A última vez que Bárbara Penna de Moraes e Souza aninhou os filhos Isadora, de dois anos, e João Henrique, de três meses, nos braços foi em novembro de 2013. Em um apartamento no bairro Jardim Lindóia, na zona norte de Porto Alegre, a jovem, então com 19 anos, fez o menino dormir no colo. Depois deitou na cama com a menina e assistiram desenho abraçadas, até a criança adormecer. Naquela madrugada, o apartamento onde a mãe e os filhos estavam seria incendiado pelo ex-companheiro da jovem.
Após ser agredida e desmaiar, Bárbara acordou com o corpo em chamas. As crianças e o vizinho, Mário Ênio Pagliarini, 79 anos, que tentava socorrê-las, foram asfixiados pela fumaça e não resistiram. A mulher teve mais de 40% do corpo queimado. Nesta quarta-feira (4), João Guatimozin Moojen Neto, 28 anos, foi condenado a 28 anos e quatro meses de reclusão em regime inicial fechado. Ele não poderá recorrer em liberdade. Ainda conforme a decisão dos jurados, ele foi inocentado da acusação de causar a morte do vizinho e ainda considerado semi-imputável em relação aos crimes de homicídio contra as crianças.
Como está preso desde a data do crime, o homem já cumpriu quase seis anos de prisão. Por ser réu primário, Moojen Neto poderá pedir progressão de pena após cumprir dois quintos da sentença, ou seja, em cerca de cinco anos.
A sentença foi confirmada pelo juiz Paulo Augusto Oliveira Irion no início da noite, após quase 21 horas de julgamento.
Para Bárbara, o júri representa certo alento, para quem há quase seis anos luta para superar os traumas e as perdas. Desde a madrugada na qual despertou sendo queimada viva e que foi arremessada do terceiro andar, foram mais de 230 cirurgias reparadoras. Mas ainda na terça-feira (3), quando foi a primeira a ser ouvida, afirmou que o queria era poder ter dado um futuro aos filhos.
Nesta quarta-feira (4), Bárbara preferiu não falar com a imprensa, mas trazia no peito, suspensas em um cordão, duas medalhas com as fotos de Isadora e João Henrique. O segundo dia de julgamento foi concentrado no debate entre a acusação e a defesa. Ao longo da explanação, o Ministério Público defendeu que o réu fosse condenado a pena máxima possível para o caso. O promotor José Eduardo Coelho Corsini apelou aos jurados.
— Ele precisa ser contido. Como ele não sabia que as crianças estavam no apartamento? — indagou, sobre a alegação da defesa que quando ateou fogo ao imóvel Moojen Neto não sabia que os filhos dormiam no quarto ao lado.
Um dos momentos marcantes da manhã aconteceu quando o promotor exibiu imagens de Isadora e João Henrique, mortos após o incêndio. As cenas fizeram Bárbara e a mãe deixarem o plenário em prantos. O réu também chorava.
— Não lembrou de salvar os filhos. Precisou um senhor de 79 anos tentar salvar — afirmou o promotor sobre o fato do réu ter deixado o apartamento sem resgatar as crianças.
Logo depois, o advogado Manoel Castanheira, assistente de acusação no caso, defendeu que o réu receba o tempo máximo possível de prisão, com a soma das penas. Emocionado, mostrou aos jurados as fotos das vítimas, anexadas ao processo.
— Nenhum recurso, nada que eu fizer, mudará isso — disse.
Às 11h, o juiz determinou que fosse feita pausa porque um dos jurados chorou durante a fala da acusação. O Conselho de Sentença foi chamado à sala secreta.
— Está quase — sussurrou Bárbara, sentada na segunda fileira de poltronas, no lado esquerdo do plenário, destinado aos familiares das vítimas.
No lado oposto, encontram-se os familiares do réu. Às 11h4min, ainda durante esta pausa, enquanto Bárbara secava as lágrimas, o promotor Corsini se aproximou dela e estendeu a mão.
— Está tudo bem? - indagou.
— Estou tentando - respondeu Bárbara.
No retorno, alguns minutos depois, o juiz Paulo Irion explicou que a pausa foi necessária:
— Deu-se um fato que é natural. Todos os seres humanos podem se emocionar. Mas entendemos, por bem, fazer essa interrupção.
A acusação manteve a argumentação de que o réu apresenta "comportamento psicopata", mas que possuía capacidade de compreender o que estava fazendo. Castanheira afirmou que ele recebeu apoio da família, mas "não soube aproveitar". Em seguida, o advogado virou-se para Bárbara, sentada na plateia e falou sobre a morte do vizinho e o futuro da jovem, que se tornou símbolo no combate à violência doméstica:
— Como você Bárbara, ele (Pagliarini) queria fazer o bem, fazia o bem. Continue na sua luta, para auxiliar mulheres, vítimas da violência, que não querem morrer nas mãos de psicopatas — afirmou Castanheira.
"Não queria matar os filhos", diz defesa
A Defensoria Pública argumentou que o acusado era usuário de entorpecentes, possuía transtorno de personalidade e não tinha total capacidade de controle sobre as ações. A defensora Tatiana Kosby Boeira defendeu que o réu fosse encaminhado ao Instituto Psiquiátrico Forense (IPF) para tratamento.
— O réu é doente, é incapacitado.
A defensora afirmou que o réu “não é um monstro” e distribuiu aos jurados fotografias dele abraçado com os filhos. Além disso, afirmou que Mojen Neto e Bárbara mantinham relação conturbada e, em vários momentos, fez críticas à imprensa.
Sobre a cena do crime, a defensora alegou que o réu ateou fogo a um travesseiro e que não usou álcool. Disse que isso teria ocorrido durante uma briga e que o acusado não sabia que as crianças estavam no apartamento.
— João (réu) nunca quis matar os filhos — disse.