O Estado assinou nesta quarta-feira (9) o contrato para aquisição de tornozeleiras eletrônicas que permitirão o monitoramento de agressores de mulheres. Os equipamentos emitirão alertas de aproximação para as vítimas por meio de um aplicativo em um celular exclusivo, ajudando a prevenir feminicídios.
A contratação será de até 2 mil conjuntos (2 mil tornozeleiras e 2 mil celulares) com a empresa suíça Geosatis, sem necessidade de licitação. O investimento será de R$ 4,2 milhões, com recursos do programa Avançar na Segurança.
— Essa é uma medida que vamos implementar para reduzir o número de feminicídios. Hoje, em torno de 15% das vítimas de feminicídio possuem medida protetiva. Com o monitoramento do agressor, vamos ter maior controle sobre isso. É uma medida extremamente eficaz — projeta o secretário estadual da Segurança Pública, coronel Vanius Santarosa.
De acordo com o titular da pasta, o governo poderá ampliar o número de tornozeleiras disponíveis, a partir de 2023, dependendo da demanda pelos equipamentos.
Inicialmente, o projeto será implantado em Porto Alegre e Canoas, com enfoque em homens que cumprem medidas protetivas da Lei Maria da Penha e oferecem risco às vítimas. Após essa primeira adaptação, a ideia é expandir para todo o Rio Grande do Sul.
A partir da assinatura do contrato, o prazo para a entrega e para o início do uso das tornozeleiras é de até 60 dias.
Vítima de uma tentativa de feminicídio que causou indignação na Capital, Bárbara Penna participou da solenidade, como testemunha da assinatura do contrato. O caso ocorreu em novembro de 2013. Aos 19 anos e com dois filhos pequenos (Isadora, de 2 anos e 7 meses, e Henrique, de três meses), ela decidiu acabar o relacionamento com o companheiro. Por não aceitar o término da relação, João Guatimozin Moojen Neto, 28, a agrediu até que ela desmaiasse. Ele ainda colocou fogo no apartamento enquanto a vítima estava desacordada. Depois, enquanto Bárbara pedia por socorro na janela do apartamento, no terceiro andar, ele a empurrou. Ela foi levada para o hospital em estado gravíssimo. As duas crianças, que dormiam, morreram queimadas. Moojen Neto foi condenado a 28 anos e quatro meses de reclusão em regime inicial fechado em 2019.
A jovem sobreviveu, passou a se dedicar ao trabalho com mulheres vítimas da violência e criou o Instituto Bárbara Penna. Ela comemorou o início do programa de monitoramento, mas ressaltou que é preciso seguir avançando no combate a esse tipo de crime:
— É um projeto muito importante, vai trazer benefícios para muitas mulheres, irá mapear os passos do agressor, o que ajuda as vítimas. Mas é preciso evoluir ainda mais, pois vemos que as estatísticas de mulheres mortas seguem subindo no Estado. A partir daqui, desse projeto, precisamos seguir dialogando, seguir agindo para salvar essas vidas — disse Bárbara.
Como funciona
Conforme o coordenador do Programa RS Seguro, delegado Antônio Carlos Pacheco Padilha, a medida é inovadora em relação ao que já é feito no Brasil e no Exterior. Através de um software desenvolvido especialmente para essa função, será possível saber se o agressor invadiu o perímetro de distanciamento da mulher e um alerta será gerado para uma central de monitoramento, que será acompanhada pela Brigada Militar, mas poderá ser utilizada também pela Polícia Civil.
Ao primeiro sinal de descumprimento da zona de exclusão, o homem será advertido por ligação e orientado a se retirar. Caso persista na aproximação, uma equipe com agentes de segurança pública, como Patrulha Maria da Penha e BM, já estará em deslocamento para o local. A vítima, então, receberá uma notificação e um efeito sonoro será disparado no celular. Um mapa mostrará a distância entre os dois, em tempo real.
Isso é realizado por um aplicativo que só funciona no celular fornecido pelo Estado à vítima. Por segurança, o sistema não pode ser desinstalado ou baixado em outros aparelhos. Também não é possível utilizar o telefone para outras funcionalidades.
A orientação é que a mulher mantenha o celular sempre por perto e no mesmo ambiente, para garantir que o sistema saiba a localização dela e gere o alerta em caso de aproximação do homem com a tornozeleira. A implantação será sempre a partir de uma decisão judicial e conforme cada caso, com ênfase nas mulheres que correm mais risco de sofrerem tentativa de feminicídio.
O equipamento é preparado para evitar o rompimento. Se houver algum esforço de retirada, os sensores internos enviam sinais para a central de monitoramento. Há ainda um carregador portátil que garante a reposição da bateria em 90 minutos, para duração de 24 horas. O sistema também emite um aviso se a carga estiver baixa.
Importância das denúncias
O processo de combate à violência doméstica começa a partir de uma denúncia feita pela própria vítima ou por alguma testemunha (veja abaixo como procurar ajuda). A partir daí, é gerado um procedimento policial, que é encaminhado ao Poder Judiciário. O Ministério Público analisa, então, a situação e, se for o caso, oferece denúncia. Após a avaliação da Justiça, pode ser autorizado o uso da tornozeleira.
— É um momento importante pra gente tentar incentivar as denúncias. Não é fácil a mulher tomar essa decisão. Muitas vezes tem a dependência econômica, os filhos, tem um ciclo de violência que se instalou e que ela não consegue romper — salienta o delegado Antônio Carlos Padilha.
Atuando em parceria na iniciativa, a promotora Carla Carrion Frós, coordenadora do Grupo Especial de Prevenção e Enfrentamento à Violência, reforça a importância de investimentos em políticas públicas para coibir as agressões:
— Infelizmente, os indicadores da violência contra a mulher seguem crescendo e impactam o trabalho de todos os integrantes do sistema de segurança pública e de Justiça. Impactam a economia e a saúde não só das mulheres, mas de seus filhos.
Desde 2020, o Comitê Interinstitucional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher – Em Frente Mulher atua como uma rede de apoio às vítimas, com vários órgãos participantes, como secretarias do Estado, Brigada Militar, Polícia Civil, Judiciário e assistência social. A iniciativa propôs o desenvolvimento de 11 projetos. Destes, cinco foram priorizados para início imediato, como o de Monitoramento ao Agressor.
Para ampliar os resultados, o governo estadual ainda firmou um acordo de cooperação com a London School of Economics and Political Science para o processamento de dados. Com auxílio do Sistema de Gestão Estatística em Segurança Pública (GESeg), será criado um banco de dados sobre violência doméstica a partir da análise dos últimos 10 anos. O estudo vai ajudar a identificar quais casos podem ser usados para identificar mulheres que têm maior risco de sofrer violência.
Origem do projeto de monitoramento
Levou quase nove anos para que o monitoramento de agressores que praticaram violência doméstica começasse a sair do papel. Inspirado em uma proposta do deputado estadual Edegar Pretto (PT), o projeto prevendo o uso de tornozeleiras foi aprovado pela Assembleia Legislativa em dezembro de 2013 e sancionado pelo então governador Tarso Genro (PT) em janeiro de 2014.
Na época, a ideia era iniciar a implantação com um projeto-piloto, mas Tarso perdeu a eleição em 2014, a medida não foi posta em prática e a lei ficou somente no papel durante o governo de José Ivo Sartori (MDB) e praticamente toda a gestão de Eduardo Leite/Ranolfo Vieira Junior (PSDB). Será colocada em prática agora, em um contexto de melhora geral dos indicadores de segurança pública no Estado, mas de persistência de índices elevados de feminicídio.
— Quando um projeto é bom, não importa a ideologia partidária. Essa não é uma pauta desse ou daquele governo, é uma pauta do Rio Grande do Sul — pondera o delegado Padilha.
Como buscar ajuda
Qualquer pessoa pode informar sobre casos e orientar a mulher a buscar um serviço de atendimento. Conheça algumas formas de pedir ajuda:
- Para socorro urgente, o número é o 190.
- Além do Disque Denúncia 181, está disponível o Denúncia Digital 181, no site da Secretaria da Segurança Pública.
- O WhatsApp da Polícia Civil (51 98444-0606) recebe mensagens 24 horas, sem a necessidade de se identificar.
- A Delegacia Online tem novas possibilidades de registro para receber os relatos de violência doméstica. Permite fazer o boletim de ocorrência, com a mesma validade do documento emitido presencialmente, a qualquer horário e por qualquer dispositivo com internet.
- Salas das Margaridas nas Delegacias de Polícia de Pronto-Atendimento (DPPAs), para levar o acolhimento e o amparo especializado nessas unidades, que frequentemente são a primeira parada das mulheres em busca de ajuda.
- Quem não tem acesso pode procurar qualquer Delegacia de Polícia, além das 23 Deams hoje existentes no Estado.
- A Defensoria Pública presta orientação e a defesa em juízo, das mulheres de baixa renda ou em situação de vulnerabilidade. Orienta vítimas pelo Disque Acolhimento: 0800-644-5556. Também há o Alô Defensoria: (51)3225-0777.
- No Ministério Público há a Promotoria Especializada de Combate à Violência Doméstica e Familiar, no prédio do Instituto de Previdência do Estado (IPE) do RS, na Avenida Borges de Medeiros, 1.945. Telefone: (51) 3295-9782 ou 3295-9700. E-mail: promotoriadamulherpoa@mprs.mp.br
- Também no MP, há Grupo Especial de Prevenção e Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Aceita qualquer tipo de denúncia e dá orientações. E-mail: gepevid@mprs.mp.br.