Com o retorno das aulas, muitos pais se deparam com uma dura realidade: a volta à rotina das crianças e adolescentes não é tão fácil quanto eles gostariam. Com mudanças abruptas de horários e obrigações, os pequenos podem ter dificuldade até pegarem no ritmo novamente. Em razão disso, GZH ouviu especialistas que deram dicas de como melhorar o processo.
Para a psicóloga e professora de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Valéria Thiers, uma das primeiras coisas a pensar é em como os adultos se organizam para uma nova rotina que foi interrompida. A reflexão dos pais pode ajudar a conduzir os filhos durante o retorno. Além disso, ela orienta que é preciso entender as especificidades de cada faixa etária, se são crianças dos anos iniciais ou se já são adolescentes, pois as abordagens serão diferentes.
Rotina de sono
Regular o padrão de sono, que se altera nas férias, é um bom pontapé inicial. De acordo com a psicóloga e pesquisadora na área de psiquiatria da infância e adolescência Luciana Tisser, é indicado que essa regulação comece uma semana antes de iniciar as aulas. Tente colocar os horários que vão ser compatíveis à rotina durante o período letivo. O importante é que a alteração seja gradual.
— O nosso cérebro tem um padrão de sono, que a gente chama de ritmo circadiano, que regula tudo. Então isso é para evitar que a criança entre num cansaço ou desgaste logo de cara — explica Luciana.
Um padrão de sono desregulado traz alterações cognitivas e emocionais, portanto, pode afetar tanto o humor quanto a aprendizagem. Neste sentido, é recomendado que os pais evitem oferecer para as crianças e adolescentes durante a noite alimentos que tenham cafeína, incluindo o achocolatado. Açúcares de maneira geral também devem ser evitados algumas horas antes de ir para a cama, pois geram energia e estímulos.
Além disso, o recomendado pelas especialistas é que até duas horas antes o acesso a telas, tanto de celular quanto de televisão, seja restringido. Caso a contestação seja difícil de contornar, pode-se negociar para que o tempo seja de uma hora.
— À medida que vai escurecendo, a gente vai produzindo melatonina no nosso cérebro. No período em que as pessoas não tinham luz elétrica o nosso cérebro se adaptava super naturalmente porque entendia que precisava diminuir o ritmo para adormecer. Quando pegamos o celular, a luz diz para o cérebro despertar — detalha Luciana.
Uma leitura, assistir um programa menos agitado, ouvir músicas ou até tomar um banho relaxante são boas dicas para preencher esse horário. Valéria, no entanto, alerta para que os pais com filhos adolescentes estejam preparados para as contestações, já que frases como “está todo mundo jogando, por que eu não posso?” ou “porque eu tenho que ir dormir se tu está acordado?” serão bem comuns.
— Essa turminha questiona bastante, mas também já tem a capacidade de se auto-organizar e entender que as regras estão sendo postas para que eles padeçam menos na retomada. Então, com os adolescentes, essa conversa tem que ser mais horizontal e não hierarquizada — explica a professora da PUCRS.
Explique e engaje sobre as mudanças
O diálogo é um forte aliado durante todo o processo. Explicar para os pequenos os motivos de precisarem mudar alguns hábitos pode ajudar a evitar resistências.
— Por exemplo, para a gente poder jogar uma partida de basquete ou de vôlei precisa treinar antes. Não podemos chegar despreparados e já ir para uma competição. Da mesma forma que a gente não pode chegar despreparado e já ir para uma aula onde vamos receber vários estímulos de aprendizagem — exemplifica Luciana.
Engajar as crianças e adolescentes para que participem da organização da sua rotina no retorno às aulas também é apontado como fundamental pelas psicólogas. Por mais que pareça desafiador, é recomendado que os pais levem os filhos junto na hora de comprar os materiais para que eles sintam que estão participando ativamente. Colocar os pequenos para ajudar na etiquetação dos materiais, na organização do uniforme entre outras atividades faz com que eles possam já ir se responsabilizando sobre as novas tarefas e também curtindo o momento.
— Isso faz não só com que o sujeito se organize em relação ao seu cronograma, mas também com que ele desenvolva o senso de autonomia e competência. Como por exemplo, saber quais livros precisam ser levados em quais dias, qual roupa ir no dia da Educação Física — orienta Valéria.
Organize o horário para fazer a lição de casa
Cada família precisa identificar qual o melhor período para fazer as lições de casa. Não há uma recomendação geral em relação a isto. Apenas é necessário que seja no momento em que o aluno está mais descansado e a casa adaptada para auxiliar nas atividades, se necessário. Essa atitude, segundo Luciana, evita a dependência das crianças em relação à presença dos pais.
— Eu sempre oriento que se a criança que não tem dificuldade cognitiva, os pais tentem deixar ela fazer sozinha e só se coloquem a disposição que se ela tiver dificuldade, eles podem auxiliar. Muitas crianças são dependentes dos pais estarem ao lado, o que interfere na autonomia delas para que demonstrem o que sabem — detalha Luciana.
Outra dica é estimular o reforço positivo, ou seja, elogiar o desenvolvimento e o empenho da criança ou adolescente. Segundo Valéria, é natural o reforço de comportamentos considerados adequados, ou pelo menos deveria ser. Se a criança faz alguma considerada legal, valorize isso de alguma forma, que pode ser um simples abraço ou beijo.
— Não adianta só repreender o comportamento negativo, a punição não funciona. A gente sabe que para mudar um comportamento, o reforço e o incentivo funcionam muito mais. Então vamos elogiar aquilo que efetivamente está ali e tem a ver com coisas positivas do estudo — complementa a psicóloga.
Fora isso, para o bem-estar emocional e cognitivo as crianças precisam brincar. Então é necessário ter atenção para que as tarefas extras não se tornem excessivas. De acordo com Luciana, uma carga muito grande de atividades pode trazer um resultado inverso ao esperado.
— A criança para ser saudável precisa de horas de brincadeira livre, onde ela não está na aula de inglês, na aula de história ou no esporte. Por mais que seja algo lúdico, isso não é brincar livre — reforça.
Paciência é a resposta
Não existem fórmulas mágicas que vão funcionar para todas as famílias e da mesma forma, destacam as especialistas. A melhor forma de lidar com todo esse processo de volta às aulas é com paciência e tolerância.
— Sempre que a gente for brigar, dar uma bronca ou cobrar um ajuste à rotina, é importante que se questione como seria se nós estivéssemos passando por essas mudanças. Acho que isso ajuda a aliviar a cobrança com o outro — finaliza Valéria.
Antes de lidar com as incertezas das crianças e adolescentes, os pais devem se atentar às próprias dúvidas, como se a nova professora será boa ou se o seu seu filho conseguirá se inserir em uma nova turma.
Para Luciana, os pais também acabam se tornando vulneráveis, com tantas incertezas, mas podem colaborar com os filhos no processo:
— Auxiliar, encorajar e estimular que vai dar tudo certo, que o início é assim, que estarão ali caso os filhos precisem.
Produção: Rochane Carvalho