A Cinemateca Brasileira recuperou e digitalizou 1.785 filmes da coleção em nitrato de celulose, a parte do acervo mais frágil e antiga. As obras da primeira metade do século 20 estão disponíveis gratuitamente no Banco de Conteúdos Culturais e no site do projeto Viva Cinemateca. Imagens feitas em Santa Maria, em 1909, são as mais antigas guardadas pela instituição que preserva a história da cinematografia nacional.
As películas em nitrato de celulose foram usadas nos primeiros anos da indústria cinematográfica. O material, que corre risco de autocombustão, já causou quatro incêndios na cinemateca, em São Paulo.
Por dois anos, pesquisadores e técnicos recuperaram aproximadamente 3.350 rolos de filmes, incluindo cinejornais, documentários, filmes de ficção, domésticos e publicidade. A digitalização desta coleção é uma das prioridades da instituição desde a reabertura, em 2022. Por meio da Lei de Incentivo à Cultura, oferece agora aos brasileiros acesso a títulos sobreviventes de arquivos e cinematecas de todo o país.
— A digitalização trouxe muitas descobertas, surpresas para a equipe, como o filme de Santa Maria — celebra a diretora-geral da Cinemateca Brasileira, Maria Dora Mourão.
Os fragmentos filmados pelo cineasta Eduardo Hirtz em Santa Maria estavam no acervo da Leopoldis-Som, em Porto Alegre. O material raríssimo foi descoberto, em 2008, pelo pesquisador Glênio Póvoas, quando fez a catalogação do arquivo para a RBS TV. Ele enviou à Cinemateca Brasileira o fragmento do filme Ceremônias e Festa da Igreja em S. Maria - Estado R. G. do S., que mostra a inauguração, em 5 de dezembro de 1909, da Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, atual Catedral Metropolitana Nossa Senhora da Imaculada Conceição.
A duração das imagens preservadas, sem som, é de quase cinco minutos, mostrando a saída da missa e a movimentação de pessoas na estação férrea. A sagração foi realizada pelo bispo da diocese do Rio Grande do Sul, dom Cláudio José Gonçalves Ponce de Leão, que aparece na saída da cerimônia. Em janeiro de 1910, Hirtz voltou a Santa Maria para apresentar o filme no cinema Recreio Ideal.
O jornal A Federação publicou nota sobre a "imponente" festa de inauguração da igreja. Trens levaram a Santa Maria mais de 600 pessoas de várias cidades do Estado. A comunidade católica celebrou em animada quermesse na Avenida Rio Branco e com "fulgurante fogo de artifício".
No filme, crianças e adultos aparecem olhando curiosos para a câmera. As filmagens de saídas de igrejas eram comuns na época. A opção pela rua era técnica, porque não tinha luz no interior.
— Muito legal ver um trem partindo da estação no filme mais antigo preservado no Brasil. O filme dos irmãos Lumière, na França, é da chegada de um trem — lembra Póvoas.
Não se sabe como os fragmentos do filme de Santa Maria foram preservados e chegaram ao acervo da Leopoldis-Som. As imagens em movimento já eram consideradas as mais antigas preservadas no Rio Grande do Sul.