O fim dos 50 anos da família Assad no poder na Síria (20 deles com Bashar, que era presidente até dois dias atrás) está longe de significar calma. Nesse país que é uma encruzilhada física e cultural do Oriente Médio, pelo menos cinco grandes grupos guerrilheiros disputarão espaço geopolítico — além das forças do antigo regime, que não são pequenas, embora alijadas agora do poder.
Quem formalmente assumiu a tarefa de montar um governo é o Hayat Tahrir al-Sham (HTS), ou Organização para a Libertação do Levante na sigla em árabe. É um grupo islâmico que no passado foi o braço local da rede terrorista Al Qaeda, mas que rompeu com ela justamente pela disposição em formar alianças para combater o regime de Assad.
Junto com o HTS entraram na capital, Damasco, integrantes do Exército Livre da Síria (ELS), um grupo formado por militares que discordavam da ditadura Assad e que recebeu amplo apoio do Ocidente. Não é religioso e conta com apoio velado da Arábia Saudita, Estados Unidos e países europeus. Predomina no sul do país.
No nordeste do país o domínio é do Exército Nacional Sírio (SNA), apoiado pela Turquia e que tem como principais inimigos os curdos, etnia que domina o noroeste da Síria. As milícias curdas disputam espaço com remanescentes do grupo terrorista Estado Islâmico (EI), que chegou a controlar a fronteira síria com o Iraque e hoje apenas domina alguns campos de extração de petróleo, com base na extorsão.
E existem também grupos menores, em sua maioria radicais islâmicos.
É preciso ainda saber o que será feito no litoral do Mediterrâneo, região com duas bases aeronavais russas e amplo apoio ao regime deposto de Assad.
Em resumo, o futuro da Síria está cada vez mais parecido com o presente da Líbia, outro país do Oriente Médio que derrubou uma ditadura, só que em 2011 (o governante Muamar Kadaffi estava há 40 anos no poder). O assassinato dele desencadeou uma disputa que rachou o país ao meio, com dois governos. Na capital, a oeste, predominância de uma coalisão de grupos islâmicos, mas que permitem influência de petrolíferas ocidentais. No leste, domínio da milícia fundada por um militar não religioso, apoiado pela Rússia.
Na Síria a situação é ainda mais complexa, porque não são dois blocos, mas vários. Ainda nesta segunda-feira (9) um Conselho Nacional de Transição (que inclui ex-aliados de Assad) foi formado, definindo parâmetros para o novo governo. A meta é proteção a todos os cidadãos do país e a preservação da unidade territorial. Vai funcionar? Mente quem disser que sabe.