Não é apenas o fornecimento de vacinas que preocupa os brasileiros. Há meses, há preocupação com a quantidade de seringas disponíveis quando, enfim, for dada a largada na aplicação das doses de proteção contra o coronavírus. Essa inquietação aumentou na última semana de 2020, quando a licitação do Ministério da Saúde para a compra de 300 milhões de seringas foi encerrada com menos de 3% de seus objetivos.
Fernando Silveira Filho, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (Abimed), traçou um panorama inquietante à coluna:
– É muito difícil garantir se vai ter seringa e agulha quando chegar a vacina. Esperamos que não falte, mas quanto mais tempo passa, mais confusa fica a situação.
Conforme Silveira Filho, só haveria necessidade de 200 milhões de seringas de uma só vez se toda a população brasileira fosse vacinada imediatamente, o que não vai ocorrer.
– Isso é planejamento puro. Sabendo como vai ser o ritmo de imunização, é possível diluir o abastecimento de seringas, e os fornecedores ficam sabendo que tem de estar estocadas quando a vacinação começar. O normal seria fazer o cálculo de quantas vacinas vai aplicar, e quanto, fazer o pedido e receber. Assim, seria possível desengargalar a distribuição. Nem o setor público teria o ônus de comprar tudo de uma vez, nem as fábricas teriam a pressão de fornecer ou dizer que não tem capacidade para abastecer.
Depois da licitação fracassada, o governo restringiu a exportação de seringas, aumentando a percepção de risco de desabastecimento. Conforme o presidente da Abimed, o diálogo do governo com a indústria começou em julho, mas foram conversas "esporádicas e muito pouco conclusivas". A coluna quis saber os motivos da indefinição e Silveira Filho disse que o retorno era de que o Ministério da Saúde estava "fazendo análises", sem justificativa clara para a falta de conclusão. Foi o setor que, desde meados de outubro, passou a alertar sobre o risco de desabastecimento de seringas:
– Boa parte dessa turbulência é fruto de planejamento tardio. Sem um plano claro, fica crítico para todos. Se pedir muita quantidade de seringa a curto prazo, sabendo que o programa vai se estender por vários meses, cria uma pressão. É preciso ter um entendimento claro de todas as partes, porque os problemas afetam os dois lados.
A coluna quis saber como estão os estoques, tanto do governo quanto da indústria, e Silveira Filho disse que não existem dados públicos sobre as reservas do Ministério da Saúde:
– Não há informações disponíveis nem do governo federal nem dos Estados. Se não há dado público, não há como ter acesso.
Diante do fracasso da licitação e da falta de informação sobre estoques, Estados começaram a se mobilizar e alguns, como São Paulo, garantem já ter as seringas necessárias para aplicar vacina em quase toda a sua população. O executivo relativiza:
– A distribuição vai se dar por meio do governo federal. A licitação da semana passada foi frustrante para todos. Havia expectativa de que ao menos boa parte das compras tivessem sido encaminhadas. Quando os Estados dizem estar bem abastecidos, para a indústria é difícil avaliar o que isso quer dizer, se é adequado ou não. A grande preocupação é que o tempo está passando e não estamos chegando a denominadores comuns muito básicos, como que tipo de vacina vai haver, se os insumos vão estar disponíveis.
Depois da licitação, foram divulgados trechos da troca de informações entre o responsável pela compra e os ofertantes em que fica clara uma grande diferença sobre preço. A coluna perguntou a Silveira Filho se houve tentativa de cobrar valores abusivos. O executivo afirmou que a Abimec não se envolve com temas de mercado, mas admitiu que os fabricantes foram "obrigados" a repassar aumentos nas matérias-primas, especialmente plástico, que dispararam com a alta do dólar em 2020:
– São insumos e matérias-primas que tiveram preços alterados pelo câmbio, e isso foi repassado. O que ficou claro para nós é que houve falha nas bases que o governo pesquisou para definir a meta de preço. A discrepância ocorreu por essa tomada equivocada por parte do governo, que ofereceu preço fora da realidade. Não tenho como precisar a diferença em termos precisos porque nós cuidamos do institucional, e as indústrias, da parte negocial.