Em 15 de setembro deste ano, Juarez Júnior Ramos da Silva, 24 anos, apresentou-se à Polícia Civil, no Vale do Rio Pardo, após ter decretada prisão por supostamente ter perseguido a ex, Maila Aparecida Wagner, 20 anos, de carro, com uma arma de fogo. Dois dias depois, nova decisão da Justiça determinou que ele poderia ser solto, por entender que não havia ocorrido o descumprimento de medida protetiva relatado pela vítima. Quarenta e três dias depois, em 30 de outubro, ele assassinou a jovem a tiros e tirou a própria vida, na área central de Salto do Jacuí.
GZH entrou em contato com o Tribunal de Justiça, para entender os motivos que levaram à soltura do suspeito. Segundo o Judiciário, tratava-se de um caso de aplicação de medida protetiva, já que Maila havia decidido em audiência por não representar contra o ex-namorado, o que permitiria a instauração de processo criminal. A sessão foi conduzida pela juíza de Arroio do Tigre, Márcia Rita de Oliveira Mainardi, que ouviu a jovem a primeira vez em julho. Naquele momento, Maila ainda não havia sido ameaçada com arma de fogo — como registrou posteriormente, em setembro.
Em 8 de setembro, Maila procurou a polícia, relatando que havia sido perseguida pelo ex em frente ao local de trabalho dela. Segundo a jovem, Júnior estava dentro de um veículo, com uma arma de fogo na mão. No mesmo dia, a delegada Graciela Foresti Chagas, de Arroio do Tigre, pediu a prisão preventiva do suspeito. No pedido, alertou para o risco que corria a vítima, por ter sido ameaçada com arma e pelo fato de o ex não respeitar as ordens judiciais. No mesmo documento, a policial ressaltou: "Medidas alternativas à prisão não serão suficientes para cessar o risco que ele oferece".
Segundo o Judiciário, a prisão foi expedida como uma forma de medida protetiva de urgência. Após uma semana, Júnior se apresentou voluntariamente na delegacia, acompanhado de advogado. Durante audiência de custódia, a juíza determinou que fosse mantida a prisão preventiva e realizada busca na casa do acusado, para tentar localizar a arma de fogo descrita por Maila. A Polícia Civil, segundo a delegada, cumpriu o mandado tanto na casa dele, como nas de familiares, mas não encontrou nada.
Segundo o Judiciário, nesses casos, a prisão serve para verificar se houve mesmo descumprimento da medida. Conforme a magistrada, o advogado do acusado conseguiu comprovar nos autos que não houve descumprimento da medida protetiva — ainda que o relato da vítima tenha sido diverso deste. O defensor apresentou, segundo a juíza, declarações e notas fiscais para sustentar a alegação de que o cliente estava no município de Estrela Velha para adquirir peças numa loja, onde costumeiramente comprava para a oficina de que era proprietário, não com intuito de perseguir a ex.
A conclusão do Judiciário, com base no que a defesa de Silva apresentou, foi de que não houve descumprimento da medida. "Em dois dias, a defesa comprovou nos autos que o acusado estaria na cidade por outro motivo", afirma a explicação enviada pelo Judiciário.
Familiares relatam perseguição
No entanto, segundo familiares de Maila, a jovem seguia sendo perseguida pelo ex, desde que decidira terminar o relacionamento, em maio. O pai dela, o motorista Cláudio Rogério Wagner, 48 anos, chegou a fazer contato por mensagens repetidas vezes com Júnior, após saber da situação. Maila havia voltado a morar na casa dos pais, em Estrela Velha, após se separar. O relacionamento com o ex tinha durado pouco mais de dois anos.
— Pedi que deixasse ela em paz, que ela não queria mais viver com ele. Pedi várias vezes, foram muitas mensagens. E ele matou minha menina — disse o pai em entrevista a GZH na semana passada.
Segundo a magistrada, o caso tinha naquele momento todos os elementos jurídicos para revogar a prisão do acusado, mantendo as medidas protetivas, como a proibição de ele se aproximar dela. Entre os fatores que foram considerados para a soltura estiveram o fato de que a vítima não representou contra o ex pelo crime de ameaça, a apresentação voluntária de Júnior sete dias após a decretação da prisão e a ausência de registro de outro episódio de descumprimento da protetiva. O Judiciário afirmou que o crime se deu após cerca de dois meses sem outro possível descumprimento da medida.
GZH tentou ouvir o relato da magistrada sobre o caso, mas a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça informou que ela não concede entrevistas sobre esse tipo de processo, em razão do segredo de justiça.
O crime
Em 30 de outubro, Maila saiu da casa dos pais, em Estrela Velha, para ir até um município próximo. Com amigos, ela foi até a cidade de Salto do Jacuí. Eles estavam em uma calçada, na área central, quando aconteceu o crime. Segundo a Polícia Civil, Júnior avistou a ex-namorada na rua e atirou três vezes na direção dela. Logo depois, disparou contra o próprio peito. Os dois chegaram a receber atendimento, mas não resistiram. Naquele mesmo dia, Júnior teria dito a familiares que cometeria "uma bobagem".
A Polícia Civil investiga a origem da arma usada no crime, uma pistola de calibre 9 milímetros, que estava com numeração raspada. O caso deve ser concluído pela investigação como um feminicídio, seguido de suicídio.
A vítima
Maila era estudante de Ciências Contábeis e deveria se formar no próximo ano. Natural de Estrela Velha, era a mais velha de uma família de três meninas. O sonho dela era concluir a faculdade e trabalhar na contabilidade de alguma empresa. Segundo familiares, a jovem tentava retomar a vida, após o fim do relacionamento conturbado. Como o pai dela é motorista na Secretaria de Saúde de Estrela Velha, o município decretou luto oficial pelo crime, que chocou a comunidade na região.
Procure ajuda
Caso você esteja enfrentando alguma situação de sofrimento intenso ou pensando em cometer suicídio, pode buscar ajuda para superar este momento de dor. Lembre-se de que o desamparo e a desesperança são condições que podem ser modificadas e que outras pessoas já enfrentaram circunstâncias semelhantes.
Se não estiver confortável em falar sobre o que sente com alguém de seu círculo próximo, o Centro de Valorização da Vida (CVV) presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato. O CVV (cvv.org.br) conta com mais de 4 mil voluntários e atende mais de 3 milhões de pessoas anualmente. O serviço funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados), pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil (confira os endereços neste link).
Você também pode buscar atendimento na Unidade Básica de Saúde mais próxima de sua casa, pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), no telefone 192, ou em um dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do Estado. A lista com os endereços dos CAPS do Rio Grande do Sul está neste link.
Como buscar ajuda contra a violência doméstica
Brigada Militar – 190
- Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado.
Polícia Civil
- Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas.
- Em Porto Alegre, a Delegacia da Mulher na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências).
- As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado. Confira a lista neste link.
Delegacia Online
- É possível registrar o fato pela Delegacia Online, sem ter que ir até a delegacia, o que também facilita a solicitação de medidas protetivas de urgência.
Central de Atendimento à Mulher 24 Horas – Disque 180
- Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e acerca dos locais onde a vítima pode receber atendimento. A denúncia será investigada e a vítima receberá atendimento necessário, inclusive medidas protetivas, se for o caso. A denúncia pode ser anônima. A Central funciona diariamente, 24 horas, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.
Defensoria Pública – Disque 0800-644-5556
- Para orientação quanto aos seus direitos e deveres, a vítima poderá procurar a Defensoria Pública, na sua cidade ou, se for o caso, consultar advogado(a).
Centros de Referência de Atendimento à Mulher
- Espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência.