Bárbara Penna de Moraes e Souza, 25 anos, chegou ao Fórum de Porto Alegre às 9h desta terça-feira (3). Apoiava o lado direito do corpo em uma muleta. No mesmo lado da face, cobria com os cabelos as marcas das queimaduras.
São algumas das sequelas físicas deixadas por um incêndio ocorrido há seis anos, no qual teve mais de 40% do corpo queimado. Desde então, foram quase quatro meses hospitalizada e mais de 230 cirurgias reparadoras.
Na chegada ao fórum, levava no pescoço um cordão, que representava as outras marcas, que não podem ser vistas. Dele, pendiam duas medalhas com as fotos dos filhos, Isadora e João Henrique, mortos no incêndio.
— Nenhuma cirurgia traz meus filhos de volta. Ter o direito de ser mãe deles. De fazer meus filhos felizes. Eu sempre me doei muito, mesmo sendo nova. Só queria ter meus filhos perto de mim. Só queria ter o direito de criar eles hoje — disse a mulher, ao ser questionada pelo promotor José Eduardo Coelho Corsini.
Bárbara foi a primeira a ser ouvida no julgamento que começou nesta terça. João Guatimozin Moojen Neto, 28 anos, ex-companheiro dela, é réu pelas mortes dos dois filhos e de um vizinho, além da tentativa de homicídio contra a mulher.
O crime aconteceu na madrugada de 7 de novembro de 2013, em um apartamento no bairro Jardim Lindoia, na zona norte da Capital. O júri, que iniciou às 9h30min, deve se estender até quarta-feira (4).
Segundo a denúncia do Ministério Público (MP), Moojen Neto ateou fogo ao apartamento, causando a morte dos filhos — Isadora, de dois anos, e João Henrique, de três meses — e do vizinho Mário Enio Pagliarin, 79 anos. O idoso foi encontrado morto, sufocado pela fumaça, nas escadas do prédio. O réu ainda é acusado de ter agredido Bárbara, provocado queimaduras na vítima e ainda a arremessado pela janela do apartamento, localizado no terceiro andar.
Relação possessiva
Bárbara contou que conheceu Moojen Neto em 2011 pela internet, quando tinha 16 anos e estava com cerca de seis meses de gravidez da filha. Os dois começaram a namorar e ele assumiu a paternidade de Isadora.
— Achei realmente que tinha encontrado a pessoa e que a gente ia formar uma família — afirmou.
Com o nascimento da filha, disse que as coisas mudaram e, ao voltar a manter o círculo de amizades, o companheiro se tornou cada vez mais possessivo. Em 2013, nasceu o segundo filho: João Henrique.
— Era muito ciumento, especialmente com homens. Vinha um homem na minha direção e ele pedia para eu olhar para baixo. Eu amei muito o João (o réu). A minha culpa foi confiar. Até o último dia, eu acreditei nele. Sempre tentei separar a minha relação com ele da obrigação de ser pai. A minha inocência foi esse amor que eu sentia quando conheci ele — acrescentou.
Depoimento
Às 10h46min, Bárbara entrou na sala do júri e mirou o ex-companheiro, sentado em frente à defesa. Ela prestou depoimento de costas para ele e de frente para os jurados.
Moojen Neto manteve os braços cruzados e o olhar fixo na ex-companheira. Baixou a cabeça algumas vezes. Bárbara relatou que estava morando na casa dos pais de Moojen Neto e que, naquela noite, foi até o apartamento onde o ex-companheiro estava vivendo.
— Ele sempre forçava, de todas as maneiras, para que eu ficasse perto dele, mesmo muitas vezes eu não querendo. Nesse dia, ele me atraiu com o intuito de ver nosso filho, recém-nascido. Eu, na inocência, fui.
A jovem lembrou os últimos momentos que passou com os filhos naquela noite. Disse que deitou na cama e assistiu a desenhos com eles. Depois, fez os dois dormirem.
— Eu estava deitada na cama da vó dele, com meus filhos, vendo desenho. A gente estava assistindo desenho, Bob Esponja. Até hoje, não consigo ver mais esse desenho. Tinha feito meu filho dormir e fiquei abraçada na minha filha. Ela pegou no sono.
Bárbara relatou que foi até a sala e que, neste momento, iniciou a discussão com o ex. Falou ainda que estava planejando iniciar um curso profissionalizante, para começar a trabalhar.
— Ele queria voltar a se relacionar comigo, queria continuar o namoro. Eu ia começar meu curso de cabeleireira quatro dias depois. Eu ia ter minha independência financeira. Ia sair da casa da mãe dele — disse.
A mulher contou que, com o intuito de encerrar a discussão, decidiu ir dormir e acordou sendo agredida pelo ex-companheiro. Bárbara disse que só despertou algum tempo depois, já com o apartamento em chamas — segundo a denúncia, Moojen Neto usou álcool para atear fogo ao imóvel.
— Acordei com cheiro muito forte de álcool. Eu percebi que estava sendo queimada viva. A minha reação foi gritar. Ele me jogava para cima das chamas, com intuito de me queimar. Eu disse: "Para, os nossos filhos".
Ela contou que, na sequência, correu até uma janela onde tentou gritar por socorro. Neste momento, disse que foi arremessada.
— Quando coloquei minha boca para fora para gritar, ele me jogou. Lá embaixo eu desmaiei. E aos poucos voltei. Vi o desespero das pessoas, eu gritando, eu ainda estava em chamas.
Bárbara relatou ainda que enxerga 40% do olho direito e que tem uma série de cirurgias para serem feitas, além das já realizadas. Disse que está em tratamento psicológico para síndrome do pânico e depressão.
Um dos momentos marcantes do depoimento aconteceu quando a mulher retirou o aplique nos cabelos que cobre o lado direito.
— Essa é a verdadeira Bárbara. Assim que eu fiquei. (Chorou e retirou o aplique) É a minha destruição. É do jeito que eu fiquei. Por ele. Nada disso precisaria estar acontecendo. Acreditei, dei o meu melhor. E é isso que aconteceu.
"Adorava aquelas crianças", conta mãe de réu
Às 14h44min, quando a mãe do réu prestava depoimento, o juiz Paulo Irion determinou que a vítima saísse do plenário, por ter se manifestado durante a fala dela. O magistrado já havia solicitado que familiares do réu fossem retirados por estarem emocionados. Segundo o juiz, a medida é tomada para não interferir na opinião dos jurados.
Pouco antes, ao longo do depoimento da mãe, o réu baixou a cabeça e chorou diversas vezes. A professora universitária Ana Walkiria Lucca de Camargo se emocionou ao falar dos netos.
— Eu gostava da Bárbara como uma filha. Eu adorava aquelas crianças. Eu proibi o João (o réu) de entrar na minha casa por causa das brigas. Para dar acolhimento para ela, para não ficarem no meio daquela briga. A gente queria dar apoio. Elas eram minhas netas — contou Ana.
A mãe confirmou que o réu era usuário de drogas e que ele chegou a ser internado duas vezes para tratar o vício. Além disso, relatou que ele foi diagnosticado aos 13 anos com transtorno bipolar. Contou que o casal tinha um relacionamento conturbado, com agressões.
— Não ficavam separados. Já voltavam as brigas. Eu fiquei sabendo que o João estava abusando das drogas e eu internei ele. Depois a gente internou ele de novo e ele fugiu.
Às 14h57min, enquanto a mãe falava, o réu também precisou se retirar da sala. Ele estava abalado e baixou a cabeça e começou a chorar, o que fez com que o juiz pedisse para que ele saísse também. Depois que se acalmou, o réu retornou ao plenário.
O que diz a defesa
A defensora pública Tatiana Kosby Boeira, que atua em defesa do réu, falou com a imprensa pouco antes do início do julgamento. Ela afirmou que se trata de um caso trágico, mas defendeu o réu, afirmando que ele era usuário de drogas e estava sob efeito de entorpecentes na madrugada do crime. Tatiana disse ainda que Moojen Neto sofre de transtorno de personalidade, atestado pelo Instituto Psiquiátrico Forense (IPF).
— Vamos mostrar qual a real responsabilidade dele no caso — afirmou.
Além de Bárbara, serão ouvidas sete testemunhas de defesa, entre elas os pais do réu, o padrasto, um psiquiatra e um preso que divide cela com ele. Moojen Neto está detido na Penitenciária Estadual de Charqueadas.