Se Roberta já enfrentou dificuldades para encontrar informações sobre TEA há sete anos, Claudia Zirbes, 51, teve o dobro em 2009, quando o caçula Guilherme Zirbes Hoffmeister foi diagnosticado com a condição, que era chamada de transtorno global do desenvolvimento.
Na época, a psicopedagoga tinha o costume de anotar um uma espécie de diário o desenvolvimento do filho - fez o mesmo com as meninas, Isadora e Giovanna, que tinham nove e sete anos. Mas, nesse processo, notou as diferenças: não tinha muitas coisas para anotar sobre Gui, mas já percebia comportamentos diferentes.
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Na consulta pediátrica de rotina, quando o menino tinha um ano e nove meses, Claudia levou uma lista citando essas observações. Segundo a mãe, apesar de ser um bebê feliz, que sorria e olhava para os familiares e tinha atingido os marcos do desenvolvimento motor, Gui colocava qualquer objeto no chão e girava, ficava virando e desvirando as coisas, não brincava funcionalmente os brinquedos e não falava.
— E aí começou a peregrinação, que durou um ano, entre neuropediatras, psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, até ele ter o diagnóstico. Para mim, foi um choque, uma avalanche. Só sabia que ele estava diferente, mas não esperava que alguém fosse falar que poderia ser autismo. Eu queria que não fosse, queria que fosse um sonho. Lembro que eu dormia sempre chorando e que, quando acordava de manhã, a primeira coisa que vinha na minha cabeça era “meu Deus, a minha vida mudou e mudou para sempre" — relata Claudia.
Para iniciar as intervenções o quanto antes, a psicopedagoga precisou partir "do nada", porque não existiam profissionais ou métodos que pudessem ser aplicados no filho aqui no Brasil, afirma. Com a ajuda de uma tia que morava nos Estados Unidos e trabalhava com autismo, começou a estudar e a buscar profissionais interessados no tema.
Para Claudia, todo esse processo foi bastante sofrido e os dois primeiros anos após a suspeita de TEA ser levantada foram os mais difíceis de sua vida. Gui começou a falar com pouco mais de quatro anos, mas os prejuízos em sua linguagem persistem de forma muito evidente até hoje, com 15. A psicopedagoga afirma que não teve dificuldade de aceitação, mas que se sentia muito solitária naquela dor.
Mudanças
Ela garante que as coisas vão se acomodando com o passar do tempo, mas ressalta que são muitas fases e que, o início da vida escolar, por exemplo, é quase um “segundo baque” por perceber que o filho está muito distante do nível dos pares. De acordo com Claudia, Gui nunca teve um boom no desenvolvimento, apesar de ter uma evolução lenta e contínua:
— Eu sei que meu filho é nível dois para três de suporte e ele já tem 15 anos. Ele foi avançando, nunca teve regressão, mas os passos para frente são pequenos. Ele frequentou uma escola regular de Educação Infantil e de Ensino Fundamental. O primeiro ano foi médio, o segundo horroroso, o terceiro bom, o quarto razoável, o quinto dramático, porque o Gui era invisível na sala de aula e queria se fazer visível, então se engajava em comportamentos para chamar a atenção. Foi muito cansativo. E aí no sexto ano, em 2019, eu o tirei da escola.
A decisão, conforme Claudia, foi muito pautada nas expectativas que tinha sobre o papel da escola na vida do filho. Queria que ele se sentisse pertencente, competente e seguro, o que não estava ocorrendo. Na época, Gui já frequentava no contraturno, duas vezes por semana, um grupo de aprendizagem, com crianças de sua faixa etária, que trabalha com uma metodologia específica para autismo e outros transtornos de comunicação. A psicopedagoga aumentou, então, a frequência da atividade, que fez com que o filho desenvolvesse uma série de habilidades.
— Mas notei que ele precisava de uma aprendizagem mais formal também, parecido com o currículo da escola, queria que continuasse seu processo de alfabetização. E aí tive várias auxiliares terapêuticas supervisionadas e até hoje tem uma psicopedagoga que trabalha com ele duas vezes por semana, mas eu também assumi isso de trabalhar atividades de alfabetização com ele e fui aprendendo e valorizando o poder de outros espaços de aprendizagem. Então, vamos muito no Museu da PUCRS, por exemplo, mas não me enxergo como professora dele, sou uma parceira de aprendizagem — diz.
Adolescência
Outra fase difícil foi o início da adolescência, que era muito temida por Claudia. Gui entrou na puberdade em 2021, o que gerou quatro meses muito difíceis, em que estava muito ansioso e impulsivo. Nesse período, começou a tomar canabidiol para regular a ansiedade e contou com a supervisão de uma terapeuta ABA (método de análise do comportamento aplicada) que tinha muita experiência com adolescentes. A mãe comenta que aprendeu estratégias de manejo e que a situação foi ficando cada vez melhor.
...eu também assumi isso de trabalhar atividades de alfabetização com ele e fui aprendendo e valorizando o poder de outros espaços de aprendizagem.
CLAUDIA ZIRBES
Mãe de Guilherme Zirbes Hoffmeister
Atualmente, além de frequentar o grupo e dessas atividades de aprendizagem, Gui faz ABA, fonoaudióloga e psicomotricidade. Precisa de auxílio para tarefas do dia a dia, mas consegue ter autonomia para algumas atividades. Claudia conta que o filho tem muita flexibilidade cognitiva e que é um aventureiro que ama viajar e estar na natureza, nadando e fazendo trilhas. Em outubro do ano passado, para celebrar o aniversário de 15 anos de Gui, ela e o marido, o médico Gustavo Hoffmeister, 51, viajaram com o filho de motor home pela França, sem problemas de comportamento.
— Vejo esta fase de transição como desafiadora para qualquer família. No entanto, no autismo, eventualmente pode ser ainda mais difícil pelas questões hormonais e da sexualidade. Mas o Gui tem claro o que é um comportamento privado e o que é público. E uma coisa muito legal, que ficou nítida na nossa viagem, é que ele passou a curtir coisas que têm mais a ver com o que eu e meu marido curtimos, como sentar e tomar um café, fazer uma pausa. Ele ficou com um comportamento mais de adolescente mesmo e mais companheiro para as coisas de uma vida jovem/adulta. Ele sabe viver, é muito feliz e ama estar no mundo — destaca.
Mesmo assim, há uma grande preocupação com o futuro, já que a inclusão no mercado de trabalho é uma dificuldade. Claudia aponta que, dentro das políticas públicas, houve avanço na inclusão escolar, por exemplo, mas ainda está longe do ideal quando se trata de emprego e moradia. A psicopedagoga comenta que, felizmente, sua configuração familiar conta com duas filhas mais velhas, o que lhe dá um certo conforto, já que eles têm uma relação muito boa.