Uma criança calma, que não chorava nem para trocar as fraldas e ficava olhando o ventilador de teto girar. É desta forma que Roberta Vargas, 46 anos, descreve o filho, Theodoro Vargas Conte Freire, quando era bebê. A mãe conta que o menino atingiu todos os marcos de desenvolvimento motor e cognitivo nos primeiros meses de vida. Com um ano e um mês, entretanto, começou a regredir: parou de olhar nos olhos, brincar, falar e identificar as pessoas próximas.
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Mãe de dois filhos que na época já eram adolescentes, Roberta desconfiou que havia algo errado e buscou atendimento com neurologistas. A suspeita de que Theo era autista foi levantada quando ele estava com um ano e nove meses. O laudo, contudo, veio só aos quatro anos - hoje, o menino tem oito.
— Com a suspeita, já colocamos nas terapias, mas aí nós falimos, porque pagar as terapias para autismo é muito caro, dava quase R$ 10 mil por mês. Hoje, o convênio paga, mas antes, não, porque precisa do laudo para poder comprovar. E, aos quatro anos, era nítido que ele era autista, não brincava, não falava. E aí a tua vida vira de ponta-cabeça — conta Roberta, que administra o Grupo TEApoioRS.
A mãe afirma que não chegou a ter o período de luto com o laudo, porque ficou muito tempo em busca do diagnóstico concreto. Então, sentiu um sentimento semelhante ao relatado por Debora: um alívio por ter certeza de qual condição o filho estava enfrentando e poder tratar de forma adequada.
Ela destaca que não se sabia muita coisa sobre o autismo anos atrás e que houve dúvidas ao contar para os familiares sobre a situação. Ela e o marido, Samuel Conte Freire Jr., 46 anos, decidiram falar primeiro apenas para aqueles que também tinham filhos e já notavam que a interação do menino era diferente:
— Quando chegou nos três, quatro anos, concluímos que não falar sobre isso seria como se não aceitássemos quem ele era. Hoje encaramos de forma muito natural o autismo, não romantizamos, mas evitamos aquilo de “por que comigo?”. Estudamos muito, eu fiz alguns cursos de ABA (um tipo de terapia usado no tratamento), minha filha mais velha também começou a estudar ABA e hoje trabalha com isso. Então, a vida vai se reorganizando.
As diferentes fases
Roberta destaca, porém, que o autismo tem muitas fases. Na mais difícil até o momento, que durou dos três anos seis anos, Theo começou a entender que era diferente, que todos falavam e ele não, e ficou muito agressivo. Hoje, o menino ainda não fala, mas a família investiu em dispositivos que ajudam na comunicação, como um tablet com um sistema específico para autistas, onde pode formar pequenas frases que expressam suas vontades, por exemplo. Segundo a mãe, a agressividade foi embora quando o filho aprendeu a se comunicar com os equipamentos.
— Eu brinco que saí do olho do furacão, porque a fase mais difícil já passou. Também tem uma certa pressão para fazer todos os estímulos possíveis até os sete anos e parece que se tu fizeres tudo certinho, vai acontecer um milagre, como se o autismo fosse se curar, e não tem cura. Então, a maturidade traz um pouco disso: ele é assim, nós aceitamos e ele é feliz, que é o que mais interessa. Claro que outras fases difíceis virão, mas tentamos entender que essa é a nossa vida — comenta.
Theo estuda em uma escola regular, com acompanhamento de uma terapeuta, e faz terapia ocupacional, fonoaudióloga, psicomotricista, ABA, fisioterapia e música. Também usa óleo essencial e canabidiol. Roberta afirma que antigamente era muito difícil ir a qualquer lugar com o filho, porque ele travava ou tinha crises, o que fez com que o casal “parasse de viver” por um tempo. Hoje, ele não tem problema para ir a restaurantes, supermercados e farmácias ou para interagir com outras crianças no parquinho, por exemplo, mas costuma buscar pelas mais velhas ou mais novas, evitando aquelas de sua idade.
...a maturidade traz um pouco disso: ele é assim, nós aceitamos e ele é feliz, que é o que mais interessa. Claro que outras fases difíceis virão, mas tentamos entender que essa é a nossa vida
ROBERTA VARGAS
Mãe de Theodoro Vargas Conte Freire
— A grande tendência das famílias é parar de fazer as coisas, porque realmente é muito exaustivo e não adianta forçar. Tem que ir ensinando aos pouquinhos e viramos uma família atípica, diferente das outras. Precisamos prever as coisas, ter rotina, se antecipar, e o Theo é muito rígido, então os horários de comer e dormir são sempre os mesmos. Isso permite que possamos viajar, por exemplo, mas aprendemos isso aos poucos — diz.
Samuel destaca que Theo é, em primeiro lugar, seu filho, e depois uma criança que foi diagnosticada com autismo, ideia que cria uma forma diferente de lidar. Ele afirma que o convívio com o menino é pleno e que eles são bem próximos, assim como seria se ele fosse uma criança típica, mas confessa que ainda lida com as possíveis expectativas, pois sabe que tem coisas que não vão fazer juntos, como ter longos diálogos sobre diferentes aspectos da vida.
— Depois do diagnóstico, passamos muito tempo com falsas esperanças. Não tínhamos tanta informação, e nessa corrida, dos dois aos sete anos do Theo, passaram-se cinco anos, mas envelhecemos 15. Então, combinamos que precisávamos cuidar mais da gente, da nossa saúde, buscar equilíbrio, para que fiquemos bem para ajudar ele — afirma Samuel.
Os filhos mais velhos de Roberta, Eduarda, 26 anos, e Lucas, 22, são a rede de apoio do casal. Ambos são muito carinhosos com Theo. Para ter um tempo com os dois, a mãe estabeleceu 20h como o horário máximo para o caçula dormir e, assim, os adultos conseguem jantar juntos e conversar.