Os smartphones fazem cada vez mais parte da realidade de muitos adultos, que utilizam os aparelhos para trabalhar, estudar, consumir entretenimento e conversar com amigos e familiares. Na vida das crianças, eles também estão presentes. Segundo a pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box - Crianças e smartphones no Brasil, 49% das crianças brasileiras de zero a 12 anos tem um celular próprio. O assunto divide opiniões entre pais e especialistas.
Dados da pesquisa, que em 2021 entrevistou 1,9 mil brasileiros pais de crianças de zero a 12 anos, mostram que os medos mais comuns são de que o smartphone atrapalhe o desenvolvimento, seja prejudicial à saúde ou que a criança seja exposta a conteúdo inapropriado. O chefe do Serviço de Pediatria do Hospital Moinhos de Vento, João Krauzer, afirma que o contato precoce com telas, como a de celulares, pode trazer alguns malefícios à saúde.
— É comum vermos, no consultório, crianças com atrasos na fala e problemas de cognição, já que elas não se relacionam muito fora das telas — relata.
Segundo o especialista, a socialização com outras crianças é importante para desenvolver esses aspectos. Já quanto aos mais velhos, acima dos 10 anos, Krauzer chama atenção para o perigo do isolamento, quando a criança fica mais tempo no telefone do que com os familiares, por exemplo.
Para a psicopedagoga e psicóloga especializada em atendimento infantil Daiane Duarte, isso só irá acontecer caso a criança não se sinta próxima da família. Ela explica que não é incomum que as crianças construam relações mais profundas virtualmente, quando os familiares são muito ocupados ou distantes, e, por isso, acabem passando mais tempo no celular.
— Os seres humanos tendem a buscar pertencimento, acolhimento, compreensão e identificação com o outro. Se a criança não encontra isso em casa porque todo mundo está ocupado com as suas demandas durante a semana e porque no final de semana ninguém tem espaço interno para construir ou consolidar uma relação, ela pode buscar em outro lugar — explica.
Problemas oftalmológicos
Outro aspecto que preocupa pais e especialistas são os problemas oftalmológicos que podem ser desenvolvidos. De acordo com a oftalmologista pediátrica Gabriela Eckert, o contato com as telas pode causar estrabismo e miopia.
— Uma criança que teoricamente não teria miopia ou estrabismo, pode desenvolver essas condições por causa desse esforço para perto. Mas isso não é só das telas, é de qualquer tipo de atividade que force a visão para perto, como ler um livro — expõe. Uma criança que gosta e tem costume de ler bastante, por exemplo, também pode desenvolver miopia por conta do esforço para perto.
Contrato assinado
Thaylor, 10 anos, queria muito um telefone e vinha insistindo com a família. A saída encontrada foi lhe dar o presente tão desejado, mas, por meio de um contrato, estipular regras.
– Ele falava que só ele não tinha um celular na sala dele. Ele se apresentou para uma turma de um projeto uma vez dizendo "Eu sou o Thaylor, o único da minha turma que não tem celular" – conta, dando risada, a irmã mais velha, a farmacêutica Ana Carolina Groehs. Ela, a tia e o pai são responsáveis pela guarda do Thaylor e do irmão, Carlos, de nove anos.
Ana relata que ela e os tutores começaram a pensar na possibilidade de dar um telefone para que o menino pudesse jogar com os colegas, conversar no WhatsApp e assistir vídeos:
— Ficamos na dúvida porque o mais novo não iria ganhar um celular. Conversando com as psicólogas dos dois, resolvemos que se era um presente de aniversário de 10 anos, o outro mano ganharia no ano que vem – conta.
Mas, a psicóloga e os tutores decidiram que Thaylor só ganharia o telefone se assinasse um contrato.
— O contrato foi feito pensando principalmente nas horas em que ele poderia usar o celular. O Google tem uma ferramenta de controle de acesso para crianças, chamada Family Link, que permite que algum membro da família responsável gerencie o uso tanto do celular de forma geral, como dos aplicativos também. E ele bloqueia total quando o limite de tempo é atingido. A não ser que eu autorize o tempo extra, o celular só será desbloqueado no dia seguinte ou na hora que eu botar lá – conta Ana Carolina.
Além do tempo, o ponto principal do contrato é o de não baixar o rendimento na escola e não deixar de fazer tarefas ou temas de casa. Ana conta que ele tem cumprido as cláusulas do contrato e que o desempenho na escola não piorou. Daiane pontua que estabelecer regras e estar aberto ao diálogo, como a família Groehs, é essencial para tornar a experiência do celular próprio mais tranquila e benéfica.
A idade perfeita
Os dados da pesquisa indicam que, em 2021, 33% das crianças participantes compartilhavam o celular com os pais, que emprestavam pontualmente, e 49% delas tinham o próprio smartphone. O número é superior a 2020, quando apenas 44% das crianças nesta faixa etária eram donas de um aparelho. Muitas famílias debatem sobre qual seria a idade correta para dar um celular para a criança. A resposta, segundo os especialistas, pode variar.
Para os médicos João Krauzer e Gabriela Eckert, antes de decidir, é importante pensar no tempo que essa criança ficará em contato com o celular. Segundo eles, o ideal é que antes dos dois anos a criança não tenha nenhum contato com o telefone. Eles indicam que, dos dois aos cinco anos, o contato seja de até uma hora por dia, e dos seis aos 10, de no máximo duas horas.
Mas, segundo o levantamento, até os três anos, a maioria das crianças (32%) passam uma hora com o telefone. Dos quatro aos seis anos, 28% delas ficam uma hora com o aparelho e outros 28% ficam duas horas. Dos sete ao nove, os períodos já sobem para três horas (22%). Já dos 10 aos 12, a pesquisa mostra que a grande maioria das crianças (37%) usam o celular por quatro horas ou mais.
A oftalmologista Gabriela Eckert diz que, de forma ampla, a idade ideal para oferecer o aparelho aos filhos seria a partir dos 12 anos, com uso supervisionado pelos pais.
Já para a psicóloga Daiane Duarte, a resposta é muito mais subjetiva:
— Não tem um número exato. A idade certa é quando a criança tiver recursos internos para lidar com a tecnologia e tudo que ela envolve. Não é no dia depois do aniversário de oito anos que ela vai estar apta para ter esse aparelho, por exemplo. É um trabalho ao longo do tempo, com fatores como conversar com a criança sobre o tempo de uso, ter combinados e uma confiança mútua — explica.
Daiane pontua, porém, que dos zero aos seis anos é a idade de desenvolvimento do cérebro e de vários outros aspectos importantes para a criança, então seria uma idade mais focada para outras brincadeiras e relações.
Na hora certa e com equilíbrio
Para o consultor de T.I. Leandro Antpack, as filhas Isabela e Luísa, de quatro e oito anos, estão na idade de brincar e não têm motivo para ter um celular agora:
— A Luísa já me pediu por um, mas não insistiu. Penso em dar um celular para elas quando forem mais velhas e começarem a sair sozinhas, irem no shopping ou cinema com os colegas, para eu saber onde elas estão — conta. Poder contatar os filhos com mais facilidade foi razão apontada por 54% dos pais na pesquisa para que seus filhos tenham ganho o aparelho.
Uma das preocupações mais frequentes dos pais é que a criança se sinta excluída dos amigos e colegas caso não tenha um celular. Leandro conta que, no condomínio onde moram, a maioria das crianças têm tablets ou celulares e que as filhas comentam sobre isso em casa. Mas, como se divertem com brincadeiras convencionais, acaba não sendo uma questão importante para as meninas.
Daiane Duarte explica que a criança só vai se sentir excluída se essa for a única forma que ela tem de se sentir incluída:
— A criança pode falar para os pais que todos os coleguinhas jogam um jogo juntos e pedir para jogar um pouquinho na hora que os colegas forem jogar. Depois, pode avisar para os colegas que vai ficar só um pouco no jogo porque marcou de fazer algo com os pais. E assim cria-se um equilíbrio.
Produção: Yasmim Girardi