A Polícia Federal (PF) indiciou, nesta quinta-feira (21), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 36 pessoas no inquérito que investiga um suposto movimento golpista no país a fim de evitar a posse do presidente eleito em 2022, Luiz Inácio Lula da Silva. Os crimes apontados são abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado e organização criminosa.
Foram indiciados (veja abaixo a lista completa e os motivos de cada indiciamento) um almirante, seis generais, sete coronéis, cinco tenentes-coronéis, um major e um capitão. Entre os generais estão Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro na chapa derrotada na eleição de 2022, e Mario Fernandes, ambos da reserva do Exército.
Preso na terça-feira (19) pela PF, Fernandes é apontado como mentor do plano Punhal Verde Amarelo, que tinha objetivo de matar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro da Suprema Corte, Alexandre de Moraes.
Segundo a PF, as provas foram obtidas por meio de diversas diligências policiais realizadas ao longo de quase dois anos, com base em quebra de sigilos telemático, telefônico, bancário, fiscal, colaboração premiada, buscas e apreensões, entre outras medidas autorizadas pelo Poder Judiciário.
Quem são os 37 indiciados
- Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão reformado do Exército, teria intermediado a inserção ilegal de dados em cartões de vacinação contra a Covid-19 e teria participado de reuniões que discutiam estratégias para evitar a posse do governo eleito
- Alexandre Castilho Bitencourt da Silva, coronel do Exército, é apontado como um dos autores da "Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa e Exército Brasileiro", documento de teor golpista que buscava incitar a alta cúpula militar a intervir no processo democrático
- Alexandre Ramagem, deputado federal, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e delegado da Polícia Federal, é investigado por supostamente ter utilizado sua posição para facilitar ações que visavam desestabilizar o governo eleito, incluindo a disseminação de informações falsas sobre o sistema eleitoral
- Almir Garnier Santos, almirante da reserva e ex-comandante da Marinha, teria colocado tropa à disposição do então presidente para um eventual movimento de ruptura democrática
- Amauri Feres Saad, advogado citado na CPI dos Atos Golpistas como "mentor intelectual" da minuta do golpe encontrada com Anderson Torres
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, suspeito de ter facilitado a ação de vândalos no 8 de Janeiro, quando era secretário de Segurança no Distrito Federal. Também foi na casa dele que foi encontrada a chamada minuta do golpe, que visava invalidar a eleição de Lula
- Anderson Lima de Moura, coronel do Exército, seria um dos autores do documento de teor golpista "Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa e Exército Brasileiro"
- Angelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército que chegou a ocupar cargo de direção no Ministério da Saúde na gestão Eduardo Pazuello. Segundo a PF, atuava na disseminação de fake news
- Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional e general da reserva do Exército, é suspeito de ter participado de reuniões e articulações que visavam questionar a legitimidade das eleições e promover ações contrárias à ordem democrática
- Bernardo Romão Correa Netto, coronel suspeito de integrar núcleo responsável por incitar militares a aderirem a uma estratégia de intervenção militar para impedir a posse de Lula
- Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, engenheiro contratado pelo PL para questionar a integridade das urnas eletrônicas durante as eleições de 2022. É apontado por disseminar informações falsas com o objetivo de desacreditar o sistema eleitoral brasileiro
- Carlos Giovani Delevati Pasini, coronel do Exército suspeito de ter participado da confecção da "Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa e Exército Brasileiro"
- Cleverson Ney Magalhães, coronel da reserva do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres, é suspeito de participar da organização dos atos do 8 de Janeiro
- Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, general da reserva e ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército, é suspeito de participar de reuniões e articulações que tinham como objetivo questionar a legitimidade das eleições e promover ações contrárias à ordem democrática
- Fabrício Moreira de Bastos, coronel do Exército, supostamente envolvido com elaboração de carta de teor golpista
- Filipe Garcia Martins, ex-assessor da Presidência da República, teria participado de reuniões que trataram da elaboração de minutas de golpe e teria papel de disseminar informações falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro
- Fernando Cerimedo, empresário argentino que fez transmissões ao vivo questionando a segurança das urnas eletrônicas durante as eleições de 2022
- Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército e supostamente um dos responsáveis pelo monitoramento clandestino de opositores políticos
- Guilherme Marques de Almeida, tenente-coronel e ex-comandante do 1º Batalhão de Operações Psicológicas em Goiânia que desmaiou quando a PF bateu a sua porta. É suspeito de disseminar fake news sobre as urnas
- Hélio Ferreira Lima, tenente-coronel do Exército identificado em trocas de mensagens com o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, ex-deputado, ex-vereador do Rio de Janeiro e capitão da reserva do Exército, é investigado por suposta participação em articulações que visavam impedir a posse do presidente eleito, incluindo a disseminação de informações falsas sobre o sistema eleitoral e incentivo a movimentos antidemocráticos
- José Eduardo de Oliveira e Silva, padre da diocese de Osasco, teria integrado um grupo responsável pela elaboração de teses para desrespeito ao resultado eleitoral de 2022 e manutenção de Bolsonaro no poder
- Laercio Vergililo, general da reserva, é investigado por envolvimento em articulações que promoviam ações contrárias à ordem democrática. Segundo as investigações, participou de discussões que buscavam apoio das Forças Armadas para uma possível intervenção militar
- Marcelo Bormevet, policial federal suspeito de integrar o esquema de espionagem ilegal conhecido como "Abin paralela", uma estrutura clandestina que teria monitorado opositores políticos
- Marcelo Costa Câmara, coronel da reserva e ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro. As investigações apontam que ele teve papel ativo na disseminação de narrativas golpistas e participou de articulações que visavam reverter o resultado das eleições de 2022
- Mario Fernandes, ex-número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, general da reserva e homem de confiança de Bolsonaro. É suspeito de participar de um grupo que planejou as mortes de Lula, Alckmin e Moraes
- Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, tenente-coronel do Exército (afastado das funções na instituição). Segundo as investigações, trocou mensagens com militares e civis sobre possíveis intervenções militares e colaborou na organização de atos antidemocráticos
- Nilton Diniz Rodrigues, general do Exército suspeito de envolvimento na elaboração de planos que buscavam impedir a posse do presidente eleito
- Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, empresário e neto do ditador do período de regime militar no Brasil João Figueiredo. É investigado por suspeita de financiar ações que desestabilizariam o processo eleitoral. As apurações indicam que ele teve papel importante no suporte logístico e na difusão de narrativas golpistas
- Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa, general da reserva e ex-comandante do Exército. Enviou relatório ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em que levanta suspeitas sobre a lisura das urnas
- Rafael Martins de Oliveira, tenente-coronel e integrante do grupo "kids pretos". Estaria envolvido em plano de assassinato de Lula, Alckmin e Moraes
- Ronald Ferreira de Araújo Junior, tenente-coronel do Exército, teria participado da redação de uma minuta golpista e de articulações antidemocráticas, incluindo o apoio a atos que questionavam a legitimidade do resultado eleitoral
- Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, tenente-coronel que integrava, de acordo com a PF, o "núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral"
- Tércio Arnaud Tomaz, ex-assessor de Bolsonaro e considerado um dos pilares do chamado "gabinete do ódio"
- Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido pelo qual Jair Bolsonaro e Braga Netto disputaram as eleições de 2022. Enviou à Justiça um relatório em que tentou minar a credibilidade das urnas eletrônicas
- Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022, general da reserva do Exército. Teria organizado reuniões em que foi planejado o golpe
- Wladimir Matos Soares, policial federal que atuou na segurança do hotel em que Lula ficou hospedado na transição. Ele teria fornecido informações às quais teve acesso pela função aos autores do plano para matar Lula, Moraes e Alckmin
Como reagiu Bolsonaro
O ex-presidente Jair Bolsonaro se manifestou em entrevista ao Portal Metrópoles e concentrou suas críticas no ministro Alexandre de Moraes, relator do processo no Supremo Tribunal Federal (STF).
"O ministro Alexandre de Moraes conduz todo o inquérito, ajusta depoimentos, prende sem denúncia, faz pesca probatória e tem uma assessoria bastante criativa. Faz tudo o que não diz a lei", criticou Bolsonaro.
"Tem que ver o que tem nesse indiciamento da PF. Vou esperar o advogado. Isso, obviamente, vai para a Procuradoria-Geral da República. É na PGR que começa a luta. Não posso esperar nada de uma equipe que usa a criatividade para me denunciar", finalizou o ex-presidente.
Por que Bolsonaro foi indiciado
O ex-presidente Jair Bolsonaro se tornou alvo central da investigação pelo conjunto das evidências colhidas em dois anos de levantamento de provas pela PF.
Contudo, depoimentos dos ex-comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior, posicionaram Bolsonaro no vórtex da trama que planejava um golpe de Estado, segundo entendimento da própria PF.
O que mais dizem os depoimentos
Considerados centrais na investigação sobre suposta tentativa de golpe os depoimentos do ex-chefe da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, e do ex-comandante do Exército general, Marco Antônio Freire Gomes, à PF narram reuniões em que Bolsonaro teria tentado arregimentar as Forças Armadas em uma tentativa de se manter no poder.
Freire Gomes comandou o Exército em 2022 e foi ouvido na condição de testemunha na investigação do âmbito da Operação Tempus Veritatis. O general prestou depoimento à Polícia Federal em 1º de março, em Brasília.
Na oitiva, Freire Gomes afirmou que se recusou a aderir à trama golpista, gerando irritação entre militares e aliados do ex-presidente. Mensagens interceptadas pela PF mostram que o general Braga Netto teria chamado o colega de "cagão" por resistir às pressões para aderir ao golpismo.
Durante seu depoimento à PF, o ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, revelou que o ex-comandante do Exército, Freire Gomes, comunicou que estaria disposto a prender Jair Bolsonaro se ele tentasse executar um golpe de Estado.
Segundo Baptista Júnior, apenas o chefe da Marinha, Almir Garnier Santos, concordou com as propostas discutidas com Bolsonaro sobre possíveis golpes. O almirante, agora reservista, está entre os indiciados.
O que acontece após os indiciamentos
O indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outras 36 pessoas, confirmado na tarde desta quinta pela Polícia Federal, significa que as autoridades policiais encontraram indícios suficientes de autoria e de materialidade de diferentes crimes.
O andamento da apuração envolve outras etapas que podem levar à condenação ou absolvição dos envolvidos, a acordos ou ao arquivamento do processo. Um dos próximos passos, a partir de agora, é o envio do relatório da PF à Procuradoria-Geral da República (PGR) para análise.
Na etapa atual, o documento elaborado pela PF apresenta os nomes dos possíveis envolvidos, que passam a ser considerados indiciados, e os supostos delitos que teriam cometido.
No caso concreto de Bolsonaro e de seus antigos assessores e apoiadores incluídos na investigação, os crimes atribuídos a eles envolvem a tentativa de golpe de Estado (pena de quatro a 12 anos de prisão), abolição violenta do Estado Democrático de Direito (quatro a oito anos) e organização criminosa (três a oito anos).
O relatório de mais de 800 páginas da PF foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, deve agora enviá-lo à PGR (sede administrativa do Ministério Público Federal). O procedimento ainda envolve apresentação da denúncia, instrução do processo e julgamento, que pode ter como desfecho penas de prisão.
Além deste inquérito, Bolsonaro já foi indiciado neste ano em outras duas investigações da Polícia Federal: o caso de suposta venda irregular das joias sauditas pertencentes ao patrimônio brasileiro e a suspeita de fraude no cartão de vacinas do ex-presidente e pessoas próximas, entre elas o tenente-coronel Mauro Cid e familiares.
A falsificação dos cartões teria ocorrido para que pudessem ingressar nos Estados Unidos, que durante o estado de pandemia exigia a comprovação da imunização.
O que dizem as defesas dos indiciados
Entre os que se manifestaram publicamente até a noite desta quinta-feira, a maior parte diz ainda não ter tido acesso aos detalhes do relatório da PF. Alguns, como os advogados de Braga Netto e do padre José Eduardo de Oliveira e Silva, criticaram a divulgação dos nomes dos investigados à imprensa.