Demora na compra de vacinas e insumos pelo governo federal, aumento no número de brasileiros antivacina, celebração de um único acordo com a AstraZeneca e o atraso de laboratórios em pedir autorização para vender doses no Brasil são alguns dos obstáculos a serem contornados pelo Ministério da Saúde para vacinar em massa os brasileiros contra a covid-19 o quanto antes.
O país, porém, começa o ano atrasado: se o governo quisesse imunizar toda a nação ainda em 2021, seria necessário aplicar 1,1 milhão de doses por dia a partir desta quarta-feira (6). Não há, no entanto, nenhuma dose pronta no país.
Até esta terça-feira (5), mais de 14 milhões de doses foram aplicadas ao redor do mundo, incluindo México, Chile, Costa Rica e Argentina. Na América Latina, o México é o mais adiantado: já vacinou 45 mil pessoas, segundo dados do Our World In Data, projeto de rastreamento da Universidade de Oxford.
Um dos entraves para o início da vacinação no Brasil se encaminha para ser resolvido: a importação de 2 milhões de doses da vacina de Oxford produzidas no Instituto Serum, da Índia, que mantém parceria com o laboratório anglo-sueco AstraZeneca. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que fabricará a vacina de Oxford no Brasil, articula a compra juntamente com o governo federal.
O CEO do Instituto Serum afirmara que o governo indiano havia impedido a exportação da vacina, mas o laboratório voltou atrás e afirmou que a venda para o mercado internacional está garantida.
O Ministério das Relações Exteriores brasileiro assegurou, nesta terça-feira, que as 2 milhões de doses virão ao país, e a expectativa do governo é de aplicar todas em janeiro. Por outro lado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pede mais informações para assegurar que a vacina produzida na Índia é a mesma fabricada no Reino Unido.
Entenda os empecilhos a serem vencidos:
1- Pedido de autorização das farmacêuticas à Anvisa
Qualquer vacina precisa ser aprovada pela Anvisa, que investiga a segurança e a eficácia. Mas, até agora, nenhum laboratório submeteu pedido para uso emergencial (aval temporário para vacinar parcelas da população) ou definitivo (autorização permanente e aberta a todos).
Apesar de o presidente Jair Bolsonaro culpar farmacêuticas por ainda não terem buscado a agência regulatória, cientistas e os próprios laboratórios afirmam que isso não ocorreu porque o governo federal deixou de procurar as farmacêuticas meses atrás, como fizeram as nações que já começaram a vacinação.
A Fiocruz deve fazer o pedido para uso emergencial da vacina de Oxford entre quarta-feira (6) e sexta-feira (8), apurou a colunista Kelly Matos. O imunizante de Oxford é o único com o qual existe um acordo fechado para fornecimento de doses ao governo federal – com as outras farmacêuticas, o Ministério da Saúde ainda está em negociação.
Se tudo correr da melhor forma, o início da entrega ao Ministério da Saúde ocorreria em 8 de fevereiro. A Fiocruz não pode começar a produzir as doses hoje porque depende de a AstraZeneca enviar o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), que é a matéria-prima para fabricar as doses.
A Sinovac, responsável pela CoronaVac em parceria com o Instituto Butantan, precisa divulgar os resultados do estudo em fase 3 e, aí sim, pedir autorização da Anvisa. O governo do Estado de São Paulo promete pedir o registro emergencial e definitivo da CoronaVac na quinta-feira (7). O governo paulista planeja começar a vacinação em 25 de janeiro.
A CoronaVac, em específico, teve a divulgação dos dados adiada duas vezes e sua eficácia é desconhecida. Ao lado da vacina de Oxford, desperta grande expectativa porque também será produzida em solo brasileiro e não exige pirotecnias de armazenamento, o que facilita a logística de distribuição.
A Pfizer não fez o pedido e o CEO da empresa já declarou que a falta de interesse do governo federal em adquirir a vacina colocou o Brasil atrás na lista de nações que receberão o produto. Contudo, a empresa voltou atrás e afirmou que pretende solicitar o uso emergencial, mas afirmou que as exigências específicas da Anvisa estão atrasando o processo.
A Janssen (Johnson & Johnson), mais atrás na corrida, mas também na mira do Ministério da Saúde, precisa avaliar os resultados preliminares do estudo.
2- Aprovação de fato pela Anvisa
Oficialmente, há um prazo máximo de 60 dias para a aprovação ou não de uma vacina após o pedido feito pelas farmacêuticas, mas a própria Anvisa afirma que trabalha com um prazo de até 10 dias para dar resposta a pedido de uso emergencial da Fiocruz para a liberação da vacina de Oxford.
O prazo é menor se as empresas enviarem os dados de forma parcelada, em um processo chamado de “submissão contínua”, o que permite à agência regulatória analisar as pesquisas aos poucos. É o caso de AstraZeneca, Pfizer, Janssen e Sinovac.
Há, também, outro prazo a ser trabalhado, porém, que envolve desgaste institucional: até três dias, se houver aprovação de alguma vacina pelas agências regulatórias de Estados Unidos, Europa, China e Japão. O prazo curto consta na Lei Covid, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no início da pandemia.
3- Compra de insumos
Apesar de ter sido provocado em julho pelo setor de insumos sobre a necessidade de agilizar a compra de seringas e agulhas, o governo federal abriu uma licitação apenas no antepenúltimo dia de 2020.
A expectativa do Ministério da Saúde era de adquirir 331 milhões de seringas e agulhas, mas o preço ofertado, abaixo do valor de mercado, e a demora em organizar o pregão resultou em um fracasso, com a compra de apenas 2,4% do necessário. Para a maioria das vacinas, é preciso tomar duas doses para alcançar a proteção.
Agora, o Ministério da Saúde precisará realizar novo pregão. A expectativa é garantir a entrega de 30 milhões de unidades em janeiro. No entanto, a compra deve sair mais cara do que o esperado e com preço acima do que poderia ter sido pago no meio do ano passado. O mercado, hoje, vive falta de produtos em meio à alta demanda – também alimentada por Estados.
Enquanto não chegam os insumos via licitação, o Ministério da Saúde informou por nota a GZH, nesta terça-feira, que fez a requisição administrativa “na forma de lei” dos estoques excedentes dos fabricantes representados pela Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abimo). “Isso enquanto não se conclui o processo licitatório normal, que será realizado o mais breve possível”, diz a pasta, em nota.
Para sanar a situação, o governo federal também restringiu a exportação dos produtos e deve retirar impostos para a importação. Além disso, pretende aumentar a compra de agulhas e seringas por meio da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) de 40 milhões para 190 milhões de unidades.
A Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (Abimed) informou à colunista Marta Sfredo que as fabricantes não garantem a produção necessária para as seringas destinadas à vacinação. O presidente da entidade, Fernando Silveira Filho, afirmou que não há informações sobre estoques do governo federal e de Estados.
No Rio Grande do Sul, a secretária de Estado da Saúde, Arita Bergmann, afirmou a GZH que o Palácio Piratini possui 4,2 milhões de seringas, o que permitiria vacinar os primeiros grupos prioritários. Na próxima quinta-feira (7), o governo do Estado deverá lançar uma licitação para comprar mais de 10 milhões de unidades – mais de 11,4 milhões de habitantes vivem em território gaúcho.
4- Fechamento da compra de vacinas com mais laboratórios
O governo federal vem sendo criticado por Estados, municípios, médicos e cientistas por ter deixado outras farmacêuticas de lado e apostado todas as fichas na vacina de Oxford.
Esse é o único imunizante com acordo definitivo para, de fato, assegurar vacinas ao governo federal. Mais de 200 milhões de doses devem ser produzidas em 2021 no Rio de Janeiro pela Fiocruz, mas analistas pedem que o Ministério da Saúde feche de vez acordos com mais farmacêuticas, o maior número possível.
O secretário de Saúde do Estado de São Paulo, Jean Gorinchteyn, afirmou na segunda-feira (4) à GloboNews que o governo federal ainda não fechou acordo com o Instituto Butantan para comprar a CoronaVac – o Ministério da Saúde planeja adquirir 40 milhões de doses para o primeiro trimestre.
Com a Pfizer, as negociações estão em andamento (acordo não está fechado) para comprar 70 milhões de doses e, com a Janssen, ainda não há sequer protocolo de intenção de compra.
5- Início de campanhas de mobilização
Uma campanha de vacinação depende da adesão da população para funcionar: vacinas não são remédios e só funcionam se milhões de pessoas forem imunizadas. Caso contrário, o vírus continua a circular.
Entre agosto e dezembro, cresceu de 9% para 22% o número de brasileiros que não pretendem tomar vacina, segundo pesquisas do Instituto Datafolha.
Médicos vêm afirmando que o governo federal deveria já estar sensibilizando os brasileiros sobre a importância de aderir à vacinação contra a covid-19, seja com campanhas, pelas redes sociais ou com declarações dos governantes apontando os benefícios e a segurança da imunização. Ao lado dos antibióticos, vacinas são apontadas como uma das revoluções científicas que aumentaram a expectativa de vida da humanidade.
Na contramão, Bolsonaro critica as imunizações e já afirmou que não tomará a vacina porque se infectou – a afirmação não tem base científica, e o próprio Ministério da Saúde informa que a imunidade natural contra o vírus pode desaparecer depois de três meses.
Em 28 de dezembro, a pasta afirmou a GZH, por nota, que "o lançamento da campanha e início da vacinação contra a covid-19 só será possível após o registro dos imunizantes junto à Anvisa e disponibilização das vacinas pelos laboratórios".