Uma intensa troca de mensagens em grupos que planejavam um golpe de Estado entre a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a posse dele, em janeiro de 2023, é a base das investigações que levaram à prisão de quatro militares e um policial federal na manhã desta terça-feira (19). Entre as cogitações do grupo estava enforcar o ministro Alexandre de Moraes (do Supremo Tribunal Federal) e envenenar Lula, além de assassinar o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB).
Os presos são: o general da reserva Mario Fernandes (que foi secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência durante o governo Jair Bolsonaro) e o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima e os majores Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo. Todos são ou foram "Kids Pretos", apelido pelo qual são conhecidas as forças especiais do Exército. Além deles, foi preso o policial federal Wladimir Matos Soares.
Conforme a PF, os golpistas usavam o codinome "Jeca" para se referir a Lula. Em relação ao presidente eleito, o plano consistiria em, "considerando sua vulnerabilidade de saúde e ida frequente a hospitais, a possibilidade de utilização de envenenamento ou uso de químicos para causar um colapso orgânico".
Já em relação a Moraes e Alckmin não há detalhamento, nas mensagens, de como seriam consumados os seus assassinatos. Mas uma pista surgiu em conversas captadas em outra operação da PF, que resultou na prisão do coronel Mauro Cid, militar do Exército que trabalhava como ajudante de ordens do presidente Bolsonaro.
O rastreamento dele mostrou que, em novembro de 2022, interlocutores explicitam a vontade de assassinar Moraes. Dois exemplos:
"Estejamos prontos… A ruptura institucional já ocorreu… Tudo que for feito agora, da parte do PR, FA e tudo mais, não vai parar a revolução do povo", diz um militar. "Vai ter careca sendo arrastado por blindado em Brasília?", questiona outro. Desse grupo participariam os militares presos nesta terça-feira (19).
O próprio Moraes, em entrevistas, falou recentemente que as mensagens interceptadas em 2022 falam no seu enforcamento na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Seria algo inspirado na morte do ditador italiano Benito Mussolini, em abril de 1945.
As prisões dos quatro militares e do policial federal, feitas hoje, estão embasadas em mensagens trocadas em seis celulares, habilitados em nomes de terceiros e "associados a codinomes de países, para anonimização da ação criminosa", diz o relatório da PF.
Num documento anexado em 9 de novembro de 2022 a um dos celulares, conforme a PF, o general Mario Fernandes elabora tópicos relacionados à munição que seria usada pelos Kids Pretos no golpe. Na sequência, a lista com o arsenal previsto revela o alto poderio bélico que estava programado para ser utilizado na ação. São pistolas e fuzis calibre 9 mm, .40, 5,56 mm, 7,62 mm e .38, usados tanto por policiais quanto por militares. "Chama atenção, sobretudo, o armamento coletivo previsto, sendo uma metralhadora M249 _ MAG _ MINIMI (calibre 7,62), um lança-granadas 40 mm e um lança-rojão AT4 (bazuca). São armamentos de guerra comumente utilizados por grupos de combate", ressalta o relatório da PF. Os militares tinham até codinome para a tentativa de golpe: Operação Punhal Verde e Amarelo. Ação que deu errado porque a cúpula das Forças Armadas não aderiu ao plano.
Quem são os "Kids Pretos"
As tropas especiais (conhecidas como Kids Pretos por usarem uma boina preta) fazem parte do Centro de Instrução de Operações Especiais, programa existente desde 1957 e inspirado no curso "Ranger" dos EUA (principal unidade de infantaria leve e força de operações especiais do Exército norte-americano).
Os "Kids Pretos" podem passar pelos treinamentos intensivos em três lugares diferentes: Comando de Operações Especiais, em Goiânia, no Centro de Instrução de Operações Especiais, em Niterói, no Rio, ou podem completar a formação em Manaus, na 3ª Companhia de Forças Especiais. A formação é similar à do famoso Batalhão de Operações Especiais (Bope) das PMs.
O curso tem a duração máxima de 23 semanas (em média cinco meses) e ensina táticas específicas das operações especiais, como, por exemplo, guerra irregular e operações contra forças irregulares. A ideia é a "consecução de objetivos políticos, econômicos, psicossociais ou militares relevantes, preponderantemente, por meio de alternativas militares não convencionais", explicam as informações publicadas pelo Centro de Instrução de Operações Especiais (CiOpEsp).
Essas missões podem acontecer tanto em momentos de crise ou conflito quanto em momentos de paz e regularidade institucional.