulamentado. No final do ano passado, o TCU demandou que a ANP regulamentasse."
Os critérios
"Temos de olhar para os custos para a sociedade. Contratações a custos mais elevados se refletem sob a forma de menores impostos pagos pelas companhias que têm lucro na exploração, no caso dos contratos de concessão. Nos contratos de partilha, o efeito é maior ainda. A produção de petróleo inicial, chamada de óleo-custo, é destinada à recuperação dos custos de investimentos no projeto. Depois de cobertos, a produção excedente é dividida com a União. Se a União é sócia nos custos, paga mais se forem mais altos. A parcela da União na renda do petróleo, no caso do pré-sal, é de 75%. Pagos todos os custos e todos os investimentos, o excedente, sob a forma de lucro, no pré-sal, é de 75% para a União e 25% para as companhias. Então, a cada ano que um projeto fica parado, há uma perda de produção que só vai ser compensada em 20 anos, perdeu R$ 3,5 bilhões ou R$ 3,6 bilhões por ano, dos quais 75% são da sociedade, via tributos, participações. Estamos falando de dezenas de bilhões em jogo em um momento como este. Isso começa a conversar com a questão do conteúdo local. Você tem argumentos de quem investiu porque havia expectativa de que a Petrobras contratasse no Brasil. A Petrobras não contratou. Por outro lado, as companhias dizem 'eu me comprometi com elevados níveis de conteúdo local porque existia a figura do waiver, e se houvesse sobrepreço e atraso'. O outro lado diz 'se der o waiver, está mandando emprego para a China'."
O processo
"O debate sobre waiver é extremamente desgastante. Passa por consulta pública de 30 dias, audiência pública. A solução encontrada, que a gente colocou no modelo que está em consulta pública: é conteúdo local é política de Estado. O governo reconheceu nesse ano que o modelo não estava funcionando, tanto que mudou. Quem assinou o contrato como assinou, deixa o contrato como está, tem o direito de pedi o waiver, vamos analisar. Se quiserem, as partes podem aderir ao novo modelo de conteúdo local, que é esse que a ANP está propondo para a 14ª rodada. Tiraria milhares de waivers do caminho, teria requisitos menores de conteúdo local. Não cumpriu, paga multa. Mas a discussão mais importante é encontrar um modelo que permita que o sistema flua. Hoje temos uma discussão tremenda sobre nada, porque não tem plataforma sendo construída, não tem projeto, então a gente fica discutindo 50% ou 55% de zero. De zero, é nada, de um, é pouco. Se tiver 25% de 20 é muito melhor para a indústria nacional, vai ter muito mais contratação do que ficar brigando sobre o leite derramado."
O polo de Rio Grande
"Temos de encarar toda essa questão de forma objetiva. O mundo mudou. Infelizmente nosso sonho não se realizou. É só a atividade que vai gerar encomenda. Se não tiver encomenda, não vai ter conteúdo local. A única solução é a que estamos tentando fazer, que é gerar atividade, retomar a indústria no Brasil como um todo. Gerando atividade, vai ter contratação. Vai ser o nível que estava sendo prometido lá atrás, quando a Petrobras dizia que ia investir US$ 250 bilhões a cada cinco anos? Talvez até mais. Mas não agora, lá na frente, quando houver muitas empresas operando. As companhias hoje não estão aprovando os projetos porque para no waiver. O que me deixa frustrado é que quando se toma medidas para incentivar essa atividade, dizem que estamos cedendo à pressão das companhias. Não é favor a investidor, é para fazer o melhor para a sociedade brasileira, para destravar esse processo. Estamos conduzindo nosso próprio destino. A única certeza que tenho é de que, como está, não resolve nada. Não há solução simples, fácil, rápida. Rio Grande não vai voltar a fervilhar no curto prazo. Talvez no futuro, em outro cenário, com outra dinâmica, com retomada mais lenta, mas amanhã não vai ser."
Integração de módulos
"A Petrobras diz que é possível manter a integração no Brasil. Estou conversando com todo mundo. Tem de ter diálogo. Essa proposta é a possível. Tem outra ideia melhor? Pode trazer. A ANP quer resolver. O Repetro (instrumento que isenta de tributos equipamentos importados) está sendo reformatado e deve incluir a indústria nacional.