Conhecida pela assistência a quem vem de fora, Passo Fundo recebeu cerca de 2 mil migrantes de diferentes partes do mundo só nos últimos cinco anos. No novo país, as comunidades mantêm vivas suas tradições de origem e incorporam elementos da cultura local, como é o caso do Natal, celebrado nesta quarta-feira (25), que acaba por misturar novos pratos e costumes de quem recomeça a vida no Brasil.
Independente da localização, a festa natalina representa a união com a família e momento de celebração. Para os cubanos Maritza Batista Garcia, 72 anos, e Jose Emilio Rodriguez Rivera, 69, o Natal ganhou novos significados nos últimos três anos, desde que migraram ao país.
— Aqui começamos a viver realmente o Natal com esplendor e magnitude. Em Cuba, muito da cultura se perdeu, vivemos anos em que não era recomendado festejar, o governo não via com bons olhos. Então as novas gerações não têm uma tradição a ser seguida, além de ser muito caro — relata Maritza.
Conforme o casal, a crise econômica é um dos principais fatores que impede a maioria da população de seguir montando a tradicional ceia natalina.
Aliás, a tradicional refeição da data é completamente diferente da brasileira: a carne principal é o porco, acompanhado de arroz, feijão, mandioca e salada. A sobremesa são pudins ou doces de laranja, sempre apreciados junto de um vinho.
— Nosso Natal agora tem algumas cadeiras vazias à mesa. Estamos aqui, mas mantemos nossa ceia cubana e nos juntamos com amigos brasileiros que fizemos em Passo Fundo. E quanto à família, seguimos na esperança de estarmos junto em algum momento novamente — comenta Maritza.
Saudade e novos significados
No caso de Edneusa Diamantino Cá, natural de Guiné-Bissau, na África, este será o décimo Natal longe da família. Inicialmente ela se mudou para Bahia, por conta dos estudos na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), e vive em Passo Fundo há três anos:
— A celebração lá (em Guiné-Bissau) é muito bonita, temos o simbolismo de união familiar, com amor e carinho. Meu primeiro ano aqui foi triste, por estar longe deles, mas agora já me adaptei e até o peru teremos na ceia deste ano. Será o primeiro da minha filha, que está com um mês de vida.
Entre as diferenças relatadas por Edneusa, estão a comida e os costumes. A ceia guineense é composta por outras carnes, como galinha e porco, e podem ser aprimoradas com bacalhau ou feijoada.
Já nas tradições, a noite de Natal para as crianças tem um hábito parecido com o Halloween, quando os pequenos saem às ruas para pedir os presentes.
— As crianças costumam andar de porta em porta para “pedir o Natal”. Os chefes da família oferecem algum agrado, que pode ser um biscoito, alguma comida ou até dinheiro. É uma brincadeira que deixa eles muito felizes no dia do Natal — lembra Edneusa.
Sinônimo de recomeço
O engenheiro de sistemas Rafael Fernández saiu da Venezuela há três anos e vive em Passo Fundo com os filhos, a esposa e a mãe. Para ele, o Natal é sinônimo de reconstrução e recomeço — a cada novo ano vem a saudade das tradições venezuelanas, mas também a oportunidade de construir novos costumes em solo brasileiro.
Segundo ele, o que mais sente falta é de celebrar o Natal na rua:
— Temos saudade das atividades que fazíamos lá, como a cantata de Natal. Saímos cerca de 4h da madrugada do dia 24 de dezembro para percorrer as casas com música. Algo bem mais alegre que aqui, o pessoal nos recebia com comida e de braços abertos.
A festa de Natal venezuelana é compartilhada também com os vizinhos e, após a meia-noite, todos saem às ruas para se abraçar. Entre as diferenças culinárias, a ceia leva uma iguaria local: a Hallaca, alimento feito de carne moída, envolto em folhas de bananeira.
— O “motivo” é o mesmo, é uma celebração bonita. Comemos Hallaca, que é o prato principal de Natal e Ano Novo. Aqui a gente tenta manter isso, mas é muito complicado na questão dos sentimentos, a gente fica com saudade das irmãs e sobrinhos que ainda estão lá.
À distância, resta honrar os costumes de cada país e criar novas tradições, na esperança de que o período de celebrações e reflexões também sirva para, de alguma forma, incluir quem escolheu Passo Fundo como sua nova casa.