O sonho que Amanda Tomasine persegue aos 25 anos começou a ser sonhado ainda na infância. Ela não sabe dizer quando foi que “virou a chave”, como diz, talvez sem notar o quão literal possa soar a metáfora. A paixão pela velocidade só não é anterior ao amor pela mecânica, que a acompanha desde que é capaz de se lembrar.
Moradora de Caxias, onde trabalha em uma oficina especializada em carros de alta performance, Amanda nasceu e foi criada em Canela, como a única menina entre seis primos homens. Isso pode ajudar a explicar como surgiu o interesse pelo mundo automotivo, ambiente predominantemente masculino.
– Meus primos, em Canela, adoravam fazer trilha de moto, e eu estava sempre junto. Meu pai também tinha uma gaiola de trilha e eu adorava. O que mais me encantava era ver a física da coisa, como se resolviam os problemas mecânicos. Não podia ver alguém com uma chave de roda do meu lado que já queria saber o que ia fazer, como ia fazer e por que. Já naquela época, com a internet discada na casa da minha vó, eu passava o tempo todo pesquisando sobre mecânica e procurando revistas sobre carros – conta a jovem.
Desde que comprou o primeiro carro, aos 19 anos, um Volkswagen Gol que logo modificou para participar de provas de arrancada, a corrida de Amanda atrás do objetivo de competir profissionalmente é acompanhada por quase 110 mil seguidores no Instagram (@amnddat). Na rede social, demonstra diariamente seu conhecimento sobre motores, sobre a transformação de veículos de passeio em máquinas capazes de alcançar velocidades somente permitidas nos autódromos, jamais nas ruas da cidade ou nas trilhas “off-road” da sua infância na Região das Hortênsias.
Dona atualmente de uma BMW 325i, veículo que comprou para poder seguir se desenvolvendo como piloto, Amanda começou a ver o número de seguidores aumentar ainda quando tinha seu primeiro carro, que a acompanhou até o ano passado, quando precisou vendê-lo para poder custear as primeiras adaptações no veículo atual. Também colocou à venda a caminhonete Rural 1986 que é outro carro de estimação dela e dos pais, que ainda moram em Canela.
– Qualquer categoria do automobilismo é cara, e para mim é difícil de bancar sozinha. Para poder montar o carro e deixá-lo em condições de competir, o que ainda não consegui, tive de vender o Gol e colocar a Rural à venda. Mas vejo como investimento, porque é parte da minha evolução. Dou passos de formiguinha, mas uma hora vou alcançar meu objetivo –comenta.
Ao contrário do que se pode imaginar quando se vê os números e o engajamento do seu perfil, contudo, a moradora de Caxias não consegue colher os devidos frutos do seu alcance na rede social. Ela atribui ao fato de ser mulher a dificuldade em conseguir apoio e patrocínio para participar de competições e eventos, e também parcerias para conseguir turbinar seu veículo:
– A gente escuta e lê por aí milhares de discursos de que precisa apoiar a mulher, de que é preciso ter mais mulheres no automobilismo, mas na hora de dar esse apoio, que seja oferecer dois parafusos que eu precise pro meu carro, todo mundo some.
CONTRA A DESCONFIANÇA
Tecnóloga em Design de Interiores, Amanda chegou a cursar Engenharia Civil e Arquitetura, mas largou a faculdade para se dedicar às carreiras de piloto e de mecânica de veículos de competição. Nem a experiência no dia a dia da oficina, contudo, nem mesmo os vídeos que alcançam milhares de visualizações na internet, a livram do preconceito contra as mulheres no meio:
– Mesmo estando com o uniforme da oficina e com toda a equipe da oficina, tem gente que olha estranho, que não deixa mexer no carro, que pede para um mecânico homem confirmar a informação que eu passei. Mas eu prefiro pensar no que eu construo com isso. No fim é só uma perda de tempo da pessoa que tem essa desconfiança, porque o meu conhecimento é o mesmo dos colegas.
Da mesma forma que esbanja conhecimento no dia a dia, também na rede social, entre postagens com legendas bem humoradas (como “Uma menina sem um galão de gasolina é uma menina sem história”) e outras repletas de afeto pelos veículos – especialmente o velho Gol quadrado – Amanda prioriza conteúdos técnicos e didáticos, além de abordar as dificuldades no caminho para se tornar piloto e ter o melhor carro possível:
– A mecânica é a minha paixão e tudo o que eu falo e escrevo é sobre isso. Nunca quis ter um perfil de fotos bonitas, para aparecer. Fico feliz de ver que o que dá engajamento são os posts em que falo da montagem do carro, da rotina na oficina. Mas tenho certeza que se fosse homem já teria patrocinadores. Basta ver no país todo quantas mulheres no automobilismo têm patrocínio de grandes marcas. São pouquíssimas.
DE OLHO EM AGOSTO
Por uma questão cultural do Rio Grande do Sul, a maioria das competições no Estado são na modalidade de arrancada, corrida em trajeto reto. É nessa categoria que Amanda vem treinando e competindo desde que iniciou no automobilismo, embora sua preferência seja pelas provas de circuito, como as corridas.
O grande objetivo da moradora de Caxias para esse ano é a participação no Meet Racing Brazil, evento marcado para ocorrer em agosto, no Autódromo Internacional de Guaporé. É a principal prova da América Latina na categoria Time Attack, na qual os pilotos tentam completar a volta no circuito marcando o menor tempo no cronômetro. A corrida contra o tempo, no entanto, já começou: para poder competir, Amanda precisa fazer as adaptações que irão transformar seu carro num veículo de prova:
– Me inscrever para essa prova foi uma maneira de colocar um prazo para deixar o carro, se não no ponto ideal, pelo menos em condições de participar. Para esse ano, posso dizer que é o principal objetivo. Mas minha meta é estar competindo profissionalmente daqui três ou quatro anos.