Montado no cavalo Chocolate, Antônio Wiggers Kingeski, 10 anos, sorri, com um brilho intenso no olhar que fixa em um ponto ao longe, uma das características do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Ao observar o menino, é possível sentir a conexão entre ele e o animal. A equoterapia é uma das atividades que faz toda a diferença na rotina e também é uma aliada no desenvolvimento de Antônio, que é uma das crianças atendidas na Associação de Pais e Amigos do Autista (Amafa), em Farroupilha. Não-verbal, o menino é acompanhado de perto pelo fisioterapeuta com formação em equoterapia Vinícius Guilherme da Silva Tormes.
O fisioterapeuta conta que Antônio se acalma com Chocolate, que é conduzido por Abílio França.
— Para a gente trabalhar com autistas têm que trazer eles o mais próximo do nosso mundo. Mas, para isso, primeiro temos que entrar no mundo deles. O Antônio está melhorando o tempo de espera e as habilidades motoras e tudo isso influencia na vida dele. Diferentemente de outro quadro dentro da fisioterapia, no autismo eu sei o que eu quero ganhar com cada um, mas como é esse ganho eu só sei no dia — afirma o fisioterapeuta.
O cavalo também já sabe como responder aos alunos: se o paciente está agitado, ele se comporta de uma maneira. Se está mais tranquilo, também muda o comportamento para auxilar quem monta. Há melhora na interação, no controle muscular e na independência. O resultado é positivo já que, desde 2022, 12 crianças aprenderam a andar sozinhas no cavalo.
Toque, aroma e luzes para acalmar
Ao contrário do que muitos ainda acreditam, o autismo não é uma doença, mas, sim, um transtorno. Estima-se, globalmente, que uma em cada 58 crianças esteja com o TEA — designação que, desde 2013, é usada para abrigar todos os desafios relacionados ao autismo. Para buscar inclusão e compreensão, em 2 de abril é celebrado, desde 2007, o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Em Caxias do Sul e Farroupilha estão programadas atividades para marcar a data (confira abaixo).
A campanha pretende mostrar as características dessa condição especial para que a sociedade entenda, inclua e ajude. Para além da data e do mês, a necessidade de inclusão e da busca por políticas públicas e acessibilidade faz parte da rotina de autistas e de familiares. O autismo é incurável, mesmo se identificado na infância, mas o diagnóstico precoce, prioritariamente antes dos três anos, facilita a aplicação de tratamentos que podem ajudar no desenvolvimento constante. Na sala sensorial da Amafa, por exemplo, Jesus Enrique Kigton Valderrama, 10, e Vinícius Lorenzo de Oliveira Rizzon, aproveitavam para relaxar e interagir.
O espaço tem luzes coloridas, brilhos, aromas, tapetes, sons e brinquedos para incentivar o toque, a interação e também acalmar os pacientes. As pedagogas Franciele Dossa e Bruna Barreto os acompanhavam. Bruna explica que os autistas são mais sensíveis e, por isso, há situações em que agem com mais intensidade:
— A etiqueta da blusa, por exemplo, incomoda a todos. Mas eles, às vezes, sentem de 10 a 20 vezes mais. E isso desorganiza mentalmente. A gente também fica um dia bem e um dia mal, mas eles se desorganizam com mais facilidade. Nestes momentos, eles podem ter crises, ficar mais agressivos, chorar e ter movimentos diferente se estão tristes ou alegres, como o Vinícius — aponta ela, mostrando que o menino agita as mãos quando está feliz.
Do diagnóstico ao tratamento
Pais de Benjamim Zanoni Zanchin, cinco, o educador físico, Luciano Zanchin, 35, e a auxiliar de farmácia, Morgana Zanoni Zanchin, 36, acompanham de perto as conquistas do filho. Ainda na gestação, Morgana perdeu dois filhos. As crianças seriam trigêmeas, mas apenas Benjamin nasceu com vida. Quando ele era pequeno, a família notou os primeiros sinais de autismo:
— Ele gostava de brincar sozinho e tinha atraso na fala. Hoje, ele fala muitas palavras, mas ainda não forma frases. Se ele quer pedir água, só diz água, mas sabe todo o alfabeto e está aprendendo inglês — conta o pai.
Zanchin ressalta que o primeiro desafio foi o diagnóstico e, depois da descoberta do autismo leve, começou a fazer pesquisas e buscar cursos e palestras sobre o assunto para ajudar na evolução do menino. No ano passado, os pais de Benjamim chegaram à Amafa e, hoje, percebem o desenvolvimento a cada dia.
— Ele está interagindo e fazendo atividades que precisa para o dia a dia. O desenvolvimento dele está melhorando muito, tanto a fala como a interação social. O que ele mais gosta é da equoterapia. Ele chega e fala: "cavalo". E no primeiro dia que veio já estava montado no Chocolate. Ver ele feliz é gratificante — emociona-se o pai.
Atenção e acompanhamento à família
Em Farroupilha e Caxias do Sul, profissionais de diversas áreas atuam para auxiliar pacientes e os familiares para que compreendam melhor o TEA. Na Amafa, atualmente, 60 pacientes entre quatro e 59 anos são atendidos. A coordenadora, Aline Daros da Rosa, ressalta, que o tratamento precoce é sempre a alternativa mais desejada. A associação também acompanha os pais com visitas domiciliares para que tenham novas experiências, como passeios e atividades com profissionais da rede e da entidade.
— Quando alguém compreende e acolhe o autista e a família acredito que tenhamos uma comunidade mais justa, igualitária e compreensiva com a causa, diminuindo qualquer tipo de preconceito e discriminação. Se você tem o prazer de ter contato com autista, tenho certeza que cada dia você tem a chance de se tornar uma pessoa melhor — explica Aline, destacando que, quanto mais cedo houver a regulação e a estimulação de aprendizados, mais conquistas são possíveis a curto, médio e longo prazos.
Em Caxias, o Centro de Autismo, atende 80 crianças de um a oito anos duas vezes por semana. Lá, pais e mães também são acolhidos e orientados.
— O nosso serviço é em grupo, temos atendimento também aos pais. O grande objetivo do espaço é melhorar a qualidade de vida das famílias. Trabalhamos com os pais como co-terapeutas, para que a evolução da criança prossiga em casa — destaca a coordenadora do espaço, Denise Igansi.
No Centro, o atendimento é pelo SUS e funciona por meio de convênio com o Centro de Assistência à Saúde do Círculo, que faz a gestão. A porta de entrada é sempre através da unidade básica de saúde (UBS). Há também diversas clínicas particulares especializadas no atendimento aos autistas e aos pais.
Para a terapeuta ocupacional Fernanda da Rosa Elsem, 38, especialista em integração sensorial de Ayres, a participação dos pais nas atividades é fundamental para o progresso dos pacientes:
— A assiduidade e a replicação das orientações e estímulos em casa, fazem com que a efetividade e a evolução seja mais rápida. É uma parceria imprescindível — aponta ela.
Diagnóstico precoce
A fonoaudióloga e especialista em Neurociências aplicada à Linguagem e à Aprendizagem, Franciele Michelon, ressalta que um dos principais sintomas que acende o alerta dos pais é o atraso da fala. Ela ressalta que cada criança tem seu tempo, mas uma criança de dois anos têm que formar frases. Os casos têm aumentado porque os diagnósticos são feitos mais cedo. E as famílias estão mais atentas aos sinais, percebendo traços do espectro nos filhos.
— Muitas vezes, a fonoaudióloga é a porta de entrada que a família precisa para esse diagnóstico. Os pais questionam os pediatras sobre o atraso na fala e nos procuram porque estão angustiados. De certa forma, estávamos fazendo cada vez mais diagnósticos precoces porque os pais procuram especialistas para avaliar a questão da fala.
Eles são avaliados em consultório, com base nos pré-requisitos e análise de comportamento, que podem levar à identificação do TEA. O diagnóstico é clínico, com base no relato da família e do comportamento da criança, visto que não há um exame que comprova o transtorno.
Políticas públicas em Caxias
Caxias do Sul é a segunda cidade do Estado em número de emissões de Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea). Dados da Fundação Rio-Grandense (Faders) de Acessibilidade e Inclusão, órgão que emite a carteirinha, apontam que 588 pessoas têm o documento no município. Em Porto Alegre, que lidera a procura, são 1.846. Para a presidente da Frente Parlamentar de Conscientização e Defesa dos Direitos dos Autistas, vereadora Tatiane Frizzo (PSDB), o número de documentos emitidos em Caxias é reflexo da campanha “TEAbraça”, lançada pela Câmara de Vereadores em 2022. Ela cita ainda a parceria do município para a criação do Centro do Autismo e o projeto CapaciTEA, como conquistas recentes para a comunidade:
— Não sabemos quantos autistas existem em Caxias. E essa falta de dados faz com que não tenhamos um bom direcionamento das políticas públicas. A gente não sabe quem são, quais as faixas etárias mais acometidas, em que região do município vivem. Havia cerca de 70 carteirinha e, hoje, estamos com quase 600. Estamos levando essa campanha para o setor privado, que está aceitando bem.
Há ainda outras propostas, como a aplicação do questionário “M-CHAT”, como instrumento de vigilância e rastreamento precoce do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) nas unidades públicas de saúde. A Frente Parlamentar também promoveu, com a ajuda de profissionais, a capacitação de funcionários da Sorvelândia para aperfeiçoar habilidades para o atendimento de pessoas com TEA e está finalizando, em conjunto com entidades representativas, um projeto de lei (PL) para instituir o programa de capacitação, em âmbito municipal. Conforme a proposta, a empresa que aderir ao programa, além de efetivar e comprovar a capacitação, receberá a certificação “Selo Azul”.
Sinais de Autismo
- Falta de interesse de se comunicar e interagir com os outros.
- Tendência ao isolamento.
- Não têm contato visual, ou têm pouco, mas não sustenta esse olhar.
- Não compartilha momentos, apontando o dedo e mostrando aos pais algo que gosta para ver a reação.
- Raramente se despedem ou mandam beijos.
- São crianças que não brincam de faz de conta.
- Pegam o brinquedo e costumam enfileirar objetos, separar por cores, mas não o utilizam para brincar.
- Não conseguem criar uma brincadeira sozinhas.
- É comum a busca por experiências sensoriais, bater em um objeto, jogar um carrinho por cima da mesa para ouvir o som, passar objetos no rosto, cheirar brinquedos e colocar na boca.
Programação do Abril Azul
Caxias do Sul
- 1ª Caminhada pelo Autismo do Rio Grande do Sul, a partir das 9h30min deste domingo (2), com saída da prefeitura. A promoção é do Instituto UniTEA. A inscrição é gratuita, mas é obrigatória e deve ser feita no Sympla.
- À tarde, a partir das 14h, ocorre a tradicional Tarde Azul, no Parque dos Macaquinhos. A ação é realizada em parceria com a Associação de Pais e Amigos de Autistas de Caxias do Sul (AMA).
- Na segunda-feira (3) será promovida a Celebração do Dia do Autista. O evento é realizado pela Frente Parlamentar da Câmara de Vereadores de Caxias. A ação ocorre na Sorvelândia, no bairro Petrópolis, a partir das 14h.
Farroupilha
- A Tarde Azul ocorre a partir das 14h30min no Parque dos Pinheiros e é organizada pela prefeitura, em parceria com o Movimento Orgulho Autista Brasil e a Pró Saúde.
- A Amafa promove de 3 a 29 de abril diversas atividades em alusão ao Abril Azul. Na segunda-feira (3), ocorre uma roda de conversa, com o tema: "O que o autista sente e como podemos ajudar".