Mais de 10 dias após o início da vacinação contra covid-19 no Rio Grande do Sul, 145.168 pessoas dos grupos prioritários foram imunizadas, segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES) atualizados nesta sexta-feira (29). O total corresponde a 28,3% das doses repassadas pelo Ministério da Saúde e a 50,7% das unidades distribuídas às coordenadorias regionais de saúde, responsáveis por enviá-las aos municípios.
O Estado não distribuiu todas as imunizações recebidas pelo governo federal porque reserva a segunda dose da CoronaVac para os já vacinados com a primeira. No caso da vacina de Oxford, todas as injeções foram repassadas para proteger 116 mil pessoas – a dose de reforço será adiada, seguindo decisão já tomada por outros países.
Após contatar 10 prefeituras, GZH verificou que o número de gaúchos vacinados é, na prática, maior do que as estatísticas consolidadas pelo Estado. Em alguns municípios, a quantidade real de imunizados não foi atualizada no sistema, o que consolida, para a SES, números abaixo da realidade.
Conforme o Piratini, a aplicação das doses fica a cargo dos municípios, que são responsáveis por enviar servidores para realizar as aplicações em asilos e hospitais sem provocar aglomerações e inserir no sistema a quantidade de indivíduos vacinados.
— Tem orientação oficial de que as doses (aplicadas) devem ser comunicadas à instância estadual em no máximo 24 horas. A gente faz um trabalho de modificação de comportamento junto às coordenadoras e vigilâncias dos municípios para que esse registro aconteça o mais fidedignamente possível. Em alguns lugares, registrar no sistema atrasa o processo de vacinação. Fazemos um trabalho educativo, reconhecendo que mudaram prefeitos (nas eleições), então, é um momento de transição no município — diz Cynthia Molina-Bastos, coordenadora do Centro Estadual de Vigilância em Saúde.
De fato, prefeituras justificam que faltam funcionários para dar conta da vacinação, da vigilância de casos e do trabalho de rotina. Apontam, também, a necessária burocracia de exigir carteira de trabalho e outros documentos para evitar fraudes na vacinação, além de um detalhe logístico: lotes de vacinas vêm em 10 doses, o que implica, por vezes, em ter de aguardar que vários servidores estejam reunidos ou abrir um frasco, imunizar um grupo de pessoas e usar a equipe para correr a outro lugar a fim de aplicar as injeções restantes.
Juntos, os cinco maiores municípios gaúchos receberam 120.892 doses de vacinas contra a covid-19, das quais 38,6% foram aplicadas.
Em Pelotas, 6 mil das 10,5 mil doses recebidas pelo Estado foram utilizadas, incluindo quase todos os idosos de asilos, segundo a prefeitura. O número de servidores para aplicar as injeções é um entrave.
— Queremos receber a dose de manhã e de tarde já ter tudo aplicado. Mas não temos dúvida de que estamos trabalhando com agilidade e com todo o cuidado que o momento requer. As estruturas operacionais, não só de Pelotas, mas de vários municípios, estão sobrecarregadas. Fizemos escolhas: sabemos da obrigação de fazer o registro (de imunizados), mas priorizamos usar nossa capacidade para vacinar as pessoas — diz a secretária municipal de Saúde de Pelotas, Roberta Paganini.
Porto Alegre, que administrou 34.220 doses, usou o equivalente a 40,9% dos imunizantes disponíveis, segundo o painel da prefeitura atualizado às 6h45min desta sexta-feira.
A Secretaria Municipal da Saúde informou que possui 17 mil doses da CoronaVac para aplicação, mas que o processo tende a ficar mais lento daqui para frente porque servidores vacinarão pessoas acamadas em casa, em vez de vários indivíduos em um único local, como ocorre em asilos, postos de saúde e hospitais. Já as 32 mil vacinas de Oxford chegaram na quinta (28) aos hospitais. No programa Timeline desta sexta-feira, o prefeito Sebastião Melo classificou o ritmo de vacinação como "acelerado".
— Porto Alegre está fazendo o seu papel, e tomara que os outros municípios também. Estamos fazendo um esforço para dar conta do recado — afirma Melo.
Em coletiva de imprensa na quinta-feira, a secretária de Saúde do Rio Grande do Sul, Arita Bergmann, considerou o ritmo “dentro do esperado” e também citou a limitação de pessoal para acelerar a campanha.
— As vacinas de Oxford foram distribuídas na segunda-feira (25) e as 18 regionais de saúde passaram a fazer a repartição na terça (26) e na quarta (27). Essas 122 mil doses aplicadas são da primeira remessa (de CoronaVac), do dia 18. Não houve tempo hábil, ainda. Vimos os municípios de pequeno porte já conseguirem dar agilidade. Está dentro do esperado. Imagina um município de grande porte, que tem 50 ILPIs (instituições de longa permanência, ou seja, asilos), ele precisa ter uma equipe robusta para fazer aplicação dentro da instituição — argumenta Arita.
Dois especialistas consultados pela reportagem consideram lento o ritmo de vacinação no país e temem que o cenário piore quando chegarem mais doses para vacinar a grande parcela da população que ainda está de fora.
Os ingleses vacinam 1 milhão de pessoas por dia. Nós recebemos 280 mil doses e não aplicamos todas em duas semanas. O ritmo deveria ser mais rápido para profissionais da saúde, considerando que estão nos próprios locais onde ocorrem as vacinações
LUCIANO GOLDANI
Professor de Infectologia na UFRGS
— Os ingleses vacinam 1 milhão de pessoas por dia. Nós recebemos 280 mil doses e não aplicamos todas em duas semanas. O ritmo deveria ser mais rápido para profissionais da saúde, considerando que estão nos próprios locais onde ocorrem as vacinações. Em idosos, a logística é mais complicada, apesar de que o SUS (Sistema Único de Saúde) tem uma capilaridade que poderia dar uma previsão de vacinação mais rápida. Deveria ter sido organizado com mais antecedência. Temos que aprimorar para quando vier um grande número de vacinas — afirma o médico Luciano Goldani, professor de Infectologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A limitação de pessoal poderia ser contornada com a convocação de estudantes de Medicina e Enfermagem para a aplicação voluntária das doses, um conhecimento elementar na graduação, sugere Leonardo Weissmann, médico infectologista no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
— Essa lentidão se deve basicamente a um fator: falta de planejamento. Já era de se esperar que a vacinação iria acontecer, mas muitos locais ficaram aguardando o momento em que a vacinação chegaria para pensar como iriam fazer. A gente sabe que o número de pessoas e de recursos humanos às vezes não é o suficiente, mas isso se repete em todo o país — afirma. — Além disso, falta uma campanha de conscientização. Não vi, até agora, uma propaganda na TV — acrescenta.
Essa lentidão se deve basicamente a um fator: falta de planejamento. Já era de se esperar que a vacinação iria acontecer, mas muitos locais ficaram aguardando o momento em que a vacinação chegaria para pensar como iriam fazer
LEONARDO WEISSMANN
Médico infectologista no Hospital Emílio Ribas e consultor da SBI
Entre os municípios que avançaram bem na campanha está Canoas: das 6,6 mil doses recebidas, mais de 3,8 mil foram administradas, conforme a prefeitura. Dos 4,8 mil servidores públicos da saúde, 3,1 mil foram vacinados e, dos 819 idosos em asilos, 737 receberam doses. O prefeito Jairo Jorge diz que vai fortalecer as equipes para atender o público-alvo de cada etapa no menor prazo possível.
— Vamos reforçar a importância que a vacina tem. Nossa meta é acabar essa fase e começar os idosos. Estou pleiteando a imunização os professores também. Isso é chave para a retomada das aulas — acrescentou Jairo Jorge.
Santa Maria utilizou 6,2 mil das 8,9 mil injeções recebidas, segundo a prefeitura. Em nota, o município diz que “a dispensação de doses de maneira menos ágil não se deve à dificuldade e, sim, à precaução para realizar a dispensação de forma organizada e evitar perdas”. Acrescenta que a vacinação depende de cada hospital, responsável por prestar contas para a prefeitura atualizar as estatísticas estaduais.
Em Caxias do Sul, 6,9 mil das 11,2 mil doses foram aplicadas, de acordo com a prefeitura. A diretora da Vigilância em Saúde de Caxias do Sul, Juliana Argenta Calloni, diz que a vacinação contra o coronavírus é mais demorada porque há grupos prioritários dentro de outros grupos prioritários:
— Primeiro, mapeamos os profissionais de linha de frente, dos hospitais, UTIs e CTIs, de atendimento covid-19, de urgências e emergências, quantos idosos em casas de repouso, e imunizar esse público respeitando os critérios. Contudo, gradativamente, o Ministério da Saúde e o governo do Estado modificaram as recomendações, sendo que no dia 25 o Estado criou uma escala prioritária dentro dos prioritários da área de saúde.
Cidades menores
As cinco cidades menos populosas do Estado trazem exemplos bons e ruins. Menor município do Rio Grande do Sul, Engenho Velho aplicou 46% das 285 doses recebidas. A prefeitura diz que a maioria dos indígenas está fora da cidade.
— Uma previsão certa é difícil colocar. Os indígenas vendem artesanato, então não têm data para voltar. Acredito que até pelo dia 15 de fevereiro estarão todos vacinados — projeta a secretária municipal da Saúde, Maristela Trombetta.
Em Carlos Gomes, todas as 21 doses disponíveis já foram aplicadas e registradas no sistema na quinta-feira, de acordo com a prefeitura. Em André da Rocha, na Serra, que conta com 1.343 habitantes, as 15 doses recebidas entre os dois lotes foram aplicadas em todos os servidores da saúde. Já União da Serra imunizou 67% do público prioritário até o final da manhã desta sexta-feira.
Em Porto Vera Cruz, cinco das 16 doses recebidas haviam sido aplicadas até o início da tarde desta sexta-feira. Outras 10, enviadas na quarta-feira, devem ser usadas. Segundo a secretária municipal da Saúde, Gláucia Carmona, como o frasco da vacina de Oxford contém 10 doses que precisam ser aplicadas depois que o recipiente é aberto, foi preciso combinar um mesmo turno de vacinação com 10 profissionais do posto de saúde.