É uma realidade: crianças e adolescentes adoram mexer nos smartphones e no computador e podem ficar horas em frente aos aparelhos que colocam o mundo virtual diante dos olhos e ao alcance das mãos. Com as irmãs Gabriela e Giovana Maino Tomelim, de 14 e 12 anos, é exatamente assim. A mais velha prefere as redes sociais e o WhatsApp. A caçula, os jogos. Mas os pais estão de olho. De acordo com a mãe, Tiandra Maino, 42, a tarefa de estabelecer os horários em que as filhas podem se divertir com a tecnologia fica mais difícil durante as férias escolares. A família mora em Porto Alegre.
— Se eu deixar, elas ficam o dia inteiro! Por isso, nós fizemos um acordo: das 19h às 11h55min, meu marido e eu bloqueamos o acesso à internet, por meio de um aplicativo que temos nos nossos celulares. Daí, elas podem usar até as 13h e, depois, das 17h às 19h. A regra não mudou no verão. Só que, agora, nas férias, nós liberamos um pouco mais porque elas pedem muito. Então, de noite, nos fins de semana, fica um pouco mais livre. É difícil, nós trabalhamos fora, não conseguimos estar com elas o tempo todo. Eu me culpo, mas sei que estou fazendo o meu melhor — explica a mãe.
O sentimento de culpa diminui porque os pais não adotam uma postura autoritária. O aplicativo permite controlar o tempo e o conteúdo que as adolescentes acessam. Eles explicam os motivos das regras para as filhas e estimulam que façam outras atividades, como aproveitar a área de lazer do prédio e passear em família nos fins de semana.
— Elas são muito obedientes. Ficam brabas, mas não contestam nem tentam burlar as regras. É uma colaboração. Se uma não ajudar a outra, não vai dar certo — completa a mãe.
Apostar no diálogo aberto e direto é justamente uma das principais orientações da psicóloga e terapeuta cognitiva Carolina Lisboa, doutora em Psicologia do Desenvolvimento e coordenadora do grupo de pesquisa Relações Interpessoais e Violência, da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul (PUCRS):
— Pela minha experiência no consultório, não adianta tirar o celular, cortar a TV, usar aplicativos de bloqueio. Essas estratégias são muito controladoras. É claro que a gente tem que botar limite nas crianças e nos adolescentes. Eu sei que os pais não podem ficar com os filhos o tempo todo. Mas é fato: é mais eficaz conversar, de forma aberta, e gastar um tempo para ver e entender o que os filhos estão fazendo no celular. O que estão vendo no TikTok, no Youtube e no Instagram? Quem são as pessoas que eles seguem? Eu também sou mãe e sei que os pais não dão conta de tudo.
Para Carolina, quanto mais os adultos tentam controlar os adolescentes, mais eles vão tentar burlar as regras. A dica dela é uma espécie de fiscalização consentida. Mais ou menos como o acordo que existe na família das irmãs Gabriela e Giovana.
— Ninguém gosta de ser controlado. Ninguém gosta de ter sua vida invadida. É claro que eu entendo os pais. Os filhos podem estar vendo e falando um monte de bobagem na internet. O que eu defendo é que os pais façam isso junto com eles, com consentimento, explicando os motivos de estarem mexendo no celular deles. A tecnologia pode ajudar e ser protetiva. Mas, se os pais usarem isso sempre, pode ser invasivo — defende a psicóloga.
Cuidados com os mais novos
Mas e quando as crianças são menores? De acordo com a médica psiquiátrica Marta Knijnik Lucion, especialista em psiquiatria da infância e adolescência, o ideal é que menores de dois anos de idade não fiquem na frente de telas, com exceção de chamadas de vídeo, curtas, que podem ser uma boa ideia para fazer conexão com familiares que vivem longe.
— Bebês precisam de pessoas interagindo com eles. Eu sei que é difícil, mas não é recomendado, até porque os pequeninhos costumam ficar mais irritados com as telas. Para crianças de três a cinco anos de idade, eu diria uma hora por dia. Na faixa etária de seis a 10 anos, uma hora e meia, duas horas por dia. No caso dos adolescentes, de duas a três horas por dia. E sempre com algum tipo de supervisão. Os pais precisam saber o conteúdo que eles estão assistindo, tem que ser algo adequado para cada idade — explica Marta.
A médica recomenda o uso de aplicativos que regulam o que as crianças e os adolescentes estão assistindo, desde que os filhos saibam disso:
"É mais eficaz conversar, de forma aberta, e gastar um tempo para ver e entender o que os filhos estão fazendo no celular. O que estão vendo no TikTok, no Youtube e no Instagram? Quem são as pessoas que eles seguem?"
CAROLINA LISBOA
Psicóloga
— Os pais têm que saber os conteúdos acessados, mas também acho importante que os filhos saibam o que está acontecendo. Neste sentido, vejo como uma ferramenta que ajuda muito. No caso dos adolescentes, é mais complicado, porque eles precisam ter um pouco de liberdade e privacidade. Então, é importante falar abertamente sobre como usar as redes sociais, não se expor, identificar uma conversa inadequada, não enviar fotos ou vídeos para estranhos... a família inteira tem que falar sobre segurança digital.
Atenção aos sinais de alerta
A psquiatra explica ainda que os pais devem prestar atenção a alguns comportamentos que podem indicar uma situação mais problemática:
— Os sinais são quando aquilo começa a ser a coisa mais importante do mundo. Quando nada mais interessa, quando a criança só pensa na internet. “Mãe, me devolve o celular, minha vida é horrível sem ele!”. A rotina não pode girar em torno disso. Nesses casos, talvez seja interessante levar o filho para uma avaliação profissional para ver se não tem algum tipo de transtorno.
Foi o que fez a mãe do pequeno Miguel, de 5 anos. Tatiane da Silva Filipini, 33, empresária de Porto Alegre, conta que a situação estava saindo do controle dela e do marido. Eles decidiram liberar o celular para o filho durante a pandemia, quando ainda era bebê, para ele se distrair. Mas os pais, que trabalham em uma clínica de radiodiagnóstico, não pensaram que o menino fosse se apegar tanto à tela.
— Foi bem complicado. Quando retomaram as aulas, ele não queria ir, queria ficar em casa no celular. Tive que fazer vários acordos com ele. Na saída da escola, a primeira coisa que ele pedia era o telefone. Como ele tem cinco anos, a escolinha não fecha, a nossa rotina não mudou e ele não está de férias.
"Os pais têm que servir de modelo. Às vezes, chegam em casa e não largam o celular. Os filhos estão copiando"
MARTA KNIJNIK LUCION
Psiquiatra
Como a situação foi ficando cada mais complicada, os pais decidiram buscar ajuda.
— Ele ficava nervoso, brabo, agressivo, com raiva. Queria chutar, brigar, não sabia controlar as emoções quando não tinha alguma tela por perto, seja o celular, o computador ou a televisão. Então eu vi que tinha que tomar uma decisão mais séria. Há quatro meses, o Miguel vai numa psicóloga, até porque a escola também nos recomendou. Além disso, colocamos outras atividades na rotina dele, para que ele se desapegue das telas. Atualmente, ele faz natação e taekwondo e já chega em casa mais cansado, com sono. Mas, mesmo assim, ele ainda pede pelo celular, reclama. Não é fácil. Estamos indo aos poucos — lembra a mãe do menino.
Não se esqueça: os filhos se espelham nos pais
As especialistas fazem uma observação importante aos pais: para reduzir o tempo dos filhos no mundo virtual, é preciso aumentar o leque de opções no mundo real. É claro que cada família tem um contexto e que as possibilidades variam muito conforme o caso. No entanto, de modo geral, uma boa dica é fazer trocas.
— Em vez de só tirar as telas, é preciso oferecer outras atividades. Vamos dar um passeio? Vamos tomar um banho de mar ou de piscina? Vamos fazer um bolo? Vamos visitar a vó? —exemplifica a psicóloga Carolina Lisboa.
— Os pais têm que servir de modelo. Às vezes, chegam em casa e não largam o celular. Os filhos estão copiando. A culpa, que é normal sentir, tem que ser relativizada. Uma coisa é eu deixar o meu filho um tempo na tela porque preciso fazer alguma atividade. Outra bem diferente é eu achar que está tudo bem ele passar a noite inteira no celular. Eu sugiro que os adultos bolem programas para que todos saiam um pouco das telas. Criar oportunidades. “Hoje é o dia de ir para a praça, para o clube, andar de bicicleta”. Enfim, alguma alternativa fora de casa, ao ar livre, dentro da realidade de cada família — afirma a psiquiatra Marta Knijnik Lucion.
Na volta às aulas
Fazer um esforço e sugerir outras atividades e menos tempo em frente às telas é necessário e saudável não apenas durante as férias. Antes do retorno às aulas, a sugestão é ir voltando à normalidade aos poucos, sem medidas drásticas.
— É natural que tudo fique bagunçado nas férias. É até positivo. Eu penso que os pais deveriam deixar fluir. Todos os processos de adaptação são saudáveis. Se os pais estão trabalhando e os filhos estão em casa, às vezes, é assim que vai ser: mais telas. É o que dá para fazer, mas sempre dialogando. Para o retorno à escola, a mesma lógica: explicar, conversar, colocar limites, explicar as regras. Sem punição — explica Carolina.
— O ideal é que as telas não sejam totalmente liberadas nas férias, para que o retorno seja mais fácil. Por isso, falei de aproveitar esse período para fazer outras coisas. E outro detalhe importante: a criança não precisa estar super entretida o tempo inteiro, em atividade intensa. Às vezes, não fazer nada ou fazer algo mais leve, como desenhar ou ler, é muito saudável também. A palavra é equilíbrio, não importa a época do ano — pontua Marta Knijnik Lucion, psiquiatra.
Gabriela e Giovana Maino Tomelin, as irmãs adolescentes, admitem a paixão pelas telas, mas também compreendem a postura dos pais.
— Eu não imagino a minha vida sem celular, mas entendo que eles querem passar mais tempo com a gente — diz Gabriela.
— Se a mãe deixar, eu fico o dia inteiro no computador. Eu acho chato quando ela bloqueia, mas eu também entendo que ela quer o melhor para nós. É uma preocupação dela — reconhece Giovana.