Seis anos após uma menina desaparecer em Porto Alegre, devem ir a júri nesta quinta-feira (10) três réus suspeitos do assassinato. Entre eles, José Dalvani Nunes Rodrigues, 40 anos, o Minhoca, mantido em penitenciária federal e apontado como um dos líderes da facção Bala na Cara, com berço no bairro Bom Jesus.
Segundo a acusação, foi ele quem ordenou que Laisa Manganeli Remédios, 12, fosse decapitada em setembro de 2016. Os outros réus são Gustavo da Luz Marques, o Buguinha, e Douglas de Sá Gomes, o Faísca.
O sumiço da garota foi registrado por familiares, que procuraram a polícia, após ela sair com uma amiga e não voltar mais para casa. Enquanto o desaparecimento era investigado, uma delação premiada trouxe mais informações sobre o que teria acontecido com Laisa.
Ex-gerente do tráfico da mesma facção apontada como responsável pela morte da menina, Douglas Gonçalves Romano dos Santos detalhou à Polícia Civil e ao Ministério Público (MP) como teriam acontecido dezenas de crimes, entre eles o assassinato da garota.
Segundo a acusação apresentada pelo MP, que coincide com o relato do delator, a menina foi morta de forma brutal, após a facção desconfiar de que ela estaria repassando informações sigilosas para um grupo rival.
Na noite anterior, ela estaria na casa de um traficante, quando teria sido flagrada conversando com membro dos Antibala, uma facção rival. Conforme o depoimento do colaborador, a ordem para que a garota fosse executada teria sido dada por Minhoca, de dentro da prisão onde estava segregado.
Ainda conforme o relato do delator, Laisa foi levada até uma área de mata, no bairro Mario Quintana, onde foi aberta cova. Neste mesmo local, a garota teria sido decapitada pelos criminosos. Gomes, o Faísca, é apontado como o responsável por ter desferido os golpes de machado que assassinaram a menina. O crime bárbaro foi detalhado pelo ex-gerente na mesma delação na qual revelou ainda detalhes sobre o funcionamento da facção e sobre outros crimes, como sequestros e esquartejamentos.
Douglas chegou a se tornar réu também neste processo, por ter participado do homicídio, e inclusive ajudado a cavar a cova, mas ele foi assassinado em fevereiro de 2020, após deixar o programa de proteção a testemunhas (confira abaixo). O delator era considerado inimigo pelo grupo criminoso, já que as informações obtidas com a delação ajudaram a embasar o isolamento de pelo menos três líderes da facção fora do Estado.
Líder em penitenciária federal
Em março de 2017, Minhoca foi transferido para a penitenciária federal de Campo Grande (MS), onde continua preso até hoje. Os custos gerados para que o réu participe do julgamento, em razão disso, inclusive, chegaram a ser citados no processo.
O júri deste mesmo caso deveria ter ocorrido em 22 de setembro, mas foi necessário transferir a data porque um dos advogados de Minhoca tinha um julgamento em outro Estado e o criminalista indicado para substituí-lo apresentou atestado médico, não podendo comparecer por motivos de saúde. Daquela vez, foram gastos R$ 49,5 mil para o aparato de transporte e segurança do preso até o Rio Grande do Sul.
Por isso, a Justiça recomendou que o réu acompanhasse o julgamento desta vez por videoconferência, a fim de evitar novos custos. No entanto, a defesa de Minhoca discordou e pediu que ele estivesse na sessão presencialmente. A juíza Cristiane Busatto Zardo aceitou o pedido, mas ressalvou que dado o elevado valor dispendido "caso o júri não saia por razões atinentes à sua defesa, arcarão seus procuradores com as custas de seu deslocamento desnecessário e extremamente oneroso". O julgamento deverá contar com segurança reforçada.
Os crimes
Os três réus respondem por homicídio triplamente qualificado. No entendimento da acusação, o crime foi cometido por motivo torpe, já que a menina teria sido assassinada por supostamente ter passado informações a um grupo rival; com meio cruel, pois, segundo a própria confissão do delator, Laisa foi mantida em cárcere por horas, sabendo que seria executada e a própria decapitação; além do emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, já que a garota foi mantida amarrada e imobilizada.
Além do assassinato, eles respondem também pelo cárcere privado ao qual a vítima teria sido submetida e pela ocultação de cadáver. O corpo de Laisa teria sido enterrado em um cemitério clandestino, mas apesar das buscas realizadas pela polícia, inclusive com auxílio de cães farejadores, nunca foi encontrado.
Segundo o relato dos policiais envolvidos na investigação, esse cemitério fica numa área extrema, onde foram encontrados outros corpos, mas não o da garota. Em caso de condenação, haverá aumento de pena pelo fato de a vítima ter menos de 14 anos.
Delator executado
No fim de fevereiro de 2020, aos 23 anos, Douglas Gonçalves Romano dos Santos foi morto a tiros em Balneário Camboriú (SC), onde estava residindo. Ele estava numa corrida de aplicativo e desembarcou na Rua Justiniano Neves, no bairro Pioneiros. O motorista relatou à polícia que deixou o passageiro no local e que logo depois ouviu os disparos. O delator foi atingido por diversos tiros de pistola calibre 9 milímetros.
Douglas havia se desligado do programa de proteção a testemunhas cerca de um mês antes. Em março de 2019, a história da delação foi contada em reportagem de GZH. Em entrevista, ele chegou a afirmar que sabia que seria morto em algum momento, como forma de represália pela delação.
— Uma hora vão me pegar, isso é certo — afirmou.
Antes de ser executado, já havia sofrido outro ataque a tiros. No dia 2 de fevereiro, tinha sido baleado durante festa, motivo pelo qual chegou a ficar hospitalizado e estava, quando foi morto, com uma das pernas engessada. Mais tarde, a polícia concluiu que ele foi executado a mando da facção da Capital.
O júri
O julgamento será realizado na 3ª Vara do Júri de Porto Alegre, com início previsto para 9h15min. A primeira etapa é o sorteio dos nomes dos sete jurados que vão integrar o Conselho de Sentença.
Durante o julgamento, serão ouvidas três testemunhas, duas indicadas pela acusação e uma pela defesa. Logo depois, serão interrogados os três réus, que poderão apresentar suas versões dos fatos. Quando foram ouvidos durante o processo, eles negaram participação no assassinato da menina.
Em seguida, terá início à fase de debates entre acusação e defesas. O promotor Luciano Vaccaro será o responsável por conduzir a acusação. Ele só deve se manifestar sobre o caso durante o julgamento, segundo o Ministério Público. O criminalista Jean Severo é um dos responsáveis por defender Minhoca, enquanto a Defensoria Pública do Estado atende os outros dois réus.
O tempo estabelecido para a fala inicial é de duas horas e meia para cada parte (acusação e defesa) — no caso dos defensores, deve ser dividido em 50 minutos por réu. Se houver réplica e tréplica, será de duas horas cada. Depois disso é que os sete jurados irão se reunir para definir se os réus são ou não culpados pelo crime. Por fim, é a juíza Cristiane Busatto Zardo quem lê a sentença. A expectativa é de que o júri seja encerrado ainda na quinta-feira.
Contraponto
O que diz a defesa de José Dalvani Nunes Rodrigues
O advogado Jean Severo, responsável pela defesa do réu, informou que pretende comprovar a inocência do cliente no plenário.
— O Dalvani é completamente inocente desta acusação. Só tem a palavra do delator, que para mim é uma delação nula — afirma o advogado.
Severo sustenta que o advogado escolhido para acompanhar a delação teria sido indicado pela própria polícia, enquanto deveria ter sido um profissional de confiança do colaborador.
— Essa delação é nula. O Dalvani não tem nada a ver com isso. Infelizmente, esse delator inventou essas histórias, mas a gente tem certeza na absolvição dele — diz o criminalista.
Sobre a delação, o diretor da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa, o delegado Eibert Moreira Neto afirma que foi realizada na época dentro da legalidade:
— Tanto é que ela foi homologada pelo Poder Judiciário. Isso significa que ela foi feita dentro da previsão do que diz a norma processual. Com relação ao que refere o advogado, da nulidade da delação, observo que o advogado tem por prática desqualificar o trabalho da polícia, toda vez que ele não tem argumentos jurídicos para fazer a defesa técnica do cliente. Não é a primeira vez que deparamos com declarações similares a essas, feitas pelo mesmo advogado, em situações que o inquérito foi extremamente bem conduzido, dentro da legalidade. Quando lhe falta argumentos jurídicos, pertinentes a defesa dos clientes, ele passa a atacar o trabalho realizado pela polícia.
O que diz a defesa de Douglas de Sá Gomes e Gustavo da Luz Marques
A Defensoria Pública do Estado é responsável por representar os réus no julgamento. O órgão informou, no entanto, que só se manifestará sobre o processo durante o júri.