Sentado em uma pracinha do Parque da Redenção, em Porto Alegre, Benjamin Saueressig Didonet, quatro anos, pegou a câmera do repórter fotográfico de GZH em mãos. De olhos fixos no equipamento, logo reparou na parte do dispositivo que gira. Seguiu às instruções e conseguiu enxergar pela lente. Por conta própria, colocou a pequena mão em frente a máquina e começou a mexer, observando seus movimentos. Com a ajuda do fotógrafo, clicou no botão e fez algumas imagens.
Confira outras partes da reportagem:
O momento foi celebrado pelos pais Debora Saueressig, 45, e Eliseu Didonet Neto, 39, com direito a beijos e abraços. A ampla interação com a equipe de reportagem durante todo o encontro realizado na última terça-feira (28) também foi motivo de brilho nos olhos e sorrisos largos.
— Tudo isso é muito recente. Nada disso existia. Ele simplesmente não interagia, nem com a terapeuta ocupacional — comenta a jornalista, que também é mãe de Theodoro Saueressig Hackner, 15.
Benjamin foi diagnosticado com transtorno do espectro autista (TEA) quando tinha um ano e 10 meses, após muita persistência de Débora. A jornalista relata que começou a perceber sinais quando o caçula tinha apenas alguns meses de vida, pois ele passou a não alcançar os marcos de desenvolvimento motor - que podem ser acessados nas carteirinhas de vacinação que todos os bebês recebem após o nascimento:
— Com quatro ou cinco meses, ele não sentava, não mexia a cabeça, tinha um olhar mais vago. Eram sinais muito sutis, mas para uma mãe que passava 24 horas por dia com o filho e já tinha tido outro filho com desenvolvimento típico, aquilo gritava, acendia muito a luz vermelha. E na mesma hora eu comecei a falar de forma insistente com o pediatra e, depois, com as profissionais da escola. Mas ninguém acolhia minhas dúvidas, meus questionamentos.
Quando o diagnóstico chegou, no início de 2020, Benjamin já apresentava atrasos significativos: caminhava com uma certa dificuldade, babava muito, não falava nenhuma palavra, não apontava, não brincava e tinha comportamentos disfuncionais, como abrir e fechar portas o tempo todo e empilhar e girar objetos. Na visão da mãe, o laudo não foi uma sentença, mas sim um caminho.
— O meu luto foi anterior ao diagnóstico, quando eu percebia e ninguém me ouvia. Foi por não poder ajudá-lo, porque ninguém me dava crédito. Então, quando eu me vi com o diagnóstico, se abriu um mundo de possibilidades para eu começar a trabalhar com meu filho, para estimulá-lo de forma correta, para eu começar a olhá-lo da forma que ele necessitava — afirma.
Novas rotinas
Mesmo assim, foi um momento muito difícil e de muita dor para a família. De acordo com Debora, planos imediatos, como levá-lo ao estádio e jogar futebol com o pai e o irmão, tiveram de ser congelados. A rotina mudou completamente. Os “momentos de respiro” foram substituídos por idas a terapias, leituras, estudos e buscas por intervenções que pudessem ser feitas em casa, já que, logo depois do diagnóstico, teve início a pandemia de covid-19. As férias também passaram a ser limitadas a uma semana para que Benjamin não fique longe de suas atividades por muito tempo.
— Não paramos de trabalhar, mas organizamos todos os nossos dias desde muito cedo para que ele possa ter intervenções adequadas. A nossa vida gira em torno disso. Não para tentar fazer com que ele se pareça com uma criança típica, mas para que dentro das possibilidades ele possa ter um desenvolvimento pleno — diz a mãe.
Hoje, o menino faz fisioterapia de reabilitação neurofuncional, terapia baseada no método de análise do comportamento aplicada conhecida como ABA, terapia ocupacional e fonoaudióloga - ele só começou a falar mais de uma ou duas palavras com três anos e meio. Também frequenta uma escola regular e já teve muitos avanços, mesmo ainda apresentando algumas dificuldades motoras e para manter brincadeiras, abordar outras crianças e olhar nos olhos.
A intensa rotina de atividades é dividida de forma igualitária entre Debora e Eliseu: o pai leva e busca nas terapias, todas no turno da manhã, de segunda-feira a sábado, e a mãe, na escola, à tarde. Ambos evitam romantizar a situação e falam sobre as dificuldades do dia a dia. Há um ano, a jornalista inclusive passou a compartilhar suas experiências e as evoluções de Benjamin em seu perfil no Instagram, @deborasaueressig. O objetivo, segundo ela, é servir como uma rede de apoio para que outras mães de autistas não passem pela solidão pré-diagnóstico pela qual passou.
Conseguimos comemorar as pequenas conquistas, mudamos nossa forma de enxergar o mundo, refizemos todas as nossas rotas e idealizações para que elas coubessem na nossa vida atual.
DEBORA SAUERESSIG
Jornalista e mão de Benjamin, quatro anos
Os relatos com foco na vida real mostram a forma como Debora lida com a situação. Ela ressalta que acredita no potencial do filho e que trabalha muito por seu desenvolvimento, mas quer que ele esteja funcional, que possa estar em todos os lugares e que sua presença seja normalizada em todos os ambientes:
— Meus relatos são de uma mãe que corre atrás para que o filho esteja no mundo. Não quero esse lugar de Mulher-Maravilha. Eu também canso, fico desanimada, tenho dias mais difíceis, tenho muitos problemas com as escolas, tenho muitas questões com plano de saúde, mas não é uma vida insuportável e impossível. Somos felizes dentro do cenário em que vivemos, adequamos nossa rotina e nossas expectativas, e hoje vivemos bem. Conseguimos comemorar as pequenas conquistas, mudamos nossa forma de enxergar o mundo, refizemos todas as nossas rotas e idealizações para que elas coubessem na nossa vida atual. E é muito bom viver com ele!
— Tem momentos difíceis, não gosto de romantizar. Temos 18 horas semanais de terapias, sabemos que é importante para ele, então nos adequamos a isso. É toda uma vida readequada para dar todo o suporte que ele merece e conforme eu vou me moldando para isso, também vou crescendo. Então, é difícil, mas tem muito de alegria e aprendizado, como qualquer outra família — acrescenta Eliseu.
De acordo com Debora, seu filho mais velho, Theodoro, não teve momentos de rebeldia ou em que se sentiu excluído e deixado de lado em função do diagnóstico. Desde o nascimento de Benjamin, ela busca manter algumas atividades apenas com o primogênito, que sempre quis um irmão. Também garante que a relação dos dois é muito bonita, cheia de afeto e carinho.