Enquanto as medidas de corte de gastos apresentadas pelo governo Lula aguardam acordo para votação em plenário, a Câmara dos Deputados pautou e aprovou na última semana um pacote de mais de 20 projetos relacionados à segurança pública. Entre as iniciativas estão a previsão de castração química em condenados por crimes de pedofilia, a restrição à concessão de liberdade provisória e a flexibilização de regras do estatuto do desarmamento.
A votação dos projetos foi pautada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a pedido de deputados ligados à bancada da segurança. O movimento foi lido por governistas como uma retaliação de Lira ao Planalto com o impasse relacionado às emendas parlamentares, mas o cacique alagoano argumentou que o governo não obteve os votos necessários para pautar as propostas de redução de despesas.
Na prática, o movimento do presidente da Câmara ajudou a fidelizar deputados de direita à candidatura de Hugo Motta para sucessão dele. Motta se reuniu com a chamada "bancada da bala" no fim de novembro e, embora esteja virtualmente eleito, sonha com um amplo apoio que o faça candidato único, a ser escolhido por aclamação.
Diante o aval de Lira, os projetos sobre a segurança não encontraram resistência em plenário. Ciente da força da oposição e da concordância de parte da base aliada com as medidas, o governo não fez grandes esforços para barrar os projetos. Deputados de PT e PSOL tentaram impor alguma resistência pontual, que se mostrou insuficiente.
Ao lado do projeto que estipula a castração química como uma das penas possíveis para casos de pedofilia, a proposta mais polêmica aprovada é a que altera o Estatuto do Desarmamento. A medida permite que pessoas investigadas em inquéritos policiais registrem armas de fogo, exceto em crimes graves, como homicídios, estupros, agressão a mulheres ou outro delito cometido com violência ou grave ameaça.
O texto ainda concede prazo de um ano para que armas sem registro ou com o documento vencido sejam legalizadas. Pela versão original do estatuto, isso deveria ter ocorrido até 2008.
Visões distintas
Entre segunda (9) e quinta-feira (12), 22 projetos foram aprovados pela Câmara, mas todos ainda precisam passar pelo Senado e pela sanção presidencial para se tornarem leis.
Autor de uma das medidas, que tornou obrigatória a instalação de bloqueadores de sinal de celular em presídios, o deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS) garante que a votação não tem ligação com a pressão de Lira sobre o governo e que os deputados ligados à causa haviam acertado há meses com o presidente da Câmara a deflagração da "semana da segurança" em plenário.
— A aprovação desses projetos passa uma mensagem ostensiva de que a Câmara está fazendo seu papel, procurando dar prestígio às forças de segurança, ao Ministério Público e ao Judiciário para que, tendo uma lei moderna, possam entregar uma segurança digna para a população — argumenta Sanderson.
A despeito da ampla adesão à pauta entre os deputados, especialistas apontam que algumas das medidas podem ter efeito contrário ao esperado. Gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz, Nathalie Drumond, aponta que o projeto que altera o Estatuto do Desarmamento enfraquece o controle sobre as armas e contribui para o aumento da violência.
— Considerando o avanço do poder de fogo do crime organizado no Brasil nos últimos anos, a flexibilização das regras para acesso a armas e munições é um grave erro e uma ameaça à segurança pública — aponta Nathalie.
A instituição reivindica a criação de um indicador nacional de elucidação de homicídios, capaz de medir a capacidade de investigação de crimes contra a vida. No entanto, a proposta foi rejeitada neste ano na Comissão de Segurança da Câmara, sem debate de mérito.
O que foi aprovado
Veja abaixo um resumo das principais medidas relacionadas à segurança pública aprovadas pela Câmara na semana passada:
Castração química
Projeto cria cadastro nacional no qual devem ser listados os condenados pelos crimes relacionados a pedofilia. Emenda aprovada estipula aplicação da pena de castração química como punição para esses delitos.
Compra de armas
Libera aquisição de armamento para quem está sob investigação em inquérito policial ou criminal, exceto nos casos de crimes graves, como homicídios, estupros, agressão a mulheres ou outro delito cometido com violência ou grave ameaça. Em outro trecho, abre prazo de um ano para legalização de armas com registro vencido.
Flagrante provado
Cria novo tipo de flagrante, que ocorre quando um suspeito é encontrado até 24 horas depois do fato e é reconhecido por meio de vídeo ou fotografia. Texto exige, entretanto, que outros elementos de prova corroborem a autoria para que o flagrante seja registrado.
Bloqueadores
Obriga a instalação de aparelhos bloqueadores de sinal de celular em presídios de todo o país, estaduais e federais.
Prisão obrigatória
Projeto obriga a decretação de prisão preventiva de quem for detido em flagrante em casos de crime violento praticado com arma de fogo, quando integrar facção ou milícia, se for reincidente ou se já tiver sido preso em flagrante. Atualmente, o juiz pode conceder liberdade provisória ao acusado na audiência de custódia.
Aumento de pena
Projeto dobra pena para crimes, como roubos e furtos, praticados durante casos de calamidade pública ou de emergência social.
Internação
Aumenta para até 20 anos o tempo de internação compulsória de réus considerados inimputáveis. Texto define prazos mínimos por crime — para aqueles com resultado morte, por exemplo, esse prazo é de 15 anos.