Como a grande maioria dos economistas e dos empresários, a coluna tem convicção de que a vacinação é a saída mais rápida, barata e humana para a crise do coronavírus. Por isso, ficou curiosa ao saber que a MedLevensohn, distribuidora de produtos de saúde que foi pioneira em trazer testes rápidos para covid-19 ao Brasil, havia investido R$ 10 milhões para ampliar seu centro de distribuição na cidade capixaba de Serra (ES) e ingressar no mercado de seringas e luvas. Ao conversar com José Marcos Szuster, CEO da empresa, a surpresa aumentou. No dia em que a licitação do Ministério da Saúde para a compra de 300 milhões de seringas conseguiu menos de 3% de seus objetivos, Szuster expressou sua preocupação com o ritmo da imunização no Brasil. Diante das dificuldades da pasta comandada por um general que teve indicação legitimada por uma suposta expertise em logística, será preciso contar com o esforço e o investimento de centenas de empresários como Szuster.
Por que a MedLevensohn decidiu investir em distribuição de luvas e seringas?
Quando começa o desenvolvimento de novas vacinas, nasce um mercado gigantescamente grande de acessórios, tão importante quanto. Gera a necessidade de luvas, seringas, gaze. No ano passado, houve um levantamento de que a disponibilidade global seria de 2,2 bilhões de seringas, luvas e gazes. Para quase 8 bilhões de pessoas no mundo, 5,8 bilhões não teriam acesso ao instrumental. Isso nos fez pensar que haveria falta e, em consequência, demanda por preço. Como seria uma prioridade, precisaria de atenção. Para fazer esse trabalho de negociar entrega e preços com a indústria. Para ficar próximo do mercado, era preciso ter uma estrutura de logística. Por isso, decidimos ampliar, até porque seringas ocupam muito espaço. A área do nosso centro de distribuição tem 8 mil metros quadrados e tínhamos 2,5 mil construídos com pé direito de 10 metros. Acrescentamos mais 2,2 mil metros quadrados com 12 metros de altura. Dividimos o estoque por ruas e temos quatro "andares" para cima.
Como a empresa atua?
Representamos 18 fábricas de forma exclusiva. Quando não tem nome de registro, nacionalizamos com nome MedLevensohn, que leva o sobrenome do meu avô. É uma empresa nacional de quase 20 anos e 350 colaboradores que cobre todo o Brasil. No Rio Grande do Sul, fornecemos fitas de medição de glicose para muitos municípios.
Com seu conhecimento de mercado, será possível obter 300 milhões de seringas no Brasil?
Não acredito que haja recursos da indústria no Brasil para atender a essa demanda. O que pode haver é uma separações em vários lotes, para distribuidoras e fábricas. O governo saiu atrasado nessa compra. Não estou torcendo contra, tomara Deus que esteja errado, mas esse é um sentimento geral. Hoje, o mercado brasileiro não tem 10 milhões de seringas para fornecer, e essa quantidade cai a cada dia. Há muitos municípios comprando seringas para aplicação de vacinas em todo o Brasil. O Estado de São Paulo fez licitação há pouco para 100 milhões de seringas e não teve arrematador. Foi preciso cancelar e dividir em lotes. Não tem essa quantidade. Essa é uma logística que tem de ter. Portugal, por exemplo, já tem vacinas para toda a população, que está sendo chamada para receber por SMS e já está vacinando uma quantidade expressiva. Aqui, o governo não conseguiu nem definir um plano de vacinação.
Qual sua avaliação da gestão da vacina contra a covid-19 no Brasil?
Na verdade, esperava mais das nossas autoridades, por que o Brasil tem o segundo maior número de óbitos no mundo, só atrás dos Estados Unidos, sendo que Rússia e Índia têm população muito maior. Cada morte, cada pessoa que a covid-19 atinge é uma perda. É doença que pode ser considerada uma pandemia social. Estamos com 14 milhões de desempregados, que precisam ser vacinados para voltar ao mercado, para que o empreendedorismo volte e o país se restabeleça. Se não, a cada dia diminuem nossas possibilidades. Vejo isso com lucidez, sem pessimismo nem otimismo. A vacina é a única coisa que vai permitir abrir todos os negócios, diminuir o gasto público, encaminhar as reformas tributária e administrativa. O país é a oitava maravilha do mundo, com um povo alegre, muitas riquezas naturais. Por mais que políticos atrapalhem, o agronegócio cresce. Imagina se houvesse um movimento a favor do empreendedorismo, da energia mais limpa, se abrisse a infraestrutura para a BR do Mar, aumento das ferrovias. Ia ser o paraíso na terra.
É um sonho?
Vejo como uma possibilidade concreta, basta ter senso coletivo. O Brasil não decola porque falta o maior senso de todos, o de coletividade. As pessoas não lutam pelo interesse coletivo, mas por interesse próprio ou de classe. A cada dia fico mais estarrecido com notícias sobre a vacina que não nos deixam muito felizes.
Qual sua expectativa para o início da vacina no Brasil?
Vai acontecer, como se diz na linguagem popular, como um caminhão de melancia, que vai andando e se ajustando. Pude fazer a minha pequena parte, uma ampliação baseada em recursos próprios da empresa, sem me endividar. É uma proposta para a coletividade com solução melhor e por preço justo. Imagino que o início possa ocorrer entre a segunda quinzena de fevereiro e a primeira de março, e vai levar todo o ano de 2021, não sei se termina no próximo ano.
O que falta?
Senso de coletividade. Temos pessoas desassistidas. Se puder, ajude. Foi o que a TV fez com maestria, as empresas se envolveram. Não vejo essa movimentação no âmbito político. Mas não se pode desistir. Acredito muito no Brasil. Temos recursos humanos e materiais, não falta nada. Temos petróleo, minérios, uma terra que produz tudo. Falta construir uma boa infraestrutura, abrir para investidores estrangeiros, botar capital privado. No Brasil, temos essa mentalidade de Estado administrativo que não leva a lugar algum. O Estado administra empresas de forma caótica. É uma batalha que Guedes (Paulo, ministro da Economia) tem enfrentado. É preciso abrir o país para o mundo e deixar o Estado como regulador das atividades básicas essenciais, saúde, segurança e educação. É um presente morar no Brasil, onde não há terrorismo guerra, furação, tsunami. Precisamos fazer pelo país o que o país faz com a gente: pegar o que tem e construir um lugar melhor.