Desde julho, a manifestação da comunidade nas reuniões do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA) de Porto Alegre é permitida apenas uma vez por mês. Como antes as intervenções externas eram consentidas no começo de cada sessão semanal, a mudança gerou controvérsia. Especialistas apontam redução da participação popular, enquanto conselheiros argumentam que o regramento serve para organizar debates.
O CMDUA tem papel importante na Capital porque contribui na revisão do Plano Diretor, que começou oficialmente em 2019, e está prevista para terminar em 2023. A contribuição do Conselho no Plano Diretor se dá porque é ali que os assuntos referentes ao tema são debatidos. O CMDUA é composto por 28 integrantes, entre titulares e suplentes, sendo nove representantes de entidades governamentais, nove não governamentais, nove das comunidades e o presidente. E o Plano Diretor possui diversos pontos polêmicos, como permissão para edifícios mais altos no Centro Histórico (definido em uma revisão específica para a região) e em áreas mais próximas do aeroporto Salgado Filho.
A decisão foi anunciada pelo secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, que também preside o CMDUA. A alteração foi determinada por 15 votos favoráveis e 11 contrários. A alegação para a diminuição da participação da comunidade ocorreu depois que dois integrantes do CMDUA demonstraram insatisfação com a utilização do espaço para ponderações feitas por uma delegada da Região de Gestão do Planejamento 8 (Restinga e Extremo Sul), que exigia a realização de reuniões em sua área da cidade.
Os atuais integrantes do CMDUA tomaram posse em 2018 para um mandato de dois anos. Em razão da pandemia de covid-19 e, agora, da proximidade das eleições de outubro, houve duas prorrogações do compromisso. Dessa maneira, eles permanecerão nos cargos até 31 de dezembro deste ano.
Trocas de representantes dos órgãos representativos do governo municipal e das entidades com assento foram registradas neste meio tempo. A Universidade Federal do RS (UFRGS) promoveu a substituição de professores da Faculdade de Arquitetura por outros ligados ao curso de Engenharia. A orientação, que partiu da reitoria, gerou reações e uma nota oficial do Conselho Universitário (Consun) da UFRGS.
A própria UFRGS acabou excluída, em abril, do processo de parceria que tinha com a prefeitura para a revisão do Plano Diretor. Por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a Capital investiu R$ 10,9 milhões nos estudos para a atualização da lei municipal. Por sua vez, a universidade ficou incumbida de executar 30% desses trabalhos, recebendo cerca de R$ 3,2 milhões.
As críticas dos especialistas
O professor de planejamento urbano Eber Pires Marzulo, da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, lamenta a diminuição da participação da comunidade nas sessões.
O que parece é que há claros indicadores de retrocesso da democracia participativa em Porto Alegre
LUCIANO FEDOZZI
Integrante do Observatório das Metrópoles
— O conselho é uma instituição histórica e relevante do funcionamento da administração pública de Porto Alegre. Essa decisão é um desrespeito com a própria história da instituição. O processo foi de diminuição da democracia participativa — contesta.
O professor Luciano Fedozzi, do Departamento de Sociologia da UFRGS e integrante do Observatório das Metrópoles, que é composto por mais de 30 pesquisadores de diferentes áreas, classifica a situação como um "desmanche" na participação da população no processo do Plano Diretor.
— O que parece é que há claros indicadores de retrocesso da democracia participativa em Porto Alegre. Portanto, essa medida, agora adotada pelo Conselho do Plano Diretor, não é uma novidade — reflete.
As decisões chegam prontas e são muito mais apresentadas do que discutidas com a comunidade
IZABELE COLUSSO
Professora da Unisinos
A professora Izabele Colusso, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola Politécnica da Unisinos, tem percepção semelhante sobre a revisão do Plano Diretor.
— As decisões chegam prontas e são muito mais apresentadas do que discutidas com a comunidade. A participação popular não é apenas para criar polêmica. A participação dá visão para as iniciativas e faz também que a população atue junto como fiscal do projeto. Temos visto cada vez menos isso — atesta.
A docente, que participou de um grupo chamado Fórum de Entidades durante a revisão do Plano Diretor de 2010, relata que havia intensa participação dos mais diferentes segmentos.
— A discussão da revisão está perdendo. Estão se diluindo esses processos com uma ideia de que eles percam força — conclui.
Conselheiros discordam que a participação tenha diminuído
O conselheiro Luiz Antônio Gomes, que também é um dos vice-presidentes do conselho, participa da etapa de revisão pela terceira vez. Ele salienta a relevância do CMDUA no processo:
Não há diminuição da participação, mas regramento quanto à participação de todas as regiões. Estava tendo a concentração em um só representante, que trazia temas alheios à questão urbanística, em que claramente não é o fórum adequado
FERNANDO MARTINS PEREIRA DA SILVA
Conselheiro do CMDUA
— Pela primeira vez, o Conselho do Plano Diretor está como protagonista do processo de revisão, com participação em todas as etapas. Apesar da interrupção da revisão por causa da pandemia, já tivemos oficinas, onde se mapearam as regiões com seus problemas identificados e seus potenciais, visando uma compreensão da cidade para futuras propostas para a revisão do plano.
Fernando Martins Pereira da Silva, conselheiro pelo Sindicato dos Engenheiros (Senge/RS), compartilha o que acha da diminuição da participação da comunidade:
— Não há diminuição da participação, mas regramento quanto à participação de todas as regiões. Estava tendo a concentração em um só representante, que trazia temas alheios à questão urbanística, em que claramente não é o fórum adequado. Ficava sem espaço para os demais contribuírem com suas regiões representativas.
Eduardo Citolin, representante do Sindicato das Indústrias da Construção Civil (Sinduscon-RS), avalia a mudança que restringe as manifestações externas para uma vez por mês:
— A regra somente busca evitar abusos, pois há muitas pessoas envolvidas em cada uma das reuniões e uma grande quantidade de processos para serem apreciados. O modelo de participação do CMDUA, a exemplo do que ocorre no Legislativo, é o indireto, isto é, deve ocorrer por meio de representantes eleitos — observa, reforçando que as pessoas também podem apresentar suas contribuições aos conselheiros de sua região ou entidade.
O conselheiro Ricardo Ruschel, da Associação Riograndense dos Escritórios de Arquitetura (Area), discorda que o espaço para manifestações tenha diminuído.
Discordo frontalmente dessa opinião de que se está diminuindo a participação popular da revisão do plano. Muito pelo contrário: estou há 25 anos no mercado e nunca vi uma gestão tão aberta à participação das entidades, regiões de planejamento e da população
RICARDO RUSCHEL
Conselheiro do CMDUA
— Discordo frontalmente dessa opinião de que se está diminuindo a participação popular da revisão do plano. Muito pelo contrário: estou há 25 anos no mercado e nunca vi uma gestão tão aberta à participação das entidades, regiões de planejamento e da população — afirma. — A questão da participação de uma vez por mês das pessoas externas ao conselho não tem nada a ver com a revisão do Plano Diretor. O conselho funciona para avaliar e validar projetos específicos que passam por lá. Eventualmente, questões pontuais da região de planejamento — acrescenta.
Nem todos os conselheiros compartilham da mesma opinião. Cláucia Piccoli Faganello, da Região de Gestão do Planejamento 1 (Centro), expressa seu ponto de vista:
— Quando as reuniões do conselho eram presenciais, havia espaço para um pequeno público. Então, qualquer cidadão podia acompanhar as reuniões ao vivo e se inscrever para se manifestar. As reuniões passaram para a plataforma Zoom. Nesse formato, só tem acesso quem é conselheiro, suplente ou convidado. O restante da população precisa acompanhar as reuniões pelo YouTube, onde o chat fica bloqueado. Além disso, tem outro fator: a questão do acesso à internet e a uma conexão para assistir ao vivo. O que não é uma realidade de um percentual significativo da população.
O que diz a prefeitura
O secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, concedeu entrevista sobre as polêmicas em torno da participação popular nas reuniões do Conselho do Plano Diretor. Confira, abaixo, alguns trechos:
Sobre as manifestações externas serem restritas a apenas uma vez por mês
O que aconteceu especificamente, ali, é que, repetidamente, todas terças-feiras, quando ocorrem as reuniões ordinárias do conselho, sempre tínhamos a inscrição de uma representação de uma pessoa da região 8, que é manifestadamente inconformada com o processo eleitoral daquela região, que elegeu um determinado conselheiro. Dentro do conselho temos 27 representantes, sendo que oito vêm de representações eleitas e um representando o Orçamento Participativo. A região 8 teve uma representação eleita e tem uma pessoa inconformada. Toda terça, ela se inscreve para manifestar discussões da região. No nosso regimento interno, que prevê as manifestações externas, ele indica isso, no artigo 14, que, inclusive, deve ser deliberado pela maioria dos conselheiros.
Se a decisão não deveria passar por uma convocação específica
Foi convocado, discutido e deliberado. Foi feita essa pauta e todos tiveram a oportunidade de falar. Houve diversas falas, algumas favoráveis, outras contrárias, e a maioria decidiu que as manifestações externas deveriam ficar restritas a uma vez por mês por CPF ou CNPJ, por representação. Para garantir que se respeite o processo de escolha de eleição democrática dos demais conselheiros. Porque esses, sim, têm assento permanente e devem falar. Senão, a gente é pautado sempre pelo mesmo assunto, o mesmo tema que já foi respondido.
A maioria decidiu que as manifestações externas deveriam ficar restritas a uma vez por mês por CPF ou CNPJ, por representação. Para garantir que se respeite o processo de escolha de eleição democrática dos demais conselheiros. Porque esses, sim, têm assento permanente e devem falar. Senão, a gente é pautado sempre pelo mesmo assunto, o mesmo tema que já foi respondido
GERMANO BREMM
Secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade
Se não deveriam ocorrer reuniões nas próprias regiões envolvidas no Plano Diretor
As reuniões ordinárias do Conselho do Plano Diretor, para garantir maior transparência, transmitimos ao vivo no canal da Smamus (Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade) do YouTube. E os conselheiros têm a responsabilidade de se organizar para ver como vão trazer a voz de sua comunidade. Alguns possuem metodologia de representação, outros fazem encontros, não existe um regramento. Às vezes, se produz um debate interno de alguns inconformados que perderam a eleição democrática, e querem trazer para outro plenário essa representação do conselho, o que é natural. Não precisamos fazer reuniões ordinárias nas regiões, nunca foi feito antes.
Trabalhos presenciais retomados
O Plano Diretor de Porto Alegre começou nova etapa, na Câmara Municipal, no sábado (6). A exposição Diagnóstico POA 2030, que permanece aberta ao público, representou o recomeço dos trabalhos de forma presencial. O prefeito Sebastião Melo e o secretário Germano Bremm estiveram na abertura.
Os visitantes poderão ver a cidade representada em 40 painéis. A exposição ficará no local até sexta-feira (12), entre 9h e 15h, com a presença de um facilitador da prefeitura. Os painéis mostram mapas da cidade com resultados das oficinas de 2019 (antes da pandemia). O material contém análise por temas de toda a cidade e por região de planejamento, e há espaço para contribuições da população.
Cronograma
Seis atividades estão planejadas para serem realizadas até agosto de 2023, quando o projeto de lei deverá chegar aos vereadores. Confira quais são, conforme informações divulgadas pela prefeitura:
Fase 1 - Diagnóstico POA 2030
Serão realizadas 10 exposições sobre o Plano Diretor, durante agosto e setembro deste ano, com espaços para a população contribuir. A primeira começou no sábado (6), na Câmara Municipal, e as demais serão desenvolvidas em escolas públicas situadas nas nove regiões de gestão do planejamento (RGPs) da cidade.
Objetivos:
- Apresentar os resultados das oficinas de 2019
- Atualizar e complementar as informações das primeiras oficinas com novas contribuições
- Elaborar o diagnóstico da Capital a partir da participação das pessoas
- Engajar o público para se envolver nas próximas fases
Fase 2 - Integração da leitura técnica e comunitária
Seis oficinas temáticas estão previstas para setembro e outubro. O tema engloba os principais pontos relacionados aos princípios e estratégias do Plano Diretor, como estruturação urbana e uso do solo, mobilidade urbana, produção da cidade, qualificação ambiental, promoção econômica e sistema de planejamento.
Objetivos:
- Apresentação de desafios e oportunidades verificadas na análise dos dados técnicos levantados nas oficinas de 2019. E também das informações colhidas nos eventos do Diagnóstico POA 2030
- Coletar impressões das pessoas sobre o que foi apresentado
Fase 3 - Avaliação do Plano Diretor em vigência
A Conferência de Avaliação do Plano Diretor será realizada no final deste ano. Na ocasião, serão exibidos os resultados da avaliação do atual Plano Diretor durante três dias. A ideia é que sejam debatidos os novos rumos do planejamento urbano em profundidade.
Objetivos:
- Avaliar o impacto das normativas urbanísticas em vigência no desenvolvimento urbano. Este ponto está previsto no Plano Diretor vigente
- Selecionar, após os debates, as diretrizes para o embasamento da revisão do Plano Diretor
Fase 4 - Propostas para a revisão do Plano Diretor da Capital
Em março e abril de 2023, mais nove oficinas deverão ocorrer nas RGPs, onde serão apresentadas as propostas iniciais para a revisão do Plano Diretor. Em seguida à apresentação, a sociedade poderá sugerir alterações e acréscimos nas propostas. Também serão desenvolvidas quatro oficinas técnicas para teste de parâmetros e indicadores. Haverá, ainda, em paralelo, consulta pública a ser preenchida nos locais em que ocorrem as atividades e também de forma online.
Objetivos:
- Propostas iniciais serão apresentadas
- Sugestões e observações de cada uma das RGPs serão recolhidas
- Parâmetros e indicadores serão testados junto às entidades técnicas
Fase 5 - POA 2030: Visões do Futuro
A Conferência de Revisão do Plano Diretor está agendada para maio de 2023. As premissas elaboradas pela coordenação técnica sobre a revisão do Plano Diretor serão exibidas durante três dias de encontros.
Objetivos:
- As visões de futuro para a cidade nos próximos 10 anos serão consolidadas em conjunto com a participação da sociedade
Fase 6 - Audiência pública
A audiência pública de revisão do Plano Diretor tem previsão de ocorrer em agosto do próximo ano, antes do encaminhamento do projeto de lei para os vereadores.
Objetivos:
- Apresentar os resultados e o processo de revisão do Plano Diretor, além da minuta que será encaminhada à Câmara Municipal
Como acompanhar os trabalhos?
O site da prefeitura atualiza as notícias sobre o Plano Diretor. Para conferir, basta acessar este link. Além disso, a consulta pública online da revisão do Plano Diretor pode ser acessada neste link. Para participar, também é possível enviar e-mail para planodiretor@portoalegre.rs.gov.br.