Produto que constava como frequente item de encomendas a quem viajava ao Exterior, a melatonina, encarada como possível alívio para os insones, agora está disponível nas farmácias brasileiras. Não é necessário apresentar prescrição médica para a compra.
A aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se deu em outubro passado, e a venda, antes restrita às farmácias de manipulação mediante receita, começou semanas depois. A substância recebeu da entidade a controversa classificação de suplemento alimentar – em nota, a Anvisa justificou se tratar de “categoria de produtos destinada à complementação da dieta de pessoas saudáveis com substâncias presentes nos alimentos, incluindo nutrientes e substâncias bioativas, onde se enquadra a melatonina”.
O consumo diário máximo não deve ultrapassar 0,21 miligrama, e as embalagens, orienta a Anvisa, “deverão conter advertência de que o produto não deve ser consumido por gestantes, lactantes, crianças e pessoas envolvidas em atividades que requerem atenção constante”.
Produzida pela glândula pineal, no cérebro, a melatonina é um hormônio, essencial para a regulação do ciclo de sono e vigília. A suplementação para quem tem déficit na produção é muito específica, e profissionais de saúde se preocupam com o uso indiscriminado que o fácil acesso pode provocar.
Quem sofre de insônia deve introduzir a chamada higiene do sono em sua rotina e, na persistência da dificuldade para dormir, procurar orientação médica.
Os pacientes precisam ter uma boa avaliação, com indicação adequada da reposição da melatonina. Tem outras coisas a serem feitas antes, por exemplo, em relação ao ambiente em que o paciente dorme, afirma Maria Paz Hidalgo, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Biomédica e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Fernanda Gaspar do Amaral é enfática:
–Tomar melatonina sem critérios médicos claros é uma insanidade. Absolutamente inadequado, não importa a dose. Melatonina não é bala, é hormônio.
Confira, a seguir, respostas para as dúvidas mais comuns em relação ao tema.
O que é a melatonina?
Trata-se de um hormônio produzido pela glândula pineal, localizada no cérebro. A melatonina é conhecida como o “hormônio da escuridão”, conforme explica o médico endocrinologista Marcio Mancini, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). À medida em que o dia, progressivamente, vira noite, o organismo entende essa mensagem e começa a produzir a substância. O processo é impactado pela iluminação artificial dos ambientes e pelo uso de eletrônicos (televisão, computador, celular, tablet).
– Hoje em dia, as pessoas produzem muito menos melatonina do que no passado. No começo do século 20, a média de horas de sono era de nove. Agora, é de sete. Uma das causas é, simplesmente, a falta de produção da melatonina, agravada, nos últimos anos, com as luzes de LED (lâmpadas, aparelhos de TV), celulares e tablets.
O hábito de levar o telefone para a cama e mantê-lo tão próximo do rosto, exemplifica Mancini, é extremamente nocivo.
– A pessoa não produz melatonina, o hormônio não é armazenado. A melatonina é produzida quando está escuro e deixa de ser produzida quando está claro. Não diria que zera a produção, mas o organismo produz muito pouca – diz o médico.
A melatonina é importante só para o sono?
Não. O hormônio também participa de outros processos do organismo, como a regulação da insulina e o gasto calórico – quanto maior o nível de melatonina, maior a queima de energia. Mancini destaca que o homem é um animal diurno, que se alimenta e tem atividades, normalmente, durante o dia. A inversão desse ciclo sono-vigília se prova muito nociva. Adolescentes que varam a madrugada jogando videogame e depois dormem por boa parte do dia acabam desregulando o funcionamento do corpo e facilitando o ganho de peso.
Melatonina comprada em farmácia é eficaz para combater a insônia?
Qualquer queixa de insônia precisa ser avaliada para que o tratamento possa ser indicado e conduzido de forma adequada. Nem todos os quadros de problemas de sono respondem bem à ingestão de melatonina, ressalta a biomédica Fernanda Gaspar do Amaral, mesmo com o eventual aumento da quantidade prescrita.
– Para outras insônias, ela funciona muito bem. Como saber? Consultando um profissional de saúde especialista em sono – orienta Fernanda, professora da Unifesp.
Para Mancini, é possível que a pessoa perceba melhora, mas é importante ressaltar sempre a necessidade da indicação médica para o consumo da substância?
– Você pode estar simplesmente mais estressado com algum problema do dia a dia, e isso dificulta o sono. Não necessariamente a melatonina será a melhor opção. Talvez melhore.
Como favorecer a produção desse hormônio?
É aconselhável fazer a chamada higiene do sono – implementação de hábitos simples que favorecem a indução do sono e um ambiente adequado para o repouso. Procure diminuir a intensidade da iluminação (luzes do ambiente e também de dispositivos eletrônicos), reduza o volume da TV, opte por refeições leves, evite a ingestão de café, chá escuro e chimarrão, interrompa o uso de telas uma hora antes de dormir.
– O sono bom é em ambiente frio, escuro e silencioso – indica Mancini.
A produção de melatonina se altera ao longo da vida?
Quando está tudo bem com o funcionamento da glândula pineal, a produção de melatonina passa por variações no decorrer do tempo. Bebês não fabricam a própria melatonina até os quatro ou cinco meses de vida, período em que são dependentes do hormônio materno, transferido por meio do aleitamento. Na infância, o indivíduo terá o maior nível de melatonina de toda a sua existência, e essa quantidade passará a diminuir com a chegada da puberdade.
– Isso é natural, não é doença – garante a biomédica Fernanda Gaspar do Amaral, professora da Unifesp.
Tomar melatonina sem critérios médicos claros é uma insanidade. Absolutamente inadequado, não importa a dose. Melatonina não é bala, é hormônio.
FERNANDA GASPAR DO AMARAL
Biomédica da Unifesp
A melatonina segue diminuindo daí em diante. Por volta dos 70 anos, o idoso produzirá, aproximadamente, 20% do que dispunha na fase infantil.
Assim como a reposição de hormônios sexuais, diz Fernanda, a ingestão de melatonina pode beneficiar os idosos de diversas formas. O médico de referência ou o geriatra podem conduzir essa questão. Se o assunto ainda não foi abordado, questione.
Mancini, endocrinologista da SBEM, acredita que, para idosos com insônia, a melatonina pode ser uma intervenção muito melhor do que a prescrição de medicamentos controlados, por exemplo. Mas, sublinha ele, a conduta deve ser orientada por um médico.
Em que situações a reposição é indicada?
Como no caso de qualquer hormônio na área da endocrinologia, se o nível está baixo, há necessidade de reposição. Aí, sim, trata-se de um tratamento adequado e dirigido.
Pacientes com tumor na glândula pineal ou nessa região do cérebro que precisam se submeter a um tratamento oncológico para extingui-lo – o que acaba destruindo a glândula – necessitam da reposição do hormônio porque a fonte produtora não existe mais, explica Fernanda.
Há uma indicação bem específica para o uso de melatonina, aponta Mancini: passageiros que sofrem com o jet lag, a rápida mudança de fuso horário em decorrência de viagens. O hormônio pode ajudar no repouso após a chegada ao destino, reduzindo os impactos da brusca mudança.
O que devo fazer se tenho problemas para dormir?
Primeiramente, procure estabelecer uma boa higiene do sono. É melhor excluir ou ajustar o que está errado nessa rotina antes de tomar qualquer medicamento por conta própria. Se as dificuldades se resolverem, ressalta Mancini, é porque os hábitos ruins de vida estavam prejudicando a secreção de melatonina. Caso a dificuldade persista, procure orientação profissional. Unidades básicas de saúde ou médicos de clínica geral podem realizar o primeiro atendimento e depois, se necessário, encaminhar o paciente a um especialista em sono.
A ingestão de melatonina pode provocar efeitos adversos? Quais?
Fernanda afirma que o paciente, provavelmente, não vai perceber nenhuma manifestação aguda de reações indesejadas ou maléficas. Quando o indivíduo ingere a substância de maneira inadequada, em quantidade maior do que o organismo precisaria afora o que já produz tendo sua glândula pineal intacta, pode referir sono com sonhos vívidos ou até pesadelos. Esse é um dos sinais que o profissional de saúde pode detectar na avaliação. Sonolência diurna também sinaliza que a melatonina tomada na noite anterior está avançando, durante o dia, na circulação sanguínea, o que não acontece normalmente no organismo –e não deve acontecer.
– Quando está tudo bem, a melatonina é produzida exclusivamente à noite, marca a noite escura para nossos órgãos e nossas células. O fígado e o pulmão não têm olhos, mas funcionam de forma adequada. Nosso organismo não funciona da mesma forma de dia e de noite. Um dos fatores para sinalizar a noite é a melatonina. O fato de ela estar circulante somente durante a noite, desde que seja noite escura, é fundamental para a sincronização do organismo inteiro – explana Fernanda.
A biomédica detalha mais, didaticamente, nossos processos internos:
– Suponha que você fez uso da melatonina na noite anterior, tomando uma dose alta inconveniente, e o organismo não dá conta de depurar, metabolizar tudo. O que o seu fígado vai “pensar”? Que é noite. O que o coração vai “pensar”? Que é noite. O seu corpo inteiro estará com um sinal, no sangue, de que é noite lá fora e você mantendo atividades de alimentação e interação social. Essa desregulação vai prejudicar o sistema.
Cápsulas de melatonina podem ajudar a emagrecer?
Não. O endocrinologista Marcio Mancini, vice-presidente do Departamento de Obesidade da SBEM, afirma que há estudos envolvendo melatonina e obesidade que demonstram que pessoas com deficiência do hormônio, quando fazem a reposição, podem passar por alguma variação de peso, mas não se trata de uma redução significativa a ponto de fazer com que deixem de ser obesas.