O ensino da língua brasileira de sinais (Libras) desde cedo gera questionamentos na sociedade quanto ao desenvolvimento da comunicação das crianças. Porém, além da importância do conhecimento para maior inclusão social de pessoas surdas, o aprendizado está propenso a novos estímulos cognitivos no cérebro dos pequenos.
A língua foi reconhecida como meio oficial de comunicação e expressão pela Lei 10.436 de 2002 dos mais de 2,3 milhões de pessoas que possuem algum tipo de deficiência auditiva, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O termo “pessoa surda” é adotado por parte da comunidade por entender que a condição é mais do que uma deficiência, mas uma forma cultural e social de viver. Segundo o Decreto 5.626 de 2005, a expressão é utilizada para aquela pessoa que “por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais”.
Embora as formalidades, esta língua ainda não é disseminada na sociedade em geral, o que impossibilita uma interação mais efetiva dos surdos com os ouvintes no dia a dia. Seja nas escolas ou em casa, o ensino pode começar desde a infância sem prejudicar qualquer aspecto de seu desenvolvimento.
Simone Sudbrack, professora de pediatria da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), explica que uma língua nova também pode beneficiar o desenvolvimento da criança na comunicação, tanto verbal quanto gestual.
— Quanto mais cedo for o contato, maior a chance da criança aprender. A gente sabe que as vias auditiva e visual da criança já estão bem desenvolvidas quando ela nasce e se desenvolvem muito rápido no primeiro ano de vida. Então o contato precoce é ideal — explica a médica.
Ela também ressalta o cuidado para que este ensino ocorra por meio de diversão para os pequenos. Anie Gomes, pesquisadora e docente de Língua Brasileira de Sinais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), otimiza as técnicas de aprendizado da língua em forma de brincadeiras para seus filhos, Mia Gomes Malagodi, de dois anos, e Toni Gomes Malagodi, de seis. Desde o nascimento, as crianças têm contato com Libras, tanto pela mãe, professora da área, quanto pelo pai Toribio Ramos Malagodi, que é surdo.
— A gente não didatiza a língua no sentido de ficar ensinando pontualmente, mas para algumas coisas, quando eles têm interesse. Historinha em Libras, algum material que a gente possa fazer uma brincadeira, por exemplo, a gente faz o sinal vermelho, eles vão correndo tocar na cor vermelha — ressalta Anie.
Mesmo pequenos, os dois entendem que a forma de se comunicar com o pai é por gestos visuais. A mais nova já sabe vários sinais de animais e verbos do cotidiano e, às vezes, se sente mais confortável em falar pelos gestos do que de forma oral. Por isso, muitos questionamentos de preocupação com o desenvolvimento da fala das crianças chegam à família. Como profissional da área de educação, Anie destaca a necessidade de repensar sobre as formas de comunicação.
— Ela tem o conceito que significa comer, signo e significado, quem estuda um pouco sobre linguagem entende muito isso. Ela entende que está com fome, quer comer, então pede comida. A forma como ela pede, se é em português ou em Libras independe — exemplifica.
Anie e Toribio compartilham o aprendizado dos pequenos nas redes sociais, pelo @librastoy
Libras nos currículos
A vontade de ensinar pode estar presente também nas pessoas que não sabem o idioma mas entendem a importância de um maior contato dele na vida dos filhos. Conforme Martins Flores, professor de tradução e interpretação de Libras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), a apresentação dessa forma de comunicação deveria ocorrer pelo ensino básico para que todos os menores já tivessem conhecimento da língua desde cedo. Mas, a base curricular ainda é afetada pelas ações do Congresso de Milão, um evento que ocorreu em 1880 e considerou as línguas gestuais como um retrocesso na evolução da linguagem.
Ainda segundo o pesquisador, devido à decisão, o Brasil não permitiu que a comunidade surda usasse sinais em ambiente escolar. Somente no final da década de 90, as escolas para surdos no Brasil voltaram a usar a Libras. Porém, é notado até hoje que o conhecimento sobre a língua pela sociedade foi prejudicado.
— O ensino da Libras nas escolas hoje seria uma forma de reparação histórica e possibilitaria a inclusão de pessoas surdas em nossa sociedade. A sensação de pertencer a uma nação é muito importante — destacou o professor.
O Projeto de Lei 2.403 de 2022 está em trâmite na Câmara de Deputados e defende a inserção da Língua Brasileira de Sinais nos currículos da educação básica. O PL foi proposto por Carlos Veras, do Partido dos Trabalhadores de Pernambuco e está em trâmite na Câmara dos Deputados.
Produção: Paula Appolinario