A investigação da Polícia Federal a respeito de fatos que levaram aos distúrbios golpistas de 8 de janeiro de 2023 se embasa, em grande parte, em diálogos de WhatsApp de militares que teriam insuflado os militantes a atentar contra a democracia.
Alguns tiveram celulares apreendidos. Outros foram presos, como os quatro oficiais e um agente da PF detidos nesta terça-feira (19).
Qual o papel de cada um na suposta trama golpista?
A reportagem acessou o relatório da PF, a denúncia da Procuradoria-Geral da República e os despachos do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinaram as prisões. Confira o resumo:
Mário Fernandes
General de Brigada (reservista), exercia a chefia substituta da Secretaria-Geral da Presidência da República no final da gestão de Jair Bolsonaro (PL).
Com formação em Forças Especiais (um "kid preto"), é considerado pela PF um investigado de perfil radical, "com registros de intenções antidemocráticas antes mesmo do resultado das eleições presidenciais de 2022".
A investigação constata que o militar atuou no planejamento, coordenação e execução de atos antidemocráticos que tinham a finalidade de impedir que o resultado das eleições fosse concretizado. "Com registros de que atuou diretamente com pessoas acampadas no QG do Exército, inclusive com constatações de que manteve relação direta com pessoas representativas desse local e lá esteve presencialmente".
Seria o elaborador do plano "Punhal Verde Amarelo", considerado terrorista pela PF, no qual consta expressamente como "missão" a execução do ministro Alexandre de Moraes e dos candidatos eleitos da chapa vencedora à Presidência da República.
As apurações apontam indícios de que Fernandes elaborou uma minuta de "gabinete de crise", no qual ele mesmo seria um dos representativos membros para buscar soluções para a provável crise política, social e institucional que se instalaria na sociedade brasileira, caso se consumasse o plano golpista.
Numa das conversas com Mauro Cid (tenente-coronel do Exército e ajudante de ordens de Bolsonaro), Fernandes afirma ter se encontrado com Bolsonaro em 8 de dezembro e pedido ação "com brevidade, para orientar tanto o pessoal do agro como os caminhoneiros". Ele afirma que Bolsonaro aceitou "nosso assessoramento".
Conforme diálogo interceptado pela PF, em 19 de dezembro, o general Mário Fernandes se queixa da indecisão de Bolsonaro quanto ao golpe, em conversa por WhatsApp com o coronel Reginaldo Vieira de Abreu, seu chefe de gabinete (investigado, mas não preso). O coronel desabafa e critica a falta de "coragem moral" do Presidente:
"Pô, eu pedi pro pessoal ir lá pra casa do presidente, lotaram, ficaram três horas lá, ele nem apareceu. Deve tá com vergonha, né?
REGINALDO VIEIRA DE ABREU
"Aí pedir pro pessoal ir lá pra casa do Arthur Lira. Aí, pô, eu tô com vergonha de pedir. Porra, puta merda. Ele que tenha coragem moral, pelo menos até quinta-feira, falar que não quer mais, né? Pessoal, pelo menos, passar o Natal em casa."
Hélio Ferreira Lima
Tenente-coronel do Exército, também "ex-kid preto", participou de reuniões de inconformados com o resultado das eleições, inclusive na residência do general Braga Netto (candidato a vice de Bolsonaro). Ali teria apresentado planejamento operacional para a atuação dos "kids pretos".
Conforme a investigação policial, mantinha um planejamento estratégico relacionado ao golpe de Estado, num documento que continha como apontamento a neutralização da capacidade de atuação de Moraes (interpretado pela PF como assassinato). Ele teria inclusive feito levantamento dos hábitos do ministro do STF, junto com o major Rafael Martins de Oliveira.
Rafael Martins de Oliveira
Major, conhecido como Joe, com formação em forças especiais (kid preto), participava de um grupo de WhatsApp, o Copa 2022, formado por militares que que tramavam o golpe militar. O codinome dele era Japão.
Entre suas tarefas estava arquitetar a prisão e possível execução do ministro Alexandre de Moraes. A PF diz que ele, o tenente-coronel Mauro Cid (ajudante de ordens do então presidente Bolsonaro) e o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima se reuniram em 12 de novembro na residência do general Walter Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro. Tinham acabado de perder as eleições e estimulavam bloqueios de rodovias por parte de eleitores inconformados com o resultado das urnas.
Dois dias após a reunião, o major Rafael manda mensagem a Mauro Cid, perguntando se há alguma novidade. Cid diz que não. Rafael se mostra otimista, mas alerta: "Vibração máxima. Recurso, zero".
Na sequência, Cid pergunta "Qual a estimativa de gastos?". Rafael responde: "Hotel, alimentação, material? R$ 100 mil".
A PF interpreta que Rafael fez estimativa para convocação de seus amigos kids pretos para se concentrar em Brasília para uma tentativa de golpe.
Rodrigo Bezerra Azevedo
Major do Exército, também ex-Forças Especiais, lotado no Comando de Operações Especiais, usava no grupo Copa 2022 o codinome Brasil. Seria um dos elaboradores do plano para assassinar o ministro Alexandre de Moraes.
Teria participado de ações diversas para incitar parcela da população ligada à direita do espectro político a resistirem à frente das instalações militares "para criar o ambiente propício ao golpe de Estado", relata a PF. A investigação diz que Azevedo integrava uma milícia digital que disseminava fake news sobre possíveis fraudes nas eleições de 2022 e ataques sistemáticos a ministros do STF e do TSE.
"Esse modo de atuação foi robustecido pelo emprego de técnicas de ações psicológicas e propaganda estratégica no ambiente politicamente sensível pelo 'Kids Pretos', instigando, auxiliando e direcionando líderes das manifestações antidemocráticas conforme seus interesses", ressalta o inquérito policial.
A PF atribui a essas ações os atos que culminaram nos distúrbios de 8 de janeiro de 2023 em Brasília.
Wladimir Soares
Agente da Polícia Federal. Conforme a PF, forneceu aos golpistas informações sobre o esquema de segurança pessoal do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do vice eleito, Geraldo Alckmin (PSB). Uma das cogitações, segundo a investigação, era assassinar Lula por envenenamento ou uso de químicos para causar um colapso orgânico.
"...o investigado, aproveitando-se das atribuições inerentes o seu cargo no período entre a diplomação e posse do governo eleito, repassou informações relacionadas a estrutura de segurança do presidente Lula para pessoas próximas ao então presidente Jair Bolsonaro, aderindo de forma direta ao intento golpista", ressalta o inquérito.
Parte das informações coletadas estavam em diálogo de Soares com um capitão do Exército que atuava no gabinete do então presidente Bolsonaro.