Há oito anos, Marcos Petry passou a compartilhar sua rotina como pessoa com autismo na internet. O Diário de um autista, canal no YouTube, deu a ele visibilidade, que passou a receber convites para falar sobre o assunto em escolas e instituições. Há quatro anos, percorre cidades do país para contar sua experiência e fazer com que as pessoas entendam que não se trata de um problema, mas um "jeito da mente ser".
Nesta terça-feira (7), Marcos estará na Universidade de Caxias do Sul para palestrar em uma atividade promovida pela Área do Conhecimento de Humanidades da UCS e pelo Instituto UNITEA — o evento ocorre no bloco J e os ingressos custam R$ 60. Escritor, músico e youtuber, ele abordará o tema Autismo na visão de autista. Nesta segunda-feira (6), Marcos concedeu entrevista à Gaúcha Serra. Confira:
Como foi para você descobrir o autismo?
Foi muito tranquilo, porque eu tinha os meus pais sempre me dando guarida e depois o meu irmão. Mas era um tempo em que pouco se falava sobre autismo. Eu lembro de somente saber que eu era diferente. Eu vinha de uma lesão cerebral e a gente atribuía as características do espectro autista à lesão cerebral e assim foi por um bom tempo. Aí, nós nos obrigamos a estudar. Era uma cidade do interior, tinha pouco acesso a recursos e a gente foi atrás das informações. Ainda era muito científico e a gente começou a trocar informação e agir naquele ponto, agir em cada dúvida e fazer com que cada dúvida seja sanada da forma que apareceu, e assim a gente ganhou segurança.
Ouça a entrevista:
Como é a sua rotina e quais são as principais dificuldades?
A minha rotina precisa ser bem estruturada e aí está a primeira dificuldade de uma pessoa autista. Qualquer fuga da rotina que não for minimamente prevista gera estresse e desconforto bem grande. Então, por exemplo, para vir aqui (no estúdio da Gaúcha Serra), a gente teve uma uma rotina pré-estabelecida. Minha mãe disse: "ó, nós vamos na Gaúcha conversar, temos uma entrevista". E aí eu comecei a me acalmar e a me preparar. A minha rotina tem que ser bem estruturada senão eu fico perdido. Isso é uma característica que tu vais encontrar em todos os autistas em grau maior ou menor de acordo com o suporte que essa pessoa tem. Por exemplo, eu tenho suporte número um do autismo, ou seja, é um suporte bem leve. Em algumas situações eu posso sair da rotina e sentir estresse ou desconforto. Já os graus dois e três têm mais situações em que eles precisam de mais apoio.
O que provoca maior desconforto em você além dessa questão de desorganização da rotina?
São luzes fortes, são sons muito altos, alguns tipos de som muito agudo. Até isso foi um desafio, porque quando eu estava aprendendo música eu ficava pensando muito se eu ia tocar o violão mais forte ou mais devagar, se eu ia pegar a guitarra e botar num volume mais alto ou não, se eu poderia tocar guitarra na cidade, não só ficar na minha casa tocando. Tudo foi uma construção de formiguinha, porque acostumar com o som, acostumar com luz também é uma dificuldade. Toque, alguns tipos de roupa, de etiqueta. Por exemplo, na parte do corpo, dos ombros para cima eu tenho muita sensibilidade. Então, a pessoa tocou, às vezes eu dou um pulo para cima, mas não se espanto, é só uma resposta. E, com o tempo, eu fui aprendendo a diminuir essa resposta. Com as pernas é o contrário. A pessoa pode apertar a perna que às vezes parece não ter reação. Mas também fui treinando e hoje já é mais tranquilo. Mas assim, não é algo tão natural, eu tenho que pensar bastante, focar, e aí essa questão da sensibilidade é vencida.
Você acha que a sociedade está preparada para lidar com autistas? O que ainda precisa avançar?
A primeira coisa é que precisa mudar o entendimento do autista, porque muitas pessoas chegavam para mim e ainda chegam hoje para mães e pais depois de tanto tempo: "ah, esse problema do autismo do teu filho". Não é um problema. Autismo é um transtorno, que é um jeito da mente ser, então, mudando esse entendimento, a pessoa vai começar a ver a característica do autismo e, outra coisa, as pessoas vão começar a ver o jeito que o autista se comporta como uma porta aberta. Por exemplo, o autista tem focos. Tem autista que só gosta de números, autistas que têm propensão a cantar, tocar instrumentos e as pessoas querem tirar desse foco. Com a mudança de visão, a gente pode pegar esse talento e fazer através dele com que a criança interaja. Foi assim lá em casa. Eu gosto de música, eu falava do Raul Seixas o dia inteiro se me deixassem, mas que no fim ficava chato e a minha mãe dizia: "Marcos, não existe só ele, existe o Roberto Carlos, existe o Caetano Veloso, existe Bee Gees, existem outros artistas nacionais e internacionais". Foi aberto um caminho diferente, um pouquinho a cada dia. É passo de formiguinha. É paciência, paciência e mais paciência.
Como você se descobriu nessas habilidades e nessa profissão que escolheu seguir?
Isso tem a ver com a minha busca de fazer as pessoas entenderem o autismo. Tudo começou no YouTube, lá por 2015, quando comecei a dizer para as pessoas, olha, eu sou diferente, eu consigo me expressar mas de uma maneira diferente, eu tenho sensibilidades à luz, ao som, eu tenho um foco, mas me tire desse foco que eu vou gostar. Eu fui apresentando algumas situações, mas depois as escolas começaram a vir atrás, porque simplesmente pegavam o aluno autista, punham na sala de aula e não sabiam muito tratar com ele. Então, eu fui dar uma mão. Primeiro para falar de bullying, para evitar que essas crianças sofressem agressão, depois fui falar de bullying para pessoa com deficiência em geral. Autismo, desde 2012, é considerada uma deficiência. Até então não era, mas é uma deficiência chamada invisível, porque está no comportamento da pessoa, está no jeito de ser da pessoa. Começaram a me chamar em outras escolas de Santa Catarina e depois do Paraná, aqui do Rio Grande do Sul também. Fui sendo um agente para tentar mudar essas situações de exclusão em oportunidade de incluir o autista. E sou curioso, gosto ler e gosto de pesquisar. Primeiro, eu tinha medo de estar numa faculdade que tinha 40 alunos. Eu pensava '40 pessoas gritando'. Mas depois que eu superei foi a porta de entrada para outros conhecimentos. Através da música eu também entendi que dá pra estar em vários lugares. A gente pode, com o conhecimento, estar onde quiser. Eu estudo línguas porque gosto de viajar. Comecei falando inglês, que aprendi sozinho praticamente, depois alemão, espanhol, italiano, sueco, catalão. Eu só encalhei na língua russa, porque tem caracteres que a gente não usa.
Quem quiser saber mais sobre autismo e conhecer o seu trabalho, quais os seus canais na internet?
No YouTube é que eu produzo mais. Eu estou lá no Diário de um autista. E também no Instagram: @marcospetry. Por lá as pessoas me acham com mais frequência. Eu interligo muito as duas coisas e no Instagram interajo mais com a galera com perguntas e respostas, faço vídeos ao vivo, conto por onde eu estou nesse Brasil, o que estou fazendo, as coisas que eu descubro. A minha passagem pelo RS, vou postar as minhas impressões, o que eu fiz aqui, o que conheci e também a nossa palestra.
O que você mais gostou na Serra?
Caminhos de Pedra (em Bento Gonçalves). Hoje são caminhos de asfalto, né? A modernidade foi chegando, mas ainda assim não perde o charme daquela época. Gostei bastante da Serra em si, da forma de preservar a cultura. Eu falando em italiano, vi que tinha acenos para a Itália e comecei a puxar um italiano daqui e outro ali, e é muito bacana. Eu consegui falar italiano, porque os nossos anfitriões em Caxias falam italiano.