A prisão do general da reserva e ex-ministro Walter Braga Netto é mais um capítulo na intrincada investigação da Polícia Federal que tenta verificar quem participou e financiou, em 2022, uma tentativa de golpe de Estado para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A suspeita é que empresas do setor de transporte e agropecuaristas ajudaram nesse projeto, que segundo a PF previa até assassinatos do eleito e de integrantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para manter no poder o presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado nas urnas.
Conforme delação de Mauro Cid, tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Braga Netto teria recebido dinheiro do agronegócio para fomentar acampamentos em frente aos quartéis das Forças Armadas e bloqueios de rodovias, na tentativa de impedir a posse de Lula. De acordo com a PF, o general foi além: teria usado também parte do dinheiro para tentar colocar em prática o plano de assassinato do presidente eleito, do vice Geraldo Alckmin (PSB) e do presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes. A verba teria sido acondicionada em sacolas de vinho e entregue na casa de Braga Netto.
A delação coincide com conversas obtidas pela PF, nas quais, em16 de novembro, ele menciona o papel de "empresários do agro" no financiamento de carros de som em Brasília. Em outra interceptação, já após a posse de Lula, em 8 de janeiro de 2023, uma das denunciadas pelo quebra-quebra nos prédios do Distrito Federal e tentativa de golpe de Estado também mencionou que empresários do agro e dos transportes locaram 3 mil ônibus para as manifestações.
O que existe de concreto sobre isso? Este colunista teve acesso a dois relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobre financiadores de atos antidemocráticos. Eles somam mais de 100 páginas e mostram que as manifestações que culminaram em depredações em série das sedes dos três poderes em Brasília, em 8 de janeiro, foram convocadas sob vários slogans. Um deles, explícito, era Ato Tomada pelo Povo. Outro, Festa da Selma, era o codinome para disfarçar com ares lúdicos os planos de invasão do Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Resta saber se o general Braga Netto realmente influenciou nesses eventos, seja no planejamento ou nos pedidos de financiamento.
As análises da Abin estão divididas em eixos. Um deles aponta articuladores de atos que defenderam intervenção militar ainda em 2022, antes e depois das eleições do ano passado, todos em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Muitas dessas manifestações resultaram em bloqueios rodoviários.
Outro eixo é o dos financiadores dos atos extremistas de 8 de janeiro de 2023, especificamente. Conforme a Abin, foram gastos R$ 599,9 mil no fretamento de veículos para transporte coletivo de manifestantes de 15 Estados a Brasília, entre os dias 6 e 8 de janeiro.
Apoio financeiro e bloqueio das vias
A Abin aponta o Movimento Brasil Verde e Amarelo (MBVA) como um dos "principais articuladores" de atos políticos radicais no país, entre 2020 e 2022. Conforme a análise, dentre as manifestações que o MBVA endossou e ajudou a financiar estão o acampamento 300 pelo Brasil (em maio de 2020), o tratoraço de maio de 2021, o protesto com tratores e máquinas agrícolas em frente à delegacia da PF em Sinop em agosto de 2021, as manifestações de 7 de setembro de 2021 e 7 de setembro de 2022 em todo o país, além de bloqueios de estradas após as eleições do ano passado. Todas foram consideradas antidemocráticas.
"Os municípios de influência do MBVA são os mesmos de onde partiram os principais comboios de caminhões para manifestações contrárias ao resultado das eleições, em 2022. Muitos dos caminhões que partiram para apoiar o acampamento em frente ao Quartel do Exército vieram de regiões de influência do MBVA", informa o documento da Abin.
O MBVA foi fundado em 2018, com apoio de sojicultores e empresas agrícolas de todo o país. A maioria das lideranças é de Mato Grosso, Goiás, Bahia e Paraná, inclusive vários gaúchos radicados nesses Estados.
"Com capacidade de mobilização nacional, o MBVA organizou atos em Brasília que contaram com deslocamento de máquinas agrícolas, caminhões e caravanas de suas áreas de influência local. A partir da articulação da sua rede de contatos nos sindicatos rurais, o grupo demanda e coordena doações em suas bases", enfatiza a Abin. Os municípios de influência das lideranças do MBVA são praticamente os mesmos de onde partiram os principais comboios de caminhões com destino a Brasília para as manifestações contra o resultado eleitoral em 2022, assim como nas manifestações ocorridas entre 8 e 10 de setembro de 2021", reforça o documento.
O relatório lista atos que o grupo promoveu ou dos quais participou:
- Ato na feira Agrobrasília em maio de 2019. em apoio a reformas econômicas.
- Organização do acampamento 300 pelo Brasil, em Brasília, em maio de 2020.
- Organização do comboio de tratores e caminhões rumo a Brasília, em 15 de maio 2021.
- Protesto com tratores na sede da PF em Sinop (MT), em 23 de agosto 2021.
- Manifestações do 7 de setembro de 2021.
- Comboio de máquinas pesadas a Brasília, para a manifestação do 7 de setembro de 2022.
- Bloqueios de estradas e atos contra o resultado eleitoral, a partir de 31 de outubro 2022.
A Abin identificou também 103 ônibus fretados para levar manifestantes de 15 Estados brasileiros até Brasília, às vésperas do badernaço de 8 de janeiro. Eles transportaram 3.875 pessoas para as manifestações, que culminaram em vandalismo nas sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário federais. Os documentos identificam os responsáveis pela contratação dos ônibus e alguns financiadores do transporte, bem como valores gastos na mobilização. Alguns tiveram bens bloqueados, a pedido da Advocacia Geral da União (AGU).
Os gaúchos, moradores do Rio Grande do Sul ou radicados em outros Estados, não chegam a ser destaque na lista. Foram identificados apenas oito ônibus que saíram de território gaúcho rumo a Brasília e um, contratado por gaúcho, que saiu do Paraná. O relatório menciona oito cidadãos do Rio Grande do Sul que teriam incitado e participado dos quebra-quebras em Brasília. Todos são processados por atos antidemocráticos. Agora o desafio é comprovar se existem ligações efetivas entre eles e os militares indiciados pela PF por tramar golpe de Estado.