O desafio em sala de aula para encontrar soluções para um problema de pesquisa estimulou duas estudantes de Caxias do Sul a irem além. Brenda Rosa Nienov, 15 anos, e Kauane Vitoria Juvenal, 15, conheceram o ambiente do mundo virtual imersivo e compartilhado durante a Festa da Uva 2022. Lá, tiveram acesso a informações sobre o metaverso e as tecnologias que são usadas para as pessoas interagirem e realizar diferentes atividades virtuais.
Com ajuda da orientadora, a professora Carla Eliana Todero Ritter, as adolescentes decidiram aplicar o conceito para estimular a inclusão e interação de estudantes autistas. A ideia vem produzindo efeitos positivos em sala de aula, conforme relatos de educadores. Metaverso é um conceito que mescla realidade aumentada e ambientes virtuais, com tecnologias tridimensionais onde é possível entender, reconstruir mundos e interagir.
Alunas da Escola Municipal de Ensino Fundamental Alberto Pasqualini, no bairro Bela Vista, com o projeto elas conquistaram o 1º lugar na Mostra Cientifica e Tecnológica das Escolas de Ensino Médio da Serra Gaúcha (Mostraseg), em setembro deste ano. As adolescentes garantiram bolsas de estudo no Cetec, a escola de Ensino Médio e Profissionalizante mantida pela Fundação Universidade de Caxias do Sul (Fucs). Também receberam credenciais para participar da Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia (Mostratec), que ocorre de 24 a 28 de outubro, em Novo Hamburgo. Intitulado Metaverso auxiliando na aprendizagem de autistas, o projeto das caxienses tem apresentação agendada para o dia 25, terça-feira.
Incentivo
A professora Carla foi determinante ao incentivar as estudantes. Durante 15 dias, os alunos da turma ficaram imersos para escolher um tema. Carla já trabalhava o metaverso como conteúdo, mas ainda não sabia como Kauane e Brenda poderiam usar a realidade aumentada. A ideia surgiu em uma aula de matemática, do 9º ano, quando Carla escrevia no quadro sobre o mundo virtual e Brenda conversava com a professora sobre o assunto:
— Nós temos dois gêmeos autistas na escola. Naquele momento, os dois estavam no corredor desorganizados. E eu disse: "por que que a gente não encontra no metaverso uma possibilidade de interação, de ajudar essas crianças a aprenderem mais, melhor, de forma mais completa?". E aí surgiu a ideia e as gurias abraçaram e desenvolveram esse projeto _ relembra Carla.
Como metaverso requer ferramentas e aplicativos específicos, as alunas precisaram fazer muitas pesquisas. Até tentaram criar um óculos 3D, mas não encontraram lentes.
— No decorrer da pesquisa foram surgindo as ideias. O óculos não foi a gente que fez. Ele foi emprestado da Smed (Secretaria Municipal da Educação) porque não tínhamos lentes. Testamos alguns aplicativos e chegamos no ideal para incentivar a interação e aplicar a pesquisa — conta Kauane.
Com o aplicativo definido, as adolescentes montaram os óculos em um suporte de papelão, que também envolve um celular. Por meio do aparelho improvisado, os alunos podem ver uma cidade, fábricas e efeitos da poluição do meio ambiente.
— É um tema educativo e muito atual. Ali dentro, eles vão enxergar os diferentes tipos de poluição: a sonora, a visual, dos rios e das queimadas. Além de ser uma coisa divertida, também queríamos trazer um ensinamento. Por isso, não podia ser qualquer jogo — acrescenta Brenda.
Jornalismo de soluções
O jornalismo de soluções, presente nesta reportagem, é uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes com diferentes visões e aprofundamento de temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Interação com alunos autistas
O projeto de pesquisa foi aplicado a alunos autistas de outras escolas porque os estudantes da Alberto Pasqualini, que inspiraram a iniciativa de Brenda e Kauane, ainda estão no 1º ano do Ensino Fundamental. Portanto, não teriam como responder às perguntas.
As professoras de Atendimento Educacional Especializado (AEE) Janete Belladona Ziani e Dilmara Macedo Martins aplicaram as questões e fizeram a abordagem nas escolas municipais Manoel Pereira dos Santos e Marianinha Queiroz.
Janete fez a pesquisa e aplicou o projeto com dois alunos autistas, um de 10 anos e outro de 13 anos.
— Mostrei o aplicativo para eles fazerem a interação e os dois acharam fantástico. É diferente de trabalhar alguma coisa no papel e eles terem essa sensação de estar dento do ambiente. Eles acharam muito interessante e pediram se eu ia levar de novo, se ia continuar porque eles gostaram muito da atividade — ressalta Janete.
Dilmara ressalta que na educação especial se trabalha com ferramentas de realidade aumentada, mas nunca havia sido colocado um projeto semelhante em prática. Ela utilizou o projeto entre alunos do 3º a 6º ano com linguagem verbal limitada.
A educadora ressalta que os estudantes que participaram da pesquisa interagiram espontaneamente, o que não é comum, na maioria dos casos. Um menino que não se comunicava chegou a pedir a professora: "vamos fazer um óculos desse? É de papelão, a gente pode?"
Um dos alunos que não tem o costume de dizer, por exemplo, bom dia, foi o que mais a surpreendeu ao interagir com a ferramenta.
— Eles falavam sobre o que estavam vendo e isso é uma coisa que dentro do autismo não acontece porque eles geralmente não comunicam. Eles não se expressam, a gente precisa sempre questionar muito para eles falarem. Eu acho que é um recurso para buscar essa interação e incentivar a inclusão. Isso de pedir, de querer de novo é um ganho enorme porque é demonstrar os seus desejos, se colocar no mundo e interagir, que é a maior dificuldade para eles — ressalta Dilmara.
Projetos para o futuro
A professora Carla acrescenta que a mesma atividade foi promovida com os alunos do 8º ano, que não são autistas para verificar como eles percebiam os elementos na realidade aumentada.
Quando ele colocou aquele óculos e entrou naquele mundo virtual, ele simplesmente começou a falar. Eu ia questionando e ele ia dizendo que ele estava vendo e o que que tinha de diferente e no final ele chegou a pedir que ele queria aquele óculos mais vezes. Um menino que não se comunicava. Foi uma grata surpresa
DILMARA MACEDO MARTINS
professora
— A gente percebeu, pelas falas, que eles identificavam os mesmos elementos como poluição, pessoas, plantas, fábricas.
Para Dilmara, ficou claro que os autistas têm mais atenção aos detalhes:
— O aplicativo mostra um ambiente com poluição e um sem. Lá pelas tantas, o meu aluno disse assim: "cadê a neve? Eu disse, que neve? Aí ele disse, tem um aviãozinho, cadê o aviãozinho?" Eu nem tinha visto que tinha aviãozinho. O autista parece que foca mais nesse pequenos detalhes.
As professoras avaliam que a premiação é o começo para levar os projetos para fora da escola como forma de evidenciar a busca para interação e demais projetos voltados à educação e à acessibilidade.
— Que surjam mais iniciativas para a área da educação, porque temos um número pequeno de opções. Torcemos para que, diante deste projeto, que sejam ampliadas ações e investimentos para nossos estudantes. A educação vai ganhar muito — aponta Janete.
Se depender das alunas, esse é só o primeiro passo:
— Queremos continuar trabalhando com essas iniciativas e criar outras ferramentas para usar a realidade virtual — ressalta Kauane.
Brenda concorda:
— Ainda nem acredito que nós ganhamos e vamos estar em uma Mostra Internacional. E ainda mostrar essa possibilidade de incentivar cada vez mais a inclusão — comemora ela.