O dia 31 de dezembro marca o fim do ano e mudanças na forma como os governos combaterão a pandemia a partir de 2021. O decreto de calamidade pública proposto pelo presidente Jair Bolsonaro e aprovado pelo Congresso em março deixa de vigorar, o que na prática irá reduzir o dinheiro disponível para financiar políticas de assistência social a partir de 1º de janeiro.
Enquanto isso, o prefeito eleito Sebastião Melo (MDB) prepara mudanças na lei de Porto Alegre de forma a reduzir as restrições ao comércio e o governo do Estado projeta que não precisará de mais dinheiro para combater a pandemia nos primeiros meses do ano. Entenda como as mudanças nos decretos afetarão a sua vida:
O que são decretos de calamidade pública?
Decretos de calamidade pública são aplicados pelo governo federal, por Estados e prefeituras e permitem que gestores enfrentem um problema específico (enchentes, pandemia, guerras) com medidas extraordinárias, tanto na parte de uso de dinheiro quanto de impor proibições às pessoas.
Por que são importantes?
São leis temporárias que permitem gastar mais do que o previsto para o ano (ou seja, contornar a Lei de Responsabilidade Fiscal), alocar dinheiro de uma área para a saúde, dispensar licitação para comprar medicamentos rapidamente, restringir lotação e horários do comércio e requisitar vagas e medicamentos de hospitais privados para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Veja como fica a situação:
No país
O decreto de calamidade pública do governo federal expira em 31 de dezembro e não será renovado para 2021, embora não haja posicionamento oficial sobre o tema. Na prática, haverá menos dinheiro para políticas públicas.
A medida abrangeu apenas a área fiscal e orçamentária: permitiu que a União gastasse mais do que o estipulado no orçamento (o déficit previsto era de R$ 124 bilhões e, por conta do combate à pandemia, passou para R$ 831 bilhões) e possibilitou o remanejamento de gastos entre ministérios.
Sem a prorrogação, o governo tem de respeitar o que está previsto no orçamento de 2021. Não haverá a possibilidade de destinar recursos extras para qualquer área, incluindo a da saúde, e será exigido respeitar o atingimento dos resultados fiscais.
Com o decreto de calamidade pública, foi possível destinar, até novembro, R$ 369 milhões para ampliar o Bolsa Família, R$ 275 bilhões para o auxílio emergencial, R$ 31 bilhões para o benefício emergencial de manutenção do emprego e renda e R$ 40 bilhões extra-orçamento para o Ministério da Saúde.
Para combater os efeitos causados pela covid-19, o governo gastou R$ 620,5 bilhões – desse total, R$ 588,9 bilhões afetarão o déficit primário neste ano e R$ 31,6 bilhões impactarão as contas públicas em 2021.
Na última coletiva de imprensa do ano, a Secretaria do Tesouro Nacional apontou que “para 2021, observa-se o aumento recente das incertezas em relação aos impactos da segunda onda da pandemia de covid-19. O espaço fiscal que o país dispõe para a implementação de novas medidas de enfrentamento dos impactos econômicos e sociais da pandemia é limitado. Dessa forma, mantém-se a recomendação de que a necessária retomada do processo de consolidação fiscal passa pela garantia de que despesas temporárias não se tornem permanentes e pela discussão sobre o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias”.
Os governadores pressionam o governo federal para prorrogar o decreto de calamidade por meio de medida provisória, já que o Congresso está em recesso. Em reunião com representantes do governo federal nesta terça-feira (29), o governador do Piauí e coordenador da temática de vacina no Fórum Nacional de Governadores, Wellington Dias, pediu para que houvesse extensão do decreto para agilizar a compra e validação de vacinas.
Os ministros Eduardo Pazuello e Paulo Guedes discutiram, em reunião nesta terça, a possibilidade de estender o decreto de calamidade pública apenas para a compra de vacinas, informou a CNN. O ministro da Saúde teria demonstrado preocupação com os impactos do fim do decreto para o governo ter dinheiro para comprar as doses. A auxiliares, Guedes afirma que, apesar da alta dos números, o Brasil não vive uma segunda onda da pandemia, o que impede a prorrogação do estado de calamidade para 2021.
O vice-líder do governo na Câmara, Giovani Cherini, informou a GZH que não está nos planos de Bolsonaro prorrogar a calamidade e que “não há mais dinheiro” para que isso ocorra. No entendimento do governo, há número suficiente de leitos para atender os doentes e que seria necessário apenas fazer a manutenção deles. Sem o decreto, porém, não será possível destinar recursos extras para a saúde em 2021.
Perguntado se o governo tem garantia de que não vai faltar dinheiro para conter a segunda onda do vírus, Cherini esquivou-se:
— Prefiro não sofrer por antecipação.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também avalia que o governo não deve prorrogar o decreto e defende que deve ser feita uma organização do orçamento para o próximo ano para que não falte dinheiro para a saúde. Para 2021, a União terá de cumprir a meta e não ultrapassar o déficit planejado de R$ 247 bilhões.
No Rio Grande do Sul
A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) afirma que o decreto de calamidade pública estadual segue no ano que vem. No Rio Grande do Sul, a lei permite criar o modelo de distanciamento controlado, que fecha comércios e outras atividades conforme o nível da pandemia, suspende férias de profissionais da saúde e prorroga contratos na área.
O único ponto que termina em 31 de dezembro é no aspecto econômico: o que permite contornar a Lei de Responsabilidade Fiscal durante a pandemia – ou seja, gastar mais do que o previsto e deslocar dinheiro de uma área para outra. A medida foi aprovada pela Assembleia Legislativa.
Segundo o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, o Palácio Piratini prevê que, até a chegada da vacina, os gastos do governo no combate à pandemia estarão dentro do planejamento fiscal.
— Hoje, não há essa necessidade de estender porque já fizemos os ajustes necessários para o início do ano que vem. A Secretaria da Fazenda previu que as compras feitas no fim de ano e que a verba no início do ano serão suficientes. Se, em abril, houver necessidade (de gastar mais do que o previsto) porque a pandemia continua, aí mandamos para a Assembleia uma solicitação para excepcionalizar na Lei de Responsabilidade Fiscal a aplicação de recursos financeiros de outras áreas para priorizar na saúde — diz o procurador-geral.
Em Porto Alegre
A Procuradoria-Geral do Município informa que o decreto de calamidade pública assinado pela prefeitura, diferentemente da lei federal, não vence em 31 de dezembro e, portanto, prosseguirá no ano que vem – caberá ao prefeito eleito Sebastião Melo (MDB) criar novos decretos que alterem o que está em vigor.
Hoje, o decreto municipal delimita horários e limites de lotação do comércio e outras atividades, fecha cinemas, exige que indústrias, comércio e escolas façam a medição da temperatura das pessoas na entrada e impede a aglomeração em ambientes ao ar livre, entre outras regras.
Durante a campanha política e após ser eleito, Melo expressou mais de uma vez o entendimento de que não adotará mais restrições às atividades econômicas do que as atuais. GZH apurou que a nova gestão deverá realizar mudanças no decreto nos primeiros dias do ano. Dentre as mudanças já discutidas estão incluir mais setores no comitê de combate à covid-19, como representantes do comércio, e ampliar o funcionamento de bares e restaurantes sob a expectativa de diluir a movimentação da clientela e reduzir aglomerações.
Menores restrições, no entanto, serão adotadas apenas se não entrarem em conflito com as regras determinadas pelo Estado no modelo de distanciamento controlado, que prevê liberdades conforme a bandeira recebida na semana.
Melo quer evitar a todo custo brigas judiciais, como a que ocorreu no fim de semana anterior ao Dia dos Pais. À época, comerciantes ficaram perdidos enquanto a prefeitura permitiu que lojas abrissem e o modelo de distanciamento controlado, não. O caso chegou à Justiça, que entendeu que a regra do Estado prevalece.
A saída vista por Melo é a negociação política. Para isso, o emedebista quer convencer o governador Eduardo Leite de que Porto Alegre merece uma bandeira própria e de que a macrorregião Metropolitana deveria incluir outras cidades, como Canoas.
— Existe a possibilidade de sair um novo decreto, e existe a consciência de que, na jurisprudência, a regra mais restritiva do Estado é a que prevalece, então não faz sentido restringir menos. Para avançar em flexibilização, tem que negociar com governo do Estado, e o governador demonstrou interesse em dialogar — afirmou uma fonte que está no processo de transição do novo governo.