Áudios recuperados pela Polícia Federal (PF) mostram que oficiais do Exército da ativa e da reserva, apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro (PL), tinham dia certo para prender o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, tentariam impedir a posse do vitorioso nas eleições presidenciais de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A prisão ocorreria em 18 de dezembro, conforme conversas gravadas pelo aplicativo WhatsApp.
Algumas gravações constam no lote de 27 depoimentos prestados à PF por investigados por tentativa de golpe de Estado e que foram alvo da Operação Tempus Veritatis, em 8 de fevereiro passado.
Um dos depoimentos é do coronel Laércio Vergílio, que está na reserva desde o início dos anos 2000 e participava, em 2022, de um grupo de WhatsApp que incluía oficiais da ativa e reservistas das Forças Armadas – todos leais ao então presidente Jair Bolsonaro. Confrontado com três áudios expostos pela PF, ele confirma que é o autor das mensagens. Nelas, Vergílio conversa com o major da reserva Ailton Gonçalves Moraes Barros, que frequentava o Palácio do Planalto e era interlocutor frequente dos filhos do presidente. Veja principais trechos da mensagem:
“Hoje é meia-noite de 15 de dezembro e estamos já todos quase jogando a toalha, né...então quem tem de fazer esse pronunciamento é o Freire Gomes (comandante do Exército) ou o Bolsonaro. Botar as Forças Armadas para agir. Não é tão difícil. O outro lado tem a caneta. Nós temos a caneta e a força. Então, se preciso for, vai ser fora das quatro linhas”.
Na continuidade de gravação, Vergílio fala da necessidade de prender o ministro do STF:
“E aí nessa ordem de operações...nas portarias que tiverem que ser assinadas, tem que ser dada a missão ao comandante da Brigada de Operações Especiais de Goiânia de prender o Alexandre de Moraes no domingo, na casa dele, como ele faz com todo mundo. E aí, na segunda-feira, ser lida a portaria ou as portarias, o decreto ou os decretos de garantia da lei e da ordem, e botar as Forças Armadas, cujo comandante supremo é o Presidente da República para agir, senão nunca mais nós vamos limpar o nome do glorioso Exército de Caxias. É isso aí.”
Em depoimento à PF, Vergílio confirmou ter falado na prisão de Moraes, mas disse que não sabe dizer como ela ocorreria, já que está na reserva desde 2000. Ele afirmou ter apenas dado sua opinião em relação a esse fato porque, no seu ponto de vista, “a prisão seria necessária para volta da normalidade institucional e a harmonia entre os poderes”.
As gravações confirmam outros áudios já obtidos pela PF, no ano passado. Numa conversa, o já citado major da reserva Ailton Barros conversa com o coronel da reserva Elcio Franco (ex-adjunto do ministro da Saúde de Bolsonaro, general Eduardo Pazuello). Barros fala da necessidade de convocar tropas para impedir a posse de Lula. “É preciso convencer o comandante da Brigada de Operações Especiais de Goiânia a prender o Alexandre de Moraes. Vamos organizar, desenvolver, instruir e equipar 1,5 mil homens.”
Franco lamenta a falta de apoio do comandante do Exército, general Freire Gomes, para a empreitada. "O Freire não vai. Você não vai esperar dele que ele tome à frente nesse assunto, porque ele tá com medo das consequências, pô. Medo das consequências é o quê? Ele ter insuflado?.”
Mas existiam também oficiais da ativa pedindo intervenção militar para impedir a posse de Lula. Num áudio de 30 de novembro de 2022 (interceptado em outra ação da PF), o coronel Jean Lawand Junior apela ao tenente-coronel Mauro Cid (ajudante de ordens de Bolsonaro) para que o então presidente impeça a posse de Lula.
“Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele [Bolsonaro] dê a ordem, que o povo tá com ele, cara. Se os caras não cumprirem, o problema é deles. Acaba o Exército Brasileiro se esses caras não cumprirem a ordem do Comandante Supremo. Como é que eu vou aceitar uma ordem de um general que não aceitou a ordem do Comandante?. Pelo amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele a fazer."
A PF também investiga um grupo de WhatsApp formado por militares da ativa e do qual fazia parte o tenente-coronel Cid, ajudante de Bolsonaro. A imprensa não teve acesso aos nomes dos interlocutores, mas algumas mensagens, de novembro de 2022, fazem referências veladas a Alexandre de Moraes, o “Careca”. Exemplo:
“Estejamos prontos… A ruptura institucional já ocorreu… Tudo que for feito agora, da parte do PR, FA e tudo mais, não vai parar a revolução do povo”, diz um militar. “Vai ter careca sendo arrastado por blindado em Brasília?”, questiona outro.
Os autores das mensagens ainda devem ser ouvidos pela PF.