O número recorde de mortes por covid-19 no Rio Grande do Sul nas últimas 24 horas é visto por infectologistas como um sinal grave do avanço da segunda onda do coronavírus no Estado. Conforme o boletim de atualização da Secretaria Estadual da Saúde, foram 144 óbitos registrados nesta terça-feira (29), elevando o total de vítimas para 8.680 desde o início da pandemia, em março. O recorde anterior de registros de falecimentos pela covid-19 em 24 horas havia ocorrido em 22 de dezembro, quando foram registrados 101 óbitos.
Como a SES não detalhou as datas das mortes, ainda é impossível saber se os resultados refletem um eventual represamento de dados em razão do feriado de Natal. É comum que as terças-feiras tragam dados mais expressivos, pois é quando os sistemas da secretaria recebem as informações de final de semana dos hospitais. Quando ocorre um feriado estendido, o número tende a crescer.
A reportagem questionou a SES sobre o impacto de um eventual represamento nas informações sobre mortes desta terça-feira, mas não recebeu resposta. Os dados da pasta mostram, no entanto, que o Estado nunca teve um informe diário nem próximo dos dados atuais.
Dois dias após o feriado de Finados, por exemplo, em 2 de novembro, uma segunda-feira, o Estado registrou 59 mortes. No dia seguinte, foram mais 51. Ou seja, longe dos atuais 144.
A avaliação do médico Ronaldo Hallal, membro do Comitê da Covid-19 da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), é de que outros indicadores relacionados à pandemia levam a crer que a sazonalidade não é um fator determinante neste caso.
— Houve uma explosão de novos casos desde o início de dezembro (o total de infectados no Estado passou de 365 mil para 438 mil) e uma taxa mais elevada de testes PCR positivos, saindo de 15% a 20% para até 40% agora. Ao mesmo tempo, tivemos as primeiras regiões em bandeira preta no Sistema de Distanciamento Controlado. Ou seja, o dado de hoje é mais um que mostra que a pandemia está em plena expansão no Rio Grande do Sul — afirma Hallal.
Infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do RS (UFRGS), Luciano Goldani observa que o recorde ocorre em um período do ano em que se esperava que a epidemia se arrefecesse no Estado: o verão. E quanto a primeira onda do contágio chegou ao ápice em agosto, em pleno inverno, o novo avanço ocorre no período de calor, quando, em tese, esperava-se que o contato entre as pessoas ocorresse mais em locais abertos, menos propícios à infecção.
— O salto das mortes agora é um reflexo do que ocorreu ainda em novembro, durante o período eleitoral, com muitas gente circulando pelas ruas, algumas em processo de campanha. Em janeiro saberemos o preço que cobrarão as festas de final de ano e as aglomerações em espaços públicos — projeta.
Os médicos também analisam que o avanço da doença no Rio Grande do Sul deve levar a um olhar mais crítico às regras do sistema de distanciamento controlado do governo do Estado. Para Goldani, o afrouxamento das regras e a facilidade para retomada de atividades econômicas passou a atrapalhar o combate ao contágio. Já Hallal analisa que a atual metodologia do governo gaúcho se mostra ineficiente:
— Tivemos regiões saindo da bandeira preta para a laranja em duas semanas. Parece haver um processo de normalização da pandemia que não deveria estar ocorrendo, pois ela está em pleno avanço.
No dia 26, o governador Eduardo Leite usou as redes sociais para defender o modelo:
“São indicadores que demonstram redução na velocidade de propagação e contágio, bem como o aumento da capacidade hospitalar. Assim, a região voltou para a bandeira laranja’, escreveu.