Poucas vezes na história do país tantos servidores das Forças Armadas foram investigados por crimes que atentam contra a pátria. Dos 37 indiciados pela Polícia Federal (PF) por preparar golpe de Estado entre 2022 e 2023, 25 são militares (da ativa ou da reserva). Desses, 24 são oriundos do Exército, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus ex-ministros da Defesa Walter Braga Netto e Paulo César Nogueira de Oliveira. Também é apontado como conspirador antidemocrático o almirante Almir Garnier dos Santos, ex-comandante da Marinha. Eles foram responsabilizados por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
Integrantes das Forças Armadas estão bastante incomodados com essa presença de seus pares entre os indiciados. Acreditam que a imagem dos militares sai bastante arranhada do episódio. Não negam que a maioria da corporação tenha apoiado Jair Bolsonaro enquanto presidente, mas detestam a ideia de serem confundidos com golpistas. Entre o endosso a um candidato e a tentativa de derrubar um governo eleito vai um longo caminho, ao qual a cúpula da caserna não aderiu — tanto que o golpe não se concretizou.
Ressalva feita, é preciso reconhecer que raras vezes no país tantos integrantes das Forças Armadas foram investigados por um mesmo motivo. Um desses casos aconteceu em 1964, quando um golpe derrubou o presidente João Goulart (PTB) e instaurou uma ditadura militar que durou 21 anos. Nesse meio tempo, 6,5 mil militares considerados "subversivos" por terem simpatia pelo presidente deposto ou por exercerem atividades consideradas comunistas foram punidos com expurgos, prisões, tortura ou cassações.
Em 1935 também houve um grande expurgo nas Forças Armadas. Militares comandados pelo capitão gaúcho Luís Carlos Prestes, comunista, se revoltaram em diversos quarteis do Nordeste e Sudeste. A rebelião foi sufocada e o governo de Getúlio Vargas montou um Tribunal de Segurança Nacional, destinado a julgar os implicados na revolta. Foram sentenciadas à prisão ou expurgo 1.420 pessoas, em sua maioria, militares.
Em tempos de paz, essa onda de indiciamentos por tentativa de golpe de Estado deflagrada nesta quinta-feira (21) pela PF é provavelmente a maior. E com um grande diferencial: o calibre dos indiciados. Dos atuais, seis são generais e um, almirante. Algo não visto nos outros episódios históricos.
Quem são os 37 indiciados
Ailton Gonçalves Moraes Barros
Já foi preso pela Polícia Federal sob suspeita de intermediar a inserção ilegal de dados no cartão de vacinação de Bolsonaro. Também foi investigado por suposto acordo com o tráfico e expulso do Exército após punições disciplinares. Ex-major da força, virou advogado. Concorreu a deputado estadual no Rio de Janeiro pelo PL em 2022, mas não se elegeu.
Alexandre Castilho Bitencourt da Silva
Liderou o 6º Batalhão de Polícia do Exército até fevereiro de 2022. Teria sido um dos redatores da Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”. O objetivo do documento seria pressionar o comando da força a aderir a um golpe de Estado.
Alexandre Rodrigues Ramagem
Delegado da Polícia Federal. Foi diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo Bolsonaro. É próximo da família do ex-presidente e se filiou ao PL. Em 2022, foi eleito pela sigla deputado federal no Rio de Janeiro. Na eleição de 2024, concorreu, com o apoio de Bolsonaro, à prefeitura do Rio, mas foi derrotado no primeiro turno.
Almir Garnier Santos
Almirante de esquadra, comandou a Marinha em parte do governo Bolsonaro, entre abril de 2021 e dezembro de 2022. Segundo a delação de Mauro Cid, seria simpático a um golpe de Estado e “sua tropa estaria pronta para aderir a um chamamento do então presidente.”
Em 5 de janeiro de 2023, Garnier quebrou o protocolo e não foi à posse do seu sucessor na Marinha, indicado por Lula. Garnier também foi assessor especial militar de quatro ministros da Defesa do governo Dilma Rousseff.
Amauri Feres Saad
Advogado que seria coautor da minuta golpista apresentada após as eleições de 2022 ao então presidente Bolsonaro. Saad foi implicado como suposto mentor da minuta pela CPMI do 8 de janeiro.
Anderson Gustavo Torres
Delegado da Polícia Federal. Foi ministro da Justiça e Segurança Pública no governo Bolsonaro, entre março de 2021 e dezembro de 2022. No início de 2023, se tornou secretário da Segurança do Distrito Federal. Em 8 de janeiro daquele ano, nos primeiros dias do seu novo cargo, estava em viagem de férias para os Estados Unidos. É suspeito de ter facilitado a ação de manifestantes golpistas que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Foi preso por cerca de quatro meses. Em buscas na residência de Torres, foi encontrado o documento que ficou conhecido como “minuta do golpe”, que seria utilizado para determinar a realização de novas eleições no país e prender o ministro Alexandre de Moraes (STF). As medidas eram ilegais e representariam, na prática, um golpe de Estado para evitar a posse ou remover Lula do poder.
Anderson Lima de Moura
Coronel do Exército, foi indiciado por assinar carta junto com outros 37 militares. O documento foi considerado um apelo ao golpe de Estado por parte de Jair Bolsonaro.
Ângelo Martins Denicoli
Major do Exército, pertencia ao núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral, segundo a PF. Ele também teria espalhado fake news referentes ao tratamento contra a covid-19 e contra vacinas.
Augusto Heleno Ribeiro Pereira
Ggeneral, ex-comandante da Missão de Paz no Haiti, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) durante o governo Jair Bolsonaro.
Bernardo Romão Corrêa Netto
Coronel do Exército. Conforme a PF, teve participação ativa na convocação e realização de uma reunião em Brasília, em novembro de 2022, com militares das Forças Especiais, para discutir uma estratégia com o governo Bolsonaro sobre investidas golpistas.
Carlos Cesar Moretzsohn Rocha
Engenheiro eletrônico, foi contratado pelo PL para auditar as urnas eletrônicas e concluiu que elas eram passíveis de fraude.
Carlos Giovani Delevati Pasini
Coronel do Exército, indiciado por assinar carta aberta em suposto apoio a golpe de Estado por parte de Jair Bolsonaro.
Cleverson Ney Magalhães
Coronel do Exército, foi subcomandante do Centro de Guerra na Selva. É suspeito de ajudar a organizar os distúrbios de 8 de janeiro de 2023 em Brasília e de tentativa de golpe de Estado.
Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira
General, comandante do Comando de Operações Terrestres do Exército (Coter), ex-Forças Especiais.
Fabrício Moreira de Bastos
Coronel de Infantaria, foi adido na embaixada do Brasil em Israel. Foi indiciado por assinar uma carta aberta considerada com teor golpista.
Filipe Garcia Martins
Foi assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República. Teria entregue para Bolsonaro a minuta do golpe, conforme a delação de Mauro Cid. Martins era da chamada ala ideológica do governo Bolsonaro, discípulo do falecido escritor e teórico Olavo de Carvalho.
Em março de 2021, ele causou polêmica ao fazer um gesto que seria ligado a doutrinas de supremacia branca em sessão no Senado. Martins foi denunciado pelo Ministério Público Federal em junho de 2021 pelo episódio.
Fernando Cerimedo
Marqueteiro argentino fez parte do núcleo de disseminação de fake news para desestabilizar o sistema eleitoral brasileiro. Ficou conhecido por ter feito uma live em que acusou falsamente a existência de fraudes nas urnas no Brasil no pleito de 2022. As alegações foram desmentidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Investigação da Polícia Federal (PF) revelou que a atuação de Cerimedo e a live aconteceram em contexto de interlocução com bolsonaristas. O argentino tem relação de amizade com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL).
Giancarlo Gomes Rodrigues
Subtenente do Exército, trabalhava na Abin. Conforme a PF, espionou, sem ordem judicial, deputados de oposição a Bolsonaro, como Joice Hasselmann e Rodrigo Maia.
Guilherme Marques de Almeida
Tenente-coronel do Exército, é apontado como integrante de um núcleo de desinformação sobre a confiabilidade das urnas. É suspeito de disseminar fake news.
Hélio Ferreira Lima
Tenente-coronel do Exército, é ex-integrane das Forças Especiais e teria participado do plano para matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes (STF). Está preso.
Jair Messias Bolsonaro
Capitão reformado do Exército, presidente da República entre 2019 e 2022. Começou a carreira política como vereador no Rio e foi deputado federal.
José Eduardo de Oliveira e Silva
Padre em Osasco (SP), teria integrado um grupo responsável pelo assessoramento e elaboração de teses com fundamentação jurídica que poderiam justificar a continuidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no cargo após ser derrotado na eleição para o Planalto em 2022.
Laércio Vergílio
General, defendeu a prisão de Alexandre de Moraes e manutenção de Jair Bolsonaro no poder, mesmo após derrota eleitoral.
Marcelo Bormevet
Agente da Polícia Federal lotado na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), assessorava o diretor da agência, Alexandre Ramagem. É acusado de espionar ministros do STF.
Marcelo Costa Câmara
Capitão do Exército, ex-ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro. Acusado de disseminar fake news e planejar golpe de Estado.
Mário Fernandes
General, chefe-adjunto da Secretaria-Geral de Governo, ex-Forças Especiais.
Mauro Cesar Barbosa Cid
Tenente-coronel, ex-integrante das Forças Especiais, ajudante de ordens de Jair Bolsonaro.
Nilton Diniz Rodrigues
General, ex-comandante de uma brigada na Amazônia. Era das Forças Especiais e se comunicou com vários suspeitos de tramar golpe de Estado. Assinou carta em suposto apoio a golpe de Estado por parte de Jair Bolsonaro.
Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho
Empresário e blogueiro, é neto do ex-presidente e general João Figueiredo. Defensor da ditadura militar, foi indiciado por propaganda antidemocrática e incitar militares a golpe de Estado.
Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira
General, ministro da Defesa de Bolsonaro. Enviou um relatório ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançando suspeitas sobre a lisura das urnas.
Rafael Martins de Oliveira
Tenente-coronel do Exército, é um dos presos pelo plano terrorista de assassinato de Alexandre de Moraes (STF), Lula e Alckmin.
Ronald Ferreira de Araújo Júnior
Tenente-coronel do Exército, trabalhava no Centro de Comunicações e Guerra Eletrônica. Segundo a PF, participou da redação da minuta do golpe entregue a Jair Bolsonaro.
Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros
Tenente-coronel do Exército, integraria o núcleo de um grupo responsável por organizar reuniões e manifestações em frente aos quartéis, incluídos a mobilização, a logística e o financiamento de militares das forças especiais, em Brasília.
Tércio Arnaud Tomaz
Ex-assessor especial de Jair Bolsonaro, é considerado um dos pilares do chamado “gabinete do ódio”
Valdemar Costa Neto
Presidente do PL. Enviou à Justiça um relatório no qual coloca em descrédito a confiabilidade das urnas eletrônicas e o processo eleitoral.
Walter Souza Braga Netto
General, ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente na chapa derrotada de Jair Bolsonaro. Teria organizado reuniões para planejar golpe de Estado.
Wladimir Matos Soares
Agente da Polícia Federal, indiciado por passar informações sobre a segurança de Lula para autores de plano de assassinato do presidente eleito.