Estamos em todos os lugares e cada vez mais ocupando espaços (me permito usar o verbo na primeira pessoa do plural, afinal, sou mulher). Estar no mercado de trabalho é, entre tantas conquistas, um dos grandes avanços na sociedade. Foi e é possível graças a muitas que nos antecederam e ainda seguem na ativa encorajando e inspirando outras mulheres.
É o caso das quatro empreendedoras que serão homenageadas hoje, às 19h, pela Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Caxias do Sul. Marlene Pessuto Baron, Marilete Deitos Alquati, Lola Salles e Nilva Randon recebem o 19º Mérito Empreendedora por suas trajetórias de sucesso.
São quatro histórias diferentes mas que têm as suas semelhanças: mães, esposas, donas de casa e empreendedoras, cada uma em sua área de atuação e que servem de exemplo para outras mulheres que também buscam a realização em seus negócios.
Marlene será agraciada na categoria Indústria; Marilete, na categoria Comércio; Lola, na categoria Serviços; e Nilva, na categoria Serviço Social.
Neste caderno, que também celebra o Dia Internacional da Mulher, comemorado nesta quarta-feira, dia 8 de março, apresentamos a história de cada uma delas.
"Fui uma mãe empreendedora que deu certo"
Marlene Pessuto Baron sonhava com a maternidade, mas não queria parar de trabalhar tampouco terceirizar a criação dos filhos. Queria acompanhar de perto o crescimento deles. Empreender foi a forma para conciliar as funções. Começou fazendo bonecas de pano e, depois, partiu para a confecção de lingeries. Logo em seguida apostou na fabricação de maiôs e biquínis. Hoje é dona de uma das principais marcas de moda praia de Caxias, a Di Praia.
— Eu queria ser mãe, mas poder ajudar na renda familiar, proporcionar um bom estudo aos filhos. Sempre pensei em poder trabalhar e assisti-los. E eles me acompanharam, sempre estiveram ao meu lado. Fui uma mãe empreendedora que deu certo. Consegui criar e dar estudo — orgulha-se.
Foram muitos desafios até se consolidar no mercado. O negócio começou pequeno, em um quarto de casa com a máquina de costura que ganhou do marido Leonel quando estava grávida de Viviane, a primeira filha, hoje com 34 anos. Depois, o empreendimento foi para o porão de uma residência alugada. De chão batido, foi cavado por ela e pelo esposo para servir de fábrica e loja.
Com as coisas dando certo, conseguiram comprar a casa, que foi demolida em 2005, por sugestão do irmão, para dar espaço a um prédio de três pisos, onde é a sede da empresa.
— Somos anjo de uma asa só, precisamos de ajuda e sempre tive muita ajuda da família — reconhece a empresária que hoje conta com uma equipe de oito pessoas.
— Nunca pensei que a Di Praia pudesse me dar tanto. Consegui educar meus filhos, acompanhá-los. Fora isso, me deu todo o suporte. A gente mora na nossa própria casa. As pessoas que querem começar precisam ter boa vontade. Quando comecei, foi com a vontade, porque financeiro não tinha nada. E tive incentivo do marido. Isso faz toda a diferença — destaca Marlene, mãe também de Henrique, 29, e Pedro, 16.
Muitas mãos ajudaram a realizar o sonho
Natural da localidade de São Caetano, no interior do pequeno município de Vila Flores, Marlene mudou-se para Caxias do Sul ao 15 anos para cursar o antigo Segundo Grau, hoje Ensino Médio, e morar com os irmãos que já residiam na cidade. Segundo ela, a prioridade dos pais era que ela não parasse de estudar. Apaixonada por artesanato, fez também alguns cursos na área.
— Esse dom deve ter nascido comigo. Sempre tive esse gosto pela arte, pelo pano, mas aprender a costurar veio depois, já adulta — recorda Marlene, atualmente com 59 anos de idade.
Para a empreendedora, o prêmio que receberá nesta segunda-feira é o reconhecimento não apenas aos 25 anos de Di Praia e à dedicação de uma vida inteira, mas à família, amigos e funcionários. A distinção é de todos e não apenas dela, afinal, foram muitas mãos que a ajudaram a tornar possível o sonho.
— Tu desenvolve o trabalho da melhor forma, atende aos clientes. Receber esse prêmio é agradecimento. Como valeu a pena — emociona-se.
"Eu não sabia que era tão boa vendedora"
Marilete Deitos Alquati era daquelas professoras que sempre tinha algo para vender: uma semijoia, uma roupa. Foram 10 anos lecionando matemática e oferecendo produtos para amigos e colegas. Quando passou em um concurso da prefeitura de Caxias para fiscal, com carga horária menor, conseguiu mais tempo para se dedicar às vendas. O negócio cresceu e ela abriu a Moda Leti. Seguiu conciliando as duas funções e, há 11 anos, desde que se aposentou, dedica-se somente à loja.
— Eu trabalhei 36 anos como fiscal e concomitantemente tinha a loja. Foi bem trabalhoso porque eu não tinha férias, porque quando tirava férias era para viajar para buscar roupa — conta Marilete.
Mais conhecida como Leti, ela chegou a ter duas unidades, mas durante a pandemia fechou uma delas. A veia empreendedora vem de família, pois tem pai e irmão empresários. Apesar disso, confessa que ficou surpresa com os resultados quando iniciou a sua jornada:
— Eu não sabia que era tão boa vendedora. Uma amiga minha começou me dando umas bijus para vender, consignado, e eme disse: "nossa, como tu vende!". Eu vendia bastante.
— Eu adorava dar aula de matemática, mas sentia que não era suficiente. Eu sempre tive que fazer mais alguma coisa, sabe? — completa.
As duas atividades dividiram espaço com a maternidade também. Mas foi possível porque teve muito apoio da família. Contou com o incentivo do marido Vanderlei e com a ajuda da mãe na criação do filho Roberto. Agora, aos 65 anos, a avó da pequena Cecília, seis anos, poderia pensar em parar de vez — o esposo diz que ela já trabalhou demais —, mas não quer. Tem reduzido o tempo dedicado à loja, mas não tem planos de encerrar.
— Vou deixar acontecer. Eu tenho duas colaboradoras muito boas dentro da loja e isso me dá tranquilidade de viajar, de trabalhar para a Liga — destaca Leti, presidente da Liga Feminina de Combate ao Câncer.
Desafios e perseverança em busca dos sonhos
Com décadas de trabalho, Leti passou por algumas crises. Ela lembra do período em que a inflação mudava todos os dias, nos anos 1980. Mas nada a fez desistir. Para a empreendedora, é preciso batalhar pelos sonhos e ser perseverante. Com cautela, destaca.
— Tem que ter o pé no chão, aprender as coisas com calma. Ninguém pode desistir porque a economia mudou ou por qualquer coisa — aconselha.
Sobre o reconhecimento concedido pela Câmara de Indústria, Comércio e Serviços, ela ainda não acredita.
— Eu sou uma empresária dedicada, sou muito fiel ao meu cliente. Posso perder dinheiro, mas cliente não. Meu trabalho tem sido sério durante todo esses trinta e tantos anos, mas eu não esperava esse convite. É uma emoção muito grande. Cada dia que acordo, acordo chorando, agradecendo a esse convite maravilhoso — diz, emocionada.
"Eu achava que era mágica"
Como era possível pedaços de pano soltos virarem uma peça de roupa? Essa era a grande dúvida que tomava o tempo e os pensamentos da pequena Lola. Enquanto a mãe Angelina trabalhava, ficava tentando entender como ela conseguia transformar e dar vida aos tecidos:
— Eu via a minha mãe costurando, encontrando todos aqueles pedacinhos, costurando e de repente aparecia uma calça pronta. Eu achava que era mágica, achava a coisa mais linda.
Naturalmente, Lola virou costureira. A primeira peça, com supervisão da mãe, foi uma saia e não saiu de primeira. Foram três tentativas até acertar. Não parou mais de costurar, mas como só sabia o básico e queria fazer peças diferentes, que a mãe não sabia ensinar, foi matriculada em um curso no Círculo Operário Caxiense.
— Tu pega um vestido e vai fazer drapeado. Tem que fazer o forro. Quando tu fez o forro, começa a botar o drapeado em cima e é lindo. É lindo de fazer, vai botando, vai formando — explica, fascinada.
O gosto por vestuário mais elaborado acabou tornando a costureira em um dos principais nomes quando se fala em alta costura em Caxias do Sul. Lola Salles virou sinônimo de requinte e bom gosto e criou inúmeros vestidos de noiva (inclusive o seu), de debutantes e de candidatas a rainha e princesas da Festa da Uva.
Um dos momentos mais importantes da sua carreira foi quando recebeu o convite para fazer os trajes das soberanas da edição de 1994.
— Eu fazia muitas coisa mas nunca tinha imaginado que fosse ter a honra de fazer os vestidos das soberanas. Foi uma surpresa muito linda. Meu Deus, como é que eu vou merecer fazer uma coisa dessas? Fiquei muito entusiasmada — relembra Lola, que fez ainda os trajes das rainhas e princesas de outras quatro festas.
Mas a verdade é que todos as peças feitas por Lola são especiais.
— Até quando eu não sabia trabalhar direito, quando fazia para as minhas amigas, para o pessoal de casa, eu achava tão lindo. Eu não sei se eram bem feitos, se eram bonitos mesmo. O primeiro vestido que eu fiz, pendurei no cabide e dizia: "tomara que ela não venha buscar logo porque eu nunca vi uma obra tão linda como esta". Olha bem a ilusão — conta, rindo, Lola que é viúva de Osmar de Salles e mãe de Ana Lúcia, João André, Jorge Luiz e Maria Cristina, a Tini, seu braço direito no Atelier.
Costureira desde a barriga da mãe
A mágica continua acontecendo para Lola Salles que ainda costura e enfia linha na agulha com grande habilidade e visão que, às vezes, até dispensa óculos – o casaco que usará na cerimônia de premiação na CIC estava sendo feito no dia em que recebeu a reportagem.
— Amo as minhas mãos porque elas fazem o que a minha cabeça manda — diz, enquanto beija os "instrumentos" de trabalho.
E completa, ao lembrar que a mãe costurava enquanto estava grávida dela:
— Acho que nasci costureira.
"Meu trabalho é mais de formiguinha"
Viúva de um dos principais empresários de Caxias do Sul, Nilva Randon também empreendeu. Mas no voluntariado. Quando o marido Raul Randon foi convidado a ingressar no Rotary Clube, em 1966, passou a participar de ações sociais na Casa da Amizade, onde permanece até hoje. A Casa atua principalmente na confecção de enxovais para bebês dos hospitais Geral e Pompeia e no auxílio de pessoas carentes.
— Fazemos um trabalho de coração para poder ajudar a nossa comunidade, o nosso próximo — diz.
Desde 1997, dona Nilva é também integrante do Banco da Mulher, que oferece empréstimos a quem quer empreender. Além disso, sempre acompanhou os projetos sociais criados pelo esposo, como o Florescer, que tem a missão de preparar crianças e adolescentes, de seis a 15 anos, em vulnerabilidade social, não apenas para o mercado de trabalho, mas para a vida.
— Raul sempre dizia que tínhamos que pensar em fazer algo para os jovens que seriam os homens do futuro. Ele sempre tinha isso em mente — recorda.
— Dentro do Florescer, estamos levando a sério essa proposta. Tentamos deixá-los preparados para, quando adultos, ter um bom emprego, ter um bom trabalho. Quando a gente descobre que em pouco tempo eles estão progredindo, virando gerentes de loja, isso nos deixa satisfeitos — acrescenta.
Para Nilva, ajudar quem precisa é uma obrigação e todo mundo pode auxiliar de alguma maneira. Arrependimento, segundo ela, pode surgir por deixar de contribuir, não por ajudar. Mas, embora a contribuição aos longos dos anos seja grande, Nilva é humilde. Acredita que tem gente que faz muito mais pela comunidade.
— Tem muitas amigas minhas e muitas senhoras aqui em Caxias que se dedicam de corpo e alma. Eu considero que o meu trabalho é bem menor. Eu diria que o meu trabalho é mais de formiguinha. Tem tantas senhoras que merecem realmente receber esse prêmio que eu vou receber, mas estou muito agradecida, muito honrada — diz, se referindo ao Mérito Empreendedora que receberá da CIC.
Trabalho de casa também valorizado
Além da dedicação ao voluntariado, Nilva, 88, dedicou-se a vida inteira à família, dando um importante suporte ao marido para que ele pudesse conduzir as Empresas Randon.
— O trabalho de casa, ser mãe não é fácil porque não temos uma cartilha para educar os filhos, mas a gente tenta fazer o melhor. E o Raul era uma pessoa que não ficava quieta, às vezes eu tinha que fazer tudo meio correndo, porque se tinha o convite para alguma festa, ele não admitia que eu não acompanhasse. Inclusive, quando ele ia viajar, queria sempre que eu fosse companheira dele — lembra.
Nilva acredita ter feito sua parte como dona de casa, mãe e esposa, além de voluntária de causas sociais. A família, aliás, é a melhor conquista da sua vida.
— A família é o melhor e maior patrimônio da gente. E quando a gente vê que tudo que esperava conseguiu, até mais do que sonhava, só tem a agradecer a Deus — finaliza.