Garrafas PET, latas, cordões e canudinhos ganham novas funções nas mãos dos alunos do primeiro ano do Ensino Fundamental um, coordenados pela professora Larissa Gomes Cardoso, do Colégio Monteiro Lobato, em Porto Alegre. No projeto Brinquedos e Brincadeiras Através dos Tempos, Larissa convida os pequenos, com idades entre seis e sete anos, a conhecerem as brincadeiras vivenciadas por pais e avós. Tudo com um objetivo: mostrar a importância de brincar.
— É um direito das crianças. É brincando que eles conseguem construir conceitos. A pandemia limitou muito e estas criança passaram dois anos em casa numa fase muito importante do brincar, do jogo simbólico, do faz de conta. Elas não tiveram isso. Hoje é nossa obrigação também fazer este resgate — explica Larissa, que atua no magistério há 32 anos.
O projeto iniciado com as crianças em setembro se estenderá até o final do ano. A ideia é que as brincadeiras ensinadas em sala de aula sejam compartilhadas depois com os familiares. Para os colegas Lucas Gomes, seis anos, e Mallu Selbach Pires, sete anos, tem sido um período de descobertas a cada brinquedo construído em sala de aula. Lucas gostou do bilboquê e da peteca. Mallu adorou se equilibrar nos pés de lata e de dividir com Lucas as jogadas da peteca feita com canudinhos.
Para a psicóloga clínica e escolar Laura Graña, a iniciativa da professora Larissa merece aplausos, pois é principalmente por meio do brincar que a criança se apropria de suas vivências para transformá-las em experiências.
— O brincar possibilita o relacionamento interpessoal, o grupal, o crescimento, o desenvolvimento emocional e psíquico. É pela capacidade de brincar que a criança dá conta da experiência que ela tem no mundo. E este projeto (criado pela professora) é importante porque ao fazer esta transmissão para as crianças, tem toda uma bagagem cultural e afetiva nas brincadeiras. Faz parte da construção da noção de pertencimento desta criança a uma comunidade e a uma história — explica Laura.
Pai de Mallu, da turma do Colégio Monteiro Lobato, e também da pequena Duda, de um ano e três meses, o designer gráfico, ilustrador e artista plástico Ricardo Pirecco, 38 anos, aprovou a ideia da professora Larissa. Para Pirecco, a ideia de construir brinquedos e brincadeiras com materiais recicláveis em sala de aula permitirá às crianças usar a criatividade e o tempo para construírem algo com consciência ecológica. Em casa, o pai faz questão de estar envolvido nas brincadeiras com as filhas.
— Acredito que as brincadeiras são uma forma gigantesca de criar conexões de afeto, de confiança e de segurança. Assim como também um estímulo à criatividade, ao lúdico e à diversão. Poder brincar com as minhas filhas é um grande privilégio porque me conecta com a minha criança interior e me ensina a ser uma pessoa melhor. Vamos crescendo e envelhecendo perdendo esta alegria, a ingenuidade é a coisa lúdica e linda que as crianças têm. Brincando com as minhas filhas tenho uma oportunidade de resgatar isso — comenta Pirecco.
Leveza
A psicóloga Giuliana Chiapin, mestre em saúde mental e desenvolvimento infantil pela Tavistock Clinic/Londres, reforça que o brincar é fundamental como experiência de vida e vale para a vida toda, em termos de estruturação psíquica e saúde emocional.
— A criança e o adulto que brincam têm maior leveza. Brincar é uma habilidade que vamos aprendendo a fazer. A essência é a mesma ao longo da vida: a capacidade de estar conectado com as experiências e solto para vivenciá-las — esclarece Giuliana.
E este brincar, acrescenta a psicóloga, não significa apenas ir à rua e pular na calçada. Ele pode ser cantar juntos ou ler um livro juntos. Pode ser qualquer atividade que se faça num tom mais lúdico, onde duas pessoas estejam interagindo. Situação válida também, ressalta Giuliana, para os adultos de todas as idades.
Giuliana também destaca não haver comparação entre a experiência vivencial de brincar ao ar livre ou à frente de uma tela.
— Se estamos falando que brincar é uma experiência emocional, quanto mais os sentidos (olfato, visão, audição, tato) forem estimulados, mais rica será esta brincadeira. Quando uma criança precisa subir num escorregador, ela faz cálculos. Precisa coordenar o corpo, se equilibrar, calcular quantos passos, ter o frio na barriga da descida e a sensação de cair na areia. O que ocorre na frente de uma tela é puramente virtual, sem a complexidade desta experiência. Não prepara a criança até, em caso de uma esbarrar na outra, por exemplo, conseguir se equilibrar e, ou até, negociar a vez de subir com o colega, base para as relações interpessoais. Nas telas é algo passivo, onde somos apenas receptores de muitas informações — argumenta Giuliana.
A psicóloga Laura Graña também concorda que é preciso interação nas brincadeiras, seja em casa, com os familiares, ou na rua, com outras crianças.
— Uma criança que frequenta menos espaços compartilhados, como parques ou praças, acaba tendo menos espaço para elaborar a existência dos outros e a diversidade dos ambientes. E é nesta troca criativa com os outros, com as diferenças, que a criança vai criar o seu próprio eu. É na interação que vai se construindo a borda psíquica e corporal da criança, quem ela é em relação. Ninguém existe sozinho — finaliza.